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  • Bildung [Dicionário Global]

    Bildung [Dicionário Global]

    Introdução

    A palavra alemã Bildung é intraduzível (BOLLENBECK, 1994). Ela tem sido fundamental para a construção de uma autocompreensão cultural moderna e individual dos falantes de alemão. É consequentemente difícil separá-la do seu carácter distintivo e da sua história. Contudo, nas traduções de muitos textos relevantes para os direitos humanos, a própria palavra intraduzível é utilizada para tradução, seja na Alemanha, Áustria ou Suíça. É aí utilizada em lugar de educação, education, éducation, instruzioni, etc., ou seja, em vez do que se chamaria Erziehung em alemão. Isto aplica-se tanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) como ao Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

    Como se pode justificar esta tradução, que parece contradizer uma filiação cultural específica da palavra Bildung e, além disso, denota com educação um antigo hipónimo e, por vezes, antónimo de Bildung? Ao responder a esta pergunta, é importante conhecer o significado e a história da palavra. No ponto seguinte, isto será realizado por meio de um esboço ideia-histórico e histórico-semântico. O objetivo é derivar aspetos de Bildung que são consistentes com a compreensão internacional dos direitos humanos da educação como a noção de uma “plena expansão da personalidade” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, 7). Também a ideia de Bildung, de que o livre desenvolvimento do indivíduo contribui para o seu bem-estar e o da sociedade, está diretamente relacionada com a própria ideia dos direitos humanos. Isto é mostrado no ponto seguinte, no qual os dois textos sobre direitos humanos mencionados são comentados, ou seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966). No último ponto, algumas das razões para as convergências de Bildung e do direito humano à educação são mencionadas e problematizadas. O desenvolvimento através da Bildung e o direito à educação preferem indivíduos que, através da aprendizagem livre e voluntária, adquirem conhecimentos de arte, literatura e direito, da sociedade, história e outras culturas, e ganham, por conseguinte, tolerância e responsabilidade. No entanto, estas ideias são baseadas em seleções culturais e sociais e não são, portanto, universais, o que conduz a conflitos.

    Bildung: semântica histórica, história das ideias, institucionalização

    O conceito de Bildung sofreu uma transformação de significado entre o final do século XVIII e o primeiro terço do século XIX (VIERHAUS, 1972; KOSELLECK, 1990). Anteriormente, Bildung podia denotar um fenómeno de carácter natural ou artístico, tal como uma cadeia de montanhas, uma escultura ou uma espécie de animal. Nesta perspetiva, Bildung foi também o processo de formação daqueles fenómenos, mas não a formação e desenvolvimento da personalidade individual. Falou-se também de Bildung como sinónimo de Bild (“imagem”) em teologia e na mística, no pietismo e na doutrina do imago Dei. Aqui já havia um momento individual processual: o ser humano, que é a imagem de Deus, deveria conformar-se ao modelo divino através de uma vida agradável a Deus. E também na corrente do luteranismo pietista a ideia de Bildung estava enraizada num processo, o piedoso aprofundamento e afeto do indivíduo para com Deus dentro da comunidade pietista local, que o completava espiritualmente. No entanto, os significados religiosos da Bildung não permitiam que os indivíduos tivessem as suas próprias particularidades. A cosmovisão religiosa forneceu o quadro dentro do qual os sujeitos se podiam formar e completar a si próprios. Não poderia ela própria ser transgredida ou alterada pelos sujeitos.

