Cabral, Amílcar [Dicionário Global]
Cabral, Amílcar [Dicionário Global]
Amílcar Cabral foi um dos revolucionários africanos mais notáveis do século XX. Enquanto líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), conduziu uma das lutas de libertação mais bem-sucedidas do continente africano. Sob sua liderança, a Guiné-Bissau tornou-se num dos expoentes da luta contra o colonialismo português. O seu compromisso com os valores humanistas e a sua preferência pela via diplomática valeram-lhe a admiração de muitos dos seus contemporâneos em diferentes partes do mundo. As suas ações políticas, diplomáticas e militares contribuíram decisivamente para o fim do império colonial português. Surge, nesse sentido, como um dos protagonistas da história da democracia em Portugal.
Amílcar Lopes Cabral nasceu a 12 de setembro de 1924, em Bafatá, na então Guiné Portuguesa. Os seus pais, Juvenal António da Costa Cabral e Iva Pinhel Évora, eram cabo-verdianos que residiam e trabalhavam na Guiné. Em 1929, a família muda-se para Cabo Verde, mas no ano seguinte, a mãe, já separada do seu companheiro, regressa à Guiné com os seus filhos. Cabral aí permanecerá até 1932, ano em que parte definitivamente para Cabo Verde para ir viver com a família do seu pai, que entretanto voltara a casa. A mãe regressará ao arquipélago em 1933 e ficará com a custódia dos filhos. Cabral inicia a sua instrução primária, na cidade da Praia, ilha de São Tiago, entre os nove e dez anos de idade. Prossegue os seus estudos secundários na cidade do Mindelo, em São Vicente, no Liceu Gil Eanes, dando mostras de ser um excelente aluno, estando também envolvido em atividades desportivas e culturais.
Durante os seus anos de liceu, o Mindelo foi palco de um importante renascimento cultural, impulsionado pelo surgimento do movimento dos Claridosos e da sua revista literária Claridade, empenhada em resgatar uma cabo-verdianidade das influências alienantes do cânone português, e atenta aos muitos problemas sociais e económicos que assolavam as ilhas, ainda que essa atenção depois não se traduzisse numa verdadeira consciencialização ou mobilização políticas. Não obstante, a atmosfera cultural que se vivia nessa cidade – e que depois se estendeu a todo o arquipélago – exerceu uma influência formativa e sensibilizadora sobre muitos dos seus jovens estudantes, e o jovem Cabral não é exceção, experimentando também com a escrita nesses moldes e exibindo as mesmas preocupações.
Após a conclusão do liceu, em 1944, regressa à cidade da Praia para trabalhar como amanuense na Imprensa Nacional, ofício que desempenha durante um ano, até obter a bolsa de estudos que lhe permite prosseguir os seus estudos superiores na metrópole. Assim, em 1945, Cabral parte para Lisboa a fim de frequentar o curso de Agronomia no Instituto Superior de Agronomia (ISA) enquanto bolseiro da Secção de Cabo-Verde da Casa dos Estudantes do Império.
A confrontação com a pobreza e a fome que atingiam o arquipélago durante a sua juventude, consequência da seca recorrente e de uma agricultura incapaz de responder aos desafios colocados pela escassez de água e pela erosão dos solos, terá certamente influenciado o jovem Cabral na escolha de profissão. Enquanto agrónomo poderia contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura mais adaptada às condições geográficas do arquipélago, as quais requeriam soluções tanto técnicas como sociais. No entanto, umas e outras dependeriam sempre de uma decisão política e, nesse aspeto, o governo colonial português sempre manifestou incapacidade ou falta de interesse em melhorar as condições de vida dos seus sujeitos coloniais, algo de que Cabral se foi tornando gradual e perturbadoramente consciente.
Ainda que nas vésperas de partir para Lisboa o jovem Cabral manifestasse já uma grande sensibilidade para com as injustiças sociais, faltava-lhe ainda desenvolver uma verdadeira consciência política. Os seus conhecimentos nesta área eram limitados, e será em Lisboa, em contacto com outros estudantes africanos, que ocorrerá a sua politização, primeiro em termos uma redescoberta da sua herança africana e depois termos de nacionalismo político.
