Censura [Dicionário Global]
Censura [Dicionário Global]
Censura é a supressão de informação, discurso ou de qualquer comunicação social pública, por serem considerados prejudiciais ou inconvenientes, podendo ser levado a cabo por um governo ou instituições de controlo. Pode ser exercida sobre a imprensa, discursos, livros, teatro, cinema, música e arte, bem como sobre a Internet. A censura é habitualmente acompanhada de autocensura por um criador ou autor para que não seja perseguido. A censura pode ser política, religiosa, moral, económica ou de carácter histórico, e é habitualmente usada em tempo de guerra para impedir que a informação sirva o inimigo. Ao longo dos séculos, foi levada a cabo pelo poder, nomeadamente por ditaduras autoritárias ou totalitárias, como a estalinista e a hitleriana, no século XX.
Em Portugal, as leis limitadoras da liberdade de expressão, por influência religiosa da Igreja Católica, surgiram desde D. Fernando, que oficiou ao Papa Gregório XI no sentido de instituir a censura episcopal (ou censura do ordinário da diocese). Com a instauração da Inquisição em Portugal, por bula do Papa Paulo II, de 23 de maio de 1536, passaram a existir três instituições censoras: a do Santo Ofício, a régia (ou do Desembargo do Paço) e a do ordinário. Nomeado inquisidor-mor por D. João III, a 22 de junho de 1539, o cardeal D. Henrique ordenou ao prior da Ordem de São Domingos a vigilância dois livros vendidos e a proibição de imprimir qualquer livro sem exame prévio. Por essa razão, a Ordem dos Dominicanos ficou com o monopólio da venda de livros até 1598, ano em que o inquisidor-geral, D. António Noronha, atribuiu esse privilégio a outras ordens clericais.
Na sequência do V Concílio de Latrão (1515), surgiu o primeiro índex de proibição de livros, sucedendo-lhe, a 4 de julho de 1551, novo índex, o primeiro português divulgado em todo o território nacional pelos inquisidores. O índice romano ordenado pelo Papa Paulo IV, publicado em 1958, punia com a pena de excomunhão quem possuísse livros ali proibidos. Este índex foi revisto por Fr. Francisco Foreiro, nomeado por Pio IV para secretariar a comissão revisora do Concílio de Trento, que foi autor de 10 regras, posteriormente aplicadas ao mundo católico, que precediam o índex saído do Concílio, promulgado em 1564 pelo Papa Paulo V.
Através de uma lei de 18 de junho de 1571, D. Sebastião definiu as penas a aplicar a quem possuísse obras proibidas e, a 4 de dezembro de 1576, tornou-se obrigatória a censura do desembargador do Paço, mesmo após aprovação pela censura do Santo Ofício ou do ordinário. A 15 de julho de 1579, o inquisidor-mor D. Jorge ordenou a queima pública de livros em autos de fé, e dois anos depois foi publicado em Portugal novo índex, no qual foi reimpresso o documento tridentino de 1564. Durante o reinado de Filipe II, as Ordenações Filipinas de 1603 reafirmaram a obrigatoriedade da censura preventiva civil, anteriormente imposta por D. Sebastião. Em 1624, foi publicado o primeiro índex do século XVII, constituído pelo Index Tridentino, pelo Index pro Regnis Lusitaniae e pelo primeiro índice expurgatório português, pelo inquisidor-mor D. Fernando Mascarenhas
O Marquês de Pombal foi o primeiro grande reformador da Censura em Portugal, ao direcioná-la para a defesa política, em vez da religiosa, unificando o processo de censura, ao constituir um único tribunal, denominado Real Mesa Censória, presidido por Manuel do Cenáculo. O Regimento da Real Mesa Censória de 18 de maio de 1768 previa a inspeção de livrarias, bibliotecas e tipografias, sendo proibidas as obras que veiculassem ideias supersticiosas, ateias e hereges. A Real Mesa Censória foi substituída pela Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, com a carta de lei de 21 de junho de 1787, de D. Maria I. No entanto, no final de 1793, voltou a Mesa Censória, com a separação de três “autoridades” – a pontifícia, a real e a episcopal –, o que significou que a Inquisição voltava a impor-se em Portugal.