    Este poder transformador e transgressivo é cada vez mais atribuído à Bildung a partir do último terço do século XVIII. Vários fatores são decisivos para isto. Entre eles, está a teoria da epigénese, de Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), que tem influência na Alemanha e fala de um Bildungstrieb (“instinto educativo”). Em contraste com a teoria da pré-formação, esta teoria biológica assume que os seres individuais sofrem um desenvolvimento genuíno e não pré-determinado na interação das suas predisposições com o seu ambiente. A teoria da epigénese é uma elaboração biológica do individualismo e de uma visão progressiva da história que é relevante para a Bildungsphilosophie (MÜLLER-SIEVERS, 1993). Da mesma forma, a filosofia de cultura e linguagem de Johann Gottfried Herder (1744-1803) combina a ideia de um desenvolvimento genuíno das culturas e dos seres humanos, e.g., em Auch eine Philosophie der Geschichte zur Bildung der Menschheit [Outra Filosofia da História para a Educação da Humanidade] (1774) e nas Ideen zur Philosophie der Geschichte der Menschheit [Ideias para Uma Filosofia da História da Humanidade] (1784-1791). Cada ser humano e cada cultura são criações únicas, são fruto de forças genuínas. Promovê-las e conhecê-las significa expandir a riqueza cultural e contribuir para a perfeição da humanidade. O conhecimento das culturas passadas e de outras culturas presentes, que contribui para a Bildung des Selbst (“a formação do eu”), é excelentemente aumentado pelo estudo da suas línguas e da suas literaturas como a expressão linguística mais elevada. Herder tinha um passado pietista e era também ativo como pregador, mas os seus escritos filosóficos e filológicos, que influenciam a elite literária e a cultura da burguesia alemã, tornam-no famoso. É nomeado para o ducado de Velmar, o centro cultural da Alemanha, através do apoio de Goethe.

    Particularmente relevante para a nova conceção e, ainda mais, para a institucionalização da Bildung é Wilhelm von Humboldt (1767-1835), cuja filosofia da linguagem segue a de Herder. Já em 1792, em Ideen zu einem Versuch, die Grenzen der Wirksamkeit des Staats zu bestimme [Ideias para Uma Tentativa de Determinar os Limites da Eficácia do Estado], Humboldt definiu o Estado não como um controlador de indivíduos, mas como um apoiante do autodesenvolvimento e da otimização individual: “Der wahre Zweck des Menschen, nicht der, welchen die wechselnde Neigung, sondern welchen die ewig unveränderliche Vernunft ihm vorschreibt – Ist die höchste und proportionirlichste Bildung seiner Kräfte zu einem Ganzen. Zu dieser Bildung ist Freiheit die erste und unerlässliche Bedingung” [“O fim verdadeiro do Homem, não o prescrito pela mudança de inclinação, mas o prescrito por uma razão eternamente inalterável, é a Bildung mais sublime e mais proporcional dos seus poderes num todo. Para esta Bildung, a liberdade é a primeira e indispensável condição” (HUMBOLDT, 1852, 9).

    Como ministro da Educação, Humboldt lidera mais tarde a Preußische Bildungreform (Reforma Educacional Prussiana) (1809-1812), que conduzirá não só à fundação da Universidade de Berlim, mas também a uma normalização nacional da educação desde a escola primária até à universidade (BOSSE, 2014). A Reforma tenta implementar a utopia do desenvolvimento integral do indivíduo em liberdade em termos institucionais (HOHENDAHL, 1982).

    Na Alemanha, portanto, certas ideias do Iluminismo, que estavam estreitamente ligadas à França e à Inglaterra, são abandonadas (VOSSKAMP, 2009). Da perspetiva da história das ideias, o sistema educativo alemão está a mudar os termos “utilidade” para Bildung e “filantropia” para “neo-humanismo” (BLANKERTZ, 1965; LUHMANN, 1981). E não há dúvida de que a mudança para poderes de formação pessoal é também o resultado da derrota na guerra contra Napoleão, que introduziu o Código Civil nos territórios ocupados e assim implementou uma modernização par ordre du mufti. Através da reforma educacional, os recursos intelectuais deveriam substituir no Estado prussiano o que este perdeu em recursos financeiros e possibilidades materiais. Na ausência de alternativas e tendo em conta o perigo de revolução, a Monarquia prussiana confia nas forças livres dos indivíduos e no poder orientador da cultura e das instituições da educação. Estes processos podem ser ligados à palavra Bildung porque, por um lado, ela é difusa e pode ser ligada a aspirações religiosas e conservadoras, liberais e progressistas. Por outro, o verbo Bilden pode ser usado tanto transitória como intransitivamente. Pode-se formar as pessoas, mas elas também se podem formar a si próprias, livremente (BOSSE, 2014).