Os seus anos de estudante em Lisboa foram bastante fecundos em vários aspetos. Além das competências científicas e profissionais que a frequência do curso de agronomia lhe proporcionou, adquiriu um conhecimento aprofundado da sociedade colonial portuguesa e ganhou ferramentas para refletir e combater as bases ideológicas que sustentavam esse regime opressivo dos povos africanos e português. Essa aprendizagem política levou-o à problematização do seu estatuto de assimilado e à reconceptualização da sua própria identidade nos moldes de uma “reafricanização dos espíritos”, próxima do movimento da negritude, encabeçado por Léopold Senghor.
Para isto contribuíram as inúmeras iniciativas políticas e culturais de que se viu parte na capital do império, assim como os movimentos de contestação ao regime que acompanhou, as leituras e discussões de autores marxistas, africanistas e trabalhistas em conjunto com outros estudantes africanos, as pessoas com quem travou conhecimento e que, como ele, viriam mais tarde desempenhar um papel determinante na luta anticolonial.
Podem-se elencar como protagonistas coletivos e individuais desta educação cultural, social e política, entre outros, a Casa dos Estudantes do Império (de que chegou a ser dirigente), o Centro de Estudos Africanos (de que foi fundador e onde se discutiam a cultura e política africanas), o Movimento de Unidade Democrática-Juvenil (MUD-Juvenil) e o Partido Comunista Português (PCP) (cuja luta antifascista apoiava, sem nunca ter enveredado pela militância, pois o seu foco era a luta anticolonial, que julgava imprescindível para a queda do regime fascista), Mário de Andrade, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, futuros líderes do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), entre outros.
O amadurecimento da sua consciência política não se fez ao arrepio da sua formação académica, que aliás concluiu com um excelente desempenho, sendo considerado tanto por colegas como por professores como um dos melhores alunos do ISA. Terminou o curso de agronomia em 1952, com a defesa da monografia O Problema da Erosão do Solo: Contribuição para o Seu Estudo na Região de Cuba (Alentejo), trabalhando assim um tema cujo interesse se lhe impunha pelas suas vivências em Cabo-Verde e que motivara a sua escolha de profissão.
Cabral iria integrar e aplicar muito do que aprendeu nesse curso, sobretudo ao nível do método científico e da pesquisa empírica, nas estratégias e objetivos de luta do PAIGC, idealmente orientados por princípios racionais e pragmáticos, partindo do conhecimento efetivo do “terreno”, subordinando sempre a teoria à prática, o que releva, da sua parte, uma grande flexibilidade e abertura de espírito. Nesse sentido, compreende-se porque motivo nunca se comprometeu com nenhuma das linhas partidárias do marxismo político com que contactou – como é o caso do Partido Comunista Português, o Partido Comunista da União Soviética ou o Partido Comunista Chinês – e tenha sempre zelado por manter o PAIGC do lado dos não alinhados no panorama político internacional.
Findo o curso, e já casado com Maria Helena Rodrigues, sua colega no ISA, de quem viria a ter uma filha, Iva Cabral, regressa à Guiné, ao serviço do Ministério do Ultramar, para ocupar o cargo de diretor do Posto Agrícola Experimental do Pessubé (Bissau). Este regresso ao seu país natal teve sobretudo uma motivação política, já que facilmente poderia ter encontrado trabalho em Portugal.
Por esta altura, o Estado português encontrava-se sobre pressão internacional para honrar os seus compromissos internacionais no que se refere ao desenvolvimento dos seus territórios ultramarinos e à melhoria das condições de vida das suas populações. É também neste âmbito que Cabral é convidado pelo então governador da Guiné, o capitão Melo e Alvim, para dirigir a equipa encarregada de realizar o recenseamento agrícola da Guiné, atividade que desempenhará entre 1953-1954, contando com a colaboração da sua esposa, também agrónoma, que se lhe junta para esse efeito.
Durante esse período, Cabral e a sua equipa percorrem todo o território guineense com intuito de coletar dados por meio de trabalho de campo intensivo junto das populações rurais. O relatório redigido com base na análise dos dados assim recolhidos estava pronto no final de 1954, sendo publicado dois anos depois no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Esta experiência profissional havia de produzir os seus frutos ao nível político, revelando-se, neste aspeto, absolutamente crucial. No futuro, a estratégia do PAIGC, assente grandemente na mobilização política das populações rurais, beneficiaria dos conhecimentos que Cabral adquiriu no terreno sobre as especificidades (étnicas e culturais) e as condições (económicas e sociais) de vida destas populações.