    O cativante da ideia de Bildung no início do século XIX, então, é a sua conectividade epistémica, o seu poder de compromisso e o seu carácter nacional, cultural e individualista. A Bildung torna-se assim um termo de combate contra a civilização racionalista “fria” dos Estados iluminados de França e Inglaterra, na qual a ideia de uma cultura alemã “profunda” que não necessita de uma revolução criará raízes, pois a Bildung não é diretamente utilitária, nem a participação política imediata é decisiva para os que se formam. Pelo contrário, a reforma deve, lenta e sucessivamente, através da transformação das mentes e dos gostos, através de uma cultura da alma e do trabalho em instituições educacionais, produzir aqueles indivíduos que são ética e moralmente adequados para se tornarem também politicamente ativos. A reforma educacional prussiana não ataca diretamente as elites políticas do sistema feudal e, ao mesmo tempo, acomoda os realizadores burgueses e afirma as suas convicções e hábitos. No entanto, em comparação com as possibilidades anteriores, o seu conteúdo é utópico e bastante radical (HOHENDAHL, 1982). Por exemplo, a reforma educacional prevê a escolaridade obrigatória geral e livre.

    Contudo, o sistema educacional está cada vez mais enfraquecido durante o período de Restauração (1815-1830) e após a Revolução Francesa de julho (1830) (FRIEDEBURG, 1989) As escolas, por exemplo, que dão acesso à universidade, existem apenas em cidades maiores. Os seus alunos ou são aristocratas, ou crianças de famílias académicas que enfrentam lições extremamente intensivas de aprendizagem e têm de aperfeiçoar o grego antigo e o latim, pois na visão do Homem do neo-humanismo a Antiguidade grega representa o inatingível, o ideal clássico, a educação mais elevada da história, que é abordada através do estudo da língua. Em contraste, nas escolas obrigatórias, a carga de aprendizagem é reduzida e o enquadramento autoritário das crianças está em primeiro plano. A retirada das oportunidades educacionais e a seleção rígida fomentam o descontentamento social e alimentam os revolucionários liberais que, após a revolução de 1848, dão à Alemanha uma constituição válida por um curto período de tempo, a chamada Paulskirchenverfassung (Constituição da Igreja São Paulo). Este ato legislativo também assegura os chamados direitos fundamentais. Sobre o tema da educação, declara: “§ 155: A educação da juventude alemã deve ser suficientemente assegurada por escolas públicas em toda a parte. […] § 157: Não serão pagas propinas escolares para a educação nas escolas primárias e nas escolas profissionais de nível inferior. Os impecuniosos receberão propinas gratuitas em todas as instituições públicas de ensino. § 158: Cada um é livre de escolher a sua profissão e de preparar-se para ela como e onde quiser” (VERFASSUNG DES DEUTSCHEN REICHES, 1848). Pode-se ver que a escolaridade obrigatória, o individualismo, a livre escolha da profissão e da educação, estão em primeiro plano. Os obstáculos sociais devem ser reduzidos. E o efeito destas medidas é a Bildung der deutschen Jugend (“Educação da juventude alemã”). Nestes parágrafos, a Constituição da Igreja São Paulo mostra-se como o resultado legal das transformações semânticas e dos esforços filosóficos e reformistas para a Bildung.

    No entanto, muitas dos progressos liberais são rapidamente revertidos pelas duas monarquias mais fortes. As tropas prussianas e austríacas intervêm onde a revolução liberal é particularmente bem sucedida. Na era reacionária seguinte, surge o Bildungsbürgertum, a “burguesia educada”, um estrato maioritariamente urbano que atinge importância hegemónica em questões de arte, cultura e educação, mas que não reivindica poder político nem se concentra principalmente na riqueza económica. Pode reproduzir-se através de instituições educativas e consolidar o seu poder cultural através da ideia de Bildung (BOLLENBECK, 1994). Carreiras com uma componente académica significam capital cultural e social, e não poucos jovens aristocratas são deliberadamente colocados nestas carreiras, as quais oferecem a perspetiva não só de prestígio mas também de posições no médio e alto oficialismo. Porém, há também países de língua alemã onde o sistema educativo é mais utilitário como é o caso na Suíça.

    Em resumo, contudo, pode dizer-se que instituições como a Universidade Humboldt, o liceu neo-humanista ou o jardim de infância de um Friedrich Froebel contribuem para o estabelecimento e consolidação de uma compreensão da educação que se concentra no desenvolvimento holístico dos pontos fortes do indivíduo através do estudo da arte e da cultura, o seu desenvolvimento moral e o seu desenvolvimento pessoal na sua profissão. Este desenvolvimento é inicialmente desligado de uma utilização concreta da atividade específica-social do indivíduo; não é pragmático mas sim idealista e individualista e centra-se na aquisição e reflexão de conteúdos e técnicas culturais. No entanto, assume-se implicitamente que a personalidade desdobrada tem um uso social e que o seu possuidor irá encontrar um emprego. Estes são também aspetos que estão ancorados no direito humano à educação.

    Educação como um direito humano

    O direito humano à educação é definido no art. 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Humanos. As passagens relevantes podem ser lidas na tradução oficial portuguesa: “1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito; 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).

    No Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aberto à assinatura a partir de 16 de dezembro de 1966, e que entrou em vigor a 3 de janeiro de 1976, o art. 13.º especifica estes contextos: “1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa à educação. Concordam que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade e reforçar o respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Concordam também que a educação deve habilitar toda a pessoa a desempenhar um papel útil numa sociedade livre, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos, raciais, étnicos e religiosos, e favorecer as atividades das Nações Unidas para a conservação da paz” (Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, 1966).

    Não se nota aqui apenas uma correspondência técnico-administrativa sobre o conteúdo das reformas prussianas no que diz respeito ao ensino obrigatório e ao acesso às universidades. A cada pessoa é concedido o direito à educação, e ao mesmo tempo os representantes são obrigados a garantir que as crianças vão à escola. A formação profissional é normalizada e assim colocada nas mãos do Estado, e o acesso à universidade é aberto. Além disso, a nível semântico-epistémico, pode-se descobrir uma conceção do indivíduo que lhe confere um desenvolvimento completamente independente, mas ao mesmo tempo liga um momento normativo-ético a este desenvolvimento. É uma ligação recursiva idealista (ou ingénua?) entre os indivíduos e os direitos humanos: aqueles que se podem desenvolver livremente defenderão também o livre desenvolvimento, a coexistência de indivíduos e nações, a paz. A componente individual é acentuada ainda mais fortemente em 1966. Também os textos concordam que a educação deve permitir a cada pessoa desempenhar um papel útil numa sociedade livre, promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos, raciais, étnicos e religiosos, e apoiar as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. Trata-se de um cânone de valores que está de acordo com a filosofia da humanidade e do idealismo alemão, assim como com o conteúdo das reformas educativas alemãs.