Em 1955, Cabral e a sua esposa regressam a Portugal, oficialmente por questões de saúde, embora nessa altura as autoridades policiais da Guiné seguissem já com alguma suspeita as suas iniciativas culturais, recreativas e desportivas junto dos habitantes de Bissau. Nesse mesmo ano, Cabral rescinde o seu contrato com o Ministério do Ultramar e passa a trabalhar sobretudo para o sector privado, privilegiando ofertas que implicam deslocações ao continente africano. Assim, nos quatro anos seguintes, irá várias vezes a Angola, exercendo funções de consultoria para várias empresas agrícolas privadas. A sua atividade profissional levou-o a viajar pelo país e deu-lhe a conhecer as condições de trabalho e de vida miseráveis das populações agrícolas nas plantações de açúcar e café, elucidando-o quanto às dimensões da exploração de classe e da dominação racial nesse território. De igual modo, deu-lhe também a oportunidade de contactar e colaborar com militantes e organizações nacionalistas angolanas, como o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUA) e o MPLA, cuja fundação contou com o seu apoio, em 1956.
Poucos meses antes, a 19 de agosto de 1956, durante uma visita à Guiné, Cabral havia ele mesmo fundado o PAIGC (na altura, apenas Partido Africano da Independência) em conjunto com outros cinco militantes guineenses e cabo-verdianos (Luís Cabral, seu meio-irmão e futuro presidente da República da Guiné-Bissau, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Júlio de Almeida, Eliseu Turpin), tendo como objetivos a independência plena da Guiné de Cabo Verde e a sua eventual unificação.
No final da década de 1950, Cabral tinha um conhecimento profundo do colonialismo português e da maioria das suas colónias, tendo vivido e/ou trabalhado em Cabo Verde, na Guiné, Angola e também em São Tomé e Príncipe. Tinha igualmente estabelecido uma rede de contactos dentro e fora do espaço colonial português que lhe angariava apoio e recursos para a prossecução dos objetivos de libertação nacional. Internacionalmente, eventos como a Conferência de Bandung (Indonésia, 1955) davam um novo ímpeto à contestação anticolonial, deixando países colonizadores, como Portugal, cada vez mais isolados. A independência do Gana, em 1957, e da República da Guiné, em 1958, veio claramente anunciar a insustentabilidade política e moral do domínio colonial europeu em África, situação que se tornaria bastante evidente logo no início da década seguinte, com o surgimento de 17 novos Estados africanos em 1960, ex-colónias francesas na sua maioria.
No final de 1959, Cabral preparava já a sua partida definitiva para África com o intuito de se dedicar por inteiro à luta anticolonial. Eventos como a independência da República da Guiné e o massacre de Pidjiguiti, a 3 de agosto de 1959, em que forças coloniais portuguesas mataram dezenas de trabalhadores africanos em greve nesse porto, os quais contaram a participação do PAIGC, terão pesado nessa decisão.
Em maio de 1960, Cabral deixa definitivamente Portugal para se instalar em Conacri, onde Maria Helena Rodrigues se lhe juntará. Permanecerão juntos até meados dessa década. Após a separação, Cabral casará com Ana Maria. Nesses anos, a capital da República da Guiné assumira uma importância estratégica para vários movimentos e organizações de libertação, como o MPLA e o PAIGC, sobretudo por conta do grande número de embaixadas, nomeadamente de países socialistas, aí presentes e, em particular no caso do PAIGC, devido à sua fronteira com a Guiné portuguesa. Por sua parte, o governo guineense, chefiado por Sékou Touré, apoiava os dirigentes e militantes destes movimentos e organizações, concedendo-lhes alojamento e passaportes.
Será então a partir de Conacri que Cabral e o PAIGC passarão a conduzir a luta de libertação, mas agora assente em políticas completamente distintas daquelas que haviam orientado as suas ações até aí e se tinham revelado infrutíferas. O PAIGC fora inicialmente criado como um partido de agitação nacionalista, que visava mobilizar a classe trabalhadora dos centros urbanos através da sua infiltração em organizações legais já existentes, como os sindicatos. Três anos após a sua fundação (1956), sobretudo depois do massacre de Pidjiguiti (1959), Cabral conclui que estas ações eram completamente desadequadas à realidade política, económica e social da Guiné e que a independência de Portugal teria de ser conquistada pela força.