    Razões e problemas

    Há aspetos da história das ideias que tornam o fenómeno compreensível. Sem dúvida Herder e Immanuel Kant têm sido influências decisivas, não só para a conceção da Bildung, mas também para a definição dos direitos humanos (cf. entrada Kant, Immanuel). Com efeito, ambos fundamentaram ideias de autonomia individual, diversidade cultural e paz mundial na filosofia da subjetividade, na filosofia cultural e na filosofia jurídica e, portanto, também, na palavra Bildung. Outras razões para a carreira de Bildung de um padrão cultural alemão para um direito humano são, por um lado, o facto de a conceção alemã de educação e o sistema educativo alemão, com as suas reformas, terem moldaso significativamente a história das teorias e instituições de educação moderna (FRIEDEBURG, 1989; TAKAHASHI & BORSCHE, 2018). Tanto as instituições, como jardins de infância, liceus e universidades, como os atores programáticos, como John Dewey, são influenciados pelas ideias de desenvolvimento humano livre, com o objetivo de melhorar a sociedade. Por outro lado, a ideia de educação seculariza uma compreensão progressista e laboriosa do indivíduo com base protestante, o que tem sido decisivo para a formação do capitalismo e do mundo moderno (WEBER, 1905; TROELTSCH, 1906). E os direitos humanos têm sido associados ao protestantismo, por exemplo, o seu direito à liberdade religiosa e à livre escolha de ocupação (JELLINEK, 1895). O direito humano à educação propaga a educação livre e sem custos, mas também obriga as crianças e os pais a adaptarem-se à economia existente e a um estado laico que regula as instituições de ensino. Com o ensino secundário e superior, o Estado facilita a auto-otimização dos seus indivíduos, dos quais espera uma confirmação dos seus valores e uma progressão da sua economia.

    Mas esta constelação dá origem a problemas que têm aumentados recentemente. Nas últimas décadas, as sociedades ocidentais têm vindo a reorientar as suas economias para sujeitos atentos, que agem de maneira sustentável e estão interessados na diversidade cultural e biológica. O Estado e a economia esperam incentivos destes indivíduos para otimizar a coexistência ou para desenvolver produtos e expandir mercados. Devido às suas idiossincrasias e liberdade genuínas, estes indivíduos funcionam simultaneamente como produtores e consumidores (BÖHME, 2016; RECKWITZ, 2017). E eles estão coevoluídos com os meios de comunicação social digitais, que permitem e consolidam os seus estilos de vida ativos e flexíveis. Este padrão de subjetividade está prefigurado no conceito alemão de Bildung e ecoa no direito humano à educação (FOHRMANN, 2016; CHRISTIANS, 2021), e destaca assim o problema dos direitos universais, que, por sua vez, podem funcionar como padrões de exclusão. Pois os indivíduos que encarnam O novo espírito do capitalismo (Boltanski/Chiapello) são na sua maioria académicos ou pelo menos ganharam acesso ao ensino superior.

    Assim, usando Bildung como exemplo, estamos a lidar com um problema interessante e duplo de universalidade que conduz aos conflitos centrais dos próprios direitos humanos. Por um lado, existe uma ideia ocidental singular que tende agora a ser universalizada. Por outro lado, há a generalização legal de uma ideia do ser humano que é, em última análise, economicamente conectável e que consolidou e recompensou um grupo socialmente privilegiado. Estes dois momentos de excrescência – um cultural, o outro social – são motores de conflito que se podem reforçar mutuamente. Dentro da modernidade ocidental, vozes dissidentes articulam-se contra a ideia dum pleno desenvolvimento pessoal (ou aprendizagem voluntária ao longo da vida) ligada à tolerância e outros valores dos direitos humanos. A “nova direita”, desde Trump (que disse “I love the poorly educated”) à AFD (na Alemanha) até ao Chega (em Portugal), é profundamente antifeminista, antiqueer e orientada pelo ressentimento contra as elites culturais e educacionais. Mas também internacionalmente a educação ocidental, seja qual for o seu significado, é o foco da crítica. O grupo terrorista nigeriano Boko Haram já articula esta posição frontal no seu nome, uma vez que o “livro” (boko) “proibido” (haram) se refere à educação ocidental, que este movimento islâmico combate em todo o lado, especialmente ao raptar raparigas das escolas.

    Bibliografia

    Impressa

    BÖHME, G. (2016). Ästhetischer Kapitalismus. Berlin: Suhrkamp.

    BLANKERTZ, H. (ed.) (1965). Bildung und Brauchbarkeit. Texte von J. H. Campe und P. Villaume zur Utilitären Erziehung. Brunsvique: Westermann.

    BOLLENBECK, G. (1994). Bildung und Kultur. Glanz und Elend eines Deutschen Deutungsmusters. Frankfurt: Insel.

    BOSSE, H. (2012). Die Bildungsrevolution: 1770-1830. Heidelberg: Winter.

    CHRISTIANS, H. (2020). Wilhelm Meisters Erbe. Deutsche Bildungsidee und Globale Digitalisierung. Vellmar/Cologne: Böhlau.

    FOHRMANN, O. (2016). Im Spiegel des Geldes. Bildung und Identität in Zeiten der Ökonomisierung. Bielefeld: Transcript.

    HOHENDAHL, P. U. (1982). “Reform als utopie. Die preußische bildungspolitik (1809-1817)”. In W. Vosskamp (ed.). Utopieforschung. Interdisziplinäre Studien zur Neuzeitlichen Utopie (t. 3) (250-272). Stuttgart: Metzler.

    JELLINEK, Georg, Die Erklärung der Menschen- und Bürgerrechte. Ein Beitrag zur modernen Verfassungsgeschichte, Lípsia: Duncker & Humblot, 1895.

    KOSELLECK, Reinhart, „Einleitung. Zur anthropologischen und semantischen Struktur der Bildung“ in KOSELLECK, Reinhart (Ed.): Bildungsbürgertum im 19. Jahrhundert. Parte II. Bildungsgüter und Bildungswissen, Estugarda: Metzler, 1990.

    LUHMANN, Niklas, „Theoriesubstitution in der Erziehungswissenschaft. Von der Philanthropie zum Neuhumanismus“ in LUHMANN, Niklas, Gesellschaftsstruktur und Semantik. Studien zur Wissenssoziologie der modernen Gesellschaft, Tome 2. Francoforte do Meno: Suhrkamp, 1981, pp. 105–194.

    MÜLLER-SIEVERS, Epigenesis. Naturphilosophie im Sprachdenken Wilhelm von Humboldts, Paderborn et alii: Schöningh, 1993.

    RECKWITZ, Andreas, Die Gesellschaft der Singularitäten. Zum Strukturwandel der Moderne, Berlim: Suhrkamp, 2017.

    TAKAHASHI, Teruaki, BORSCHE, Tilman (Eds.): Bildung nach Humboldt. Erfolg, Krise und Zukunft einer Idee in Ungarn, Finnland und Japan, Friburgo: Karl Alber, 2018.

    TROELTSCH, Ernst, Die Bedeutung des Protestantismus für die Entstehung der modernen Welt, Munique: Oldenbourg, 1906.

    VIERHAUS, Rudolf, „Bildung“, in Brunner, Otto et alii (eds.), Geschichtliche Grundbegriffe, Tome 2,  Estugarda: Klett, 1972, pp. 508-551.

    VON FRIEDEBURG, L. (1989). Bildungsreform in Deutschland. Geschichte und Gesellschaftlicher Widerspruch. Frankfurt: Suhrkamp.

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    VOSSKAMP, W. (2009). “Perfektibilité und bildung. Zu den besonderheiten des deutschen bildungskonzepts im kontext der europäischen utopie und fortschrittsdiskussion”. In Der Roman eines Lebens. Die Aktualität Unserer Bildung und Ihre Geschichte im Bildungsroman (33-48). Berlin: Berlin UP.

    Digital

    Declaração Universal Dos Direitos Humanos (1948), (https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf) (acedido a 10.10.23).

    Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), (https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/pacto_internacional_sobre_os_direitos_economicos.pdf) (acedido a 10.10.23).

    Verfassung des Deutschen Reiches (1848), (http://www.verfassungen.de/de06-66/verfassung48-i.htm) (acedido a 10.10.23).

     

    Autor: Peter C. Pohl

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