A partir de Conacri, o PAIGC prepara-se para a guerra. Cabral desdobra-se em contactos diplomáticos em busca de novos aliados e de mais apoios para esta nova fase da luta de libertação. Juntamente com os seus companheiros do MPLA, também radicados nessa capital, visitam, entre outras, as embaixadas da URSS e da República Popular da China, países que apoiarão a causa providenciando-lhes, entre outros, formação militar e política (e, eventualmente, no caso da URSS, armamento).
Não obstante a reorientação do PAIGC para a luta armada, Cabral insistirá sempre no carácter antes de mais político, e não militar, da luta pela emancipação nacional. Aliás, a estratégia do PAIGC continuará a assentar na mobilização política da população, mas agora apresentando uma importante diferença: será direcionada para as populações rurais, levando em conta as suas especificidades étnicas e culturais e indo ao encontro das suas necessidades. Cabral sabia que não seria através da propaganda ideológica que ganharia o apoio popular, mas antes pela demonstração simples do impacto do domínio colonial português sobre as vidas dessas populações e de que forma estas poderiam beneficiar concretamente, ao nível económico e social, com a independência do país.
A luta armada terá início em 1963, sendo lançada nas áreas em que a mobilização política era mais significativa, sobretudo no sul, mas também no centro e norte da Guiné, sendo feita nos moldes da guerra guerrilha. Nas áreas que vão sendo libertadas do domínio colonial português, são criados postos médicos, escolas, e Armazéns do Povo, para responder às necessidades das populações locais.
Desde o começo, o PAIGC mostra-se empenhado em melhorar as suas condições de vida, não só porque isso se traduzia numa maior adesão popular, mas também porque essa era a única justificação legítima para se lançar uma luta de libertação nacional. Este compromisso com o bem-estar social imediato é um aspeto fundamental do pensamento e ações políticos de Cabral, que desde o início insiste na importância de se criarem as condições para o estabelecimento de uma nova sociedade, orientada por valores deste tipo, durante – e não depois – da luta.
Paralelamente aos avanços no terreno, o PAIGC vai somando conquistas também ao nível diplomático. A diplomacia surge, aliás, como uma das armas privilegiadas da luta de libertação. Cabral estava ciente de que o PAIGC jamais atingiria os seus objetivos sem apoio internacional adequado, e desde cedo se empenhou em ganhar aliados políticos em diferentes países (de ambos os blocos) e organizações e movimentos internacionais. Viajou pela Europa, África, América e Ásia, participou em vários eventos internacionais, como a II Conferência de Povos Africanos (1960, Londres) ou a Conferência Tricontinental de 1966 (Havana, Cuba), colaborou com grupos e organizações anticoloniais, como a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional (FRAIN) ou a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), discursou na ONU, despertou o interesse e a simpatia da imprensa internacional, foi recebido em audiência pelo Papa Paulo VI (1970), juntamente com Agostinho Neto e Marcelino dos Santos.
Estes constituem apenas alguns exemplos da intensa atividade diplomática e política por meio da qual Cabral conseguiu sensibilizar e ganhar o apoio da comunidade internacional para as lutas de libertação em curso na Guiné e noutras colónias portuguesas. Os seus esforços diplomáticos, aliados à política de “guerra limpa” que houvera incutido no PAIGC (sobretudo a partir do Congresso de Cassacá, 1964) e ao zelo pelo bem-estar das populações nas áreas libertadas, não só legitimaram como conferiram notoriedade à luta, deixando Portugal cada vez mais isolado na cena internacional.
Em 1969, grande parte do território da Guiné encontra-se já sob o controlo do PAIGC. Para as forças portuguesas, cuja presença se encontra reduzida às principais cidades e a alguns acampamentos fortificados, a perspetiva de uma derrota militar completa torna-se cada vez mais certa. O PAIGC, que até então estava sobretudo preocupado em consolidar o seu controlo sobre as áreas libertadas e em estender a guerra a todo o território, começa agora a focar-se mais na reconstrução dessas áreas e na criação de uma nova ordem social.
Em 1970, Cabral pensava já na independência e na estrutura e organização do Estado pós-colonial. Ciente da importância da separação entre partido e Estado, promoveu mudanças na estrutura política do PAIGC tendo em vista um futuro governo democrático. Ao mesmo tempo, a reconstrução das áreas libertadas avançava a passos largos e o PAIGC conseguira implementar com sucesso uma nova estrutura administrativa, económica, social e judicial nessas áreas.
Impunha-se agora assegurar o reconhecimento internacional da legitimidade e capacidade do PAIGC para governar os territórios que controlava. Nesse sentido, em 1971, Cabral propõe ao partido a organização de eleições nas áreas libertadas visando a constituição de uma assembleia nacional popular. Segundo defendia, deveria ser este órgão de soberania popularmente eleito, e não o PAIGC, a declarar a independência da Guiné-Bissau. A liderança do partido aprova a sua proposta e começam os preparativos para a realização organização das eleições para a Assembleia Nacional Popular (ANP), cujos resultados seriam anunciados por Cabral na ONU, em outubro de 1972.
Antes disso, Cabral conseguira que a delegação da ONU que houvera visitado, a seu pedido, as áreas libertadas da Guiné entre março e abril desse ano confirmasse que o PAIGC controlava e administrava eficazmente essas áreas e que contava com um forte apoio da população, acabando por recomendar o reconhecimento internacional da iminente declaração de independência.
Tudo somado, no final de 1972, Cabral conseguira convencer a comunidade internacional de que a situação da Guiné era a de um Estado soberano em que parte do território nacional se encontrava sob ocupação militar estrangeira. Estavam agora reunidas as condições para se proceder com toda a legitimidade à declaração de independência. Contudo, Cabral não viveria o suficiente para testemunhar esse evento. A 20 de janeiro de 1973, é assassinado a tiro, em Conacri, por elementos do PAIGC, presumidamente em conluio com as autoridades portuguesas. As dúvidas quanto à autoria moral deste atentado persistem até aos dias de hoje. A notícia do seu assassinato foi recebida com pesar e indignação em todo o mundo, na imprensa, nas ruas e nas instituições.
Apesar do sucedido, a declaração de independência decorre conforme o planeado. Cabral soubera criar as condições dentro do partido para que este pudesse funcionar eficazmente sem ele, incutindo nos seus quadros os seus valores e estilo de liderança. No dia 24 de setembro de 1973, no seguimento da I Assembleia Nacional Popular da Guiné, em Madina de Boé, a independência é declarada unilateralmente. A ANP apela então ao reconhecimento internacional imediato da Guiné-Bissau enquanto Estado soberano em virtude da sua conformidade com o direito internacional.
Na primavera de 1974, cerca de 80 países tinham já reconhecido a independência da Guiné-Bissau, embora nenhum destes pertencesse ao bloco ocidental. A adesão de Portugal à NATO (1949) protegera o regime durante anos e dissuadia agora que se assumissem posições nesse sentido. Após o 25 de Abril, o Estado português reconhece o fim do seu império colonial, abrindo caminho para que também outros países ocidentais reconheçam a independência das suas antigas colónias.
Cabral defendera desde o início que a libertação dos povos africanos do colonialismo português desempenharia um papel decisivo na queda do regime fascista em Portugal. Com efeito, não se enganara. A ação dos capitães de Abril foi em grande medida motivada pela guerra que se travava nas antigas colónias. Nesse sentido, Cabral é uma figura central da história quer das lutas de libertação em África quer da democracia em Portugal.
Bibliografia
CHABAL, P. (2002). Amilcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War (2.ª ed.). London: Hurst & Company.
FOBANJONG, J. & RANUGA, T. (eds.) (2006). The Life, Thought, and Legacy of Cape Verde’s Freedom Fighter Amilcar Cabral (1924-1973): Essays on His Liberation Philosophy. Lampeter: The Edwin Mellen Press.
NEVES, J. & MARTINS, L. P. (orgs.) (2023). Cabral Ka Mori: Catálogo de “Amílcar Cabral, Uma Exposição”. S. l.: Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 Abril.
SOUSA, J. S. (2012). Amílcar Cabral (1924-1973): Vida e Morte de Um Revolucionário Africano (2.ª ed.). Lisboa: Nova Vega.
Autora: Ana Araújo