O Tribunal do Santo Ofício foi abolido pelo decreto de 31 de março de 1821, sendo as “causas espirituais e meramente eclesiásticas” restituídas à “Jurisdição Episcopal”. A Constituição de 1822 estabeleceu a liberdade de imprensa, embora com a ressalva de que quaisquer abusos poderiam ser sancionados “nos casos e na forma que a lei determinar”. Com a Vilafrancada, no ano seguinte, foi restabelecida a Censura, e D. João VI alargou-a a periódicos estrangeiros, que passaram a necessitar de licença régia para entrar no país. Em 1824, a Censura passou para a mão de duas instâncias: a censura do ordinário e a do Desembargo do Paço, mas a Carta Constitucional de 1826 dispensou de novo a censura prévia.
Em 1833, o regime liberal nomeou os responsáveis pela censura prévia dos periódicos portugueses, enquanto não houvesse uma lei de imprensa de acordo com a Carta Constitucional. Esta Lei de Imprensa surgiu, no ano seguinte, abolindo a censura prévia, ressalvando quaisquer abusos – e suas respetivas punições – que lesassem a “Religião Católica Romana”, o Estado, os bons costumes ou qualquer outra pessoa. Da responsabilidade de Costa Cabral, a carta de lei de 19 de outubro de 1840 obrigou editores ao pagamento de fianças, depósitos e hipotecas e à passagem por um exame que os qualificasse como pessoas idóneas.
A liberdade de imprensa só voltaria, formalmente, a ser restabelecida em 1950, com a chamada “Lei das Rolhas”, que restringia por completo a atividade dos escritores e jornalistas. Ao subir ao poder, o duque de Saldanha, dando início ao período da Regeneração, revogou esta lei com uma carta de lei de 1886 que aboliu quaisquer “cauções e restrições para a imprensa periódica”. O regime monárquico, contudo, tentou fazer face à força crescente dos ideais republicanos, encerrando as Conferências Democráticas do Casino, a 18 de junho de 1871, e obrigando, por decreto ditatorial de 1890, os editores de periódicos a sanções severas e ao encerramento em caso de reincidência.
Em 1898, uma lei restringia a censura sobre a imprensa portuguesa, e, em 1907, na sequência do golpe de estado de João Franco, foram proibidos quaisquer “escritos, desenhos ou impressos atentatórios da ordem ou segurança pública”, podendo os governadores civis mandar encerrar os periódicos assim considerados. Esta lei viria a ser revogada com o fim da ditadura de João Franco, com a subida ao trono de D. Manuel II, embora tivesse sido criado, junto de cada tribunal criminal, um “gabinete negro” para vigiar a imprensa periódica, de modo a evitar qualquer crítica ao regime.
Com a implantação da República, a nova lei de imprensa de 28 de outubro de 1910 teve o objetivo de restituir a liberdade de expressão, mas, a 9 de julho de 1912, foram lançadas medidas de apreensão de publicações pelas autoridades judiciais, administrativas e policiais, após o julgamento dos casos, sendo proibidos a pornografia e quaisquer ultrajes às instituições republicanas. Com a entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, foi instaurada a censura à imprensa, em março de 1916, levada a cabo pelo Ministério da Guerra. O golpe militar de Sidónio Pais foi, em parte, justificado também devido à impopularidade da censura prévia, à qual também ele recorreria, até ao final da guerra.
A Censura em Portugal durante a Ditadura Militar e o Estado Novo
Os 48 anos de ditadura em Portugal, primeiro de carácter militar, entre 1926 e 1932, e depois civil, de António de Oliveira Salazar, entre 1932 e 1968, e de Marcello Caetano, de então até 25 de abril de 1974, foram anos de vigilância e silêncio forçados, impostos aos portugueses pelo poder político. Para impô-lo, a ditadura portuguesa contou com o apoio das Forças Armadas e da Igreja Católica, bem como como das suas diversas instituições policiais, corporativas e de enquadramento estatal da juventude e das mulheres. Mas, sobretudo, contou com um importante aparelho de censura, aliado ao de propaganda, instrumento fundamental para a durabilidade do regime, para incentivar a passividade e eliminar o conhecimento de qualquer alternativa cívica e política.
Se a Censura silenciava o que se passava, proibindo as notícias sobre os acontecimentos nacionais e internacionais, a corrupção e o mau exercício do governo da ditadura, ela também escondia as possíveis alternativas ao Estado Novo português. A ignorância causava a apatia política entre os portugueses, condenados ao silêncio, nos locais de trabalho e no lazer, sem poderem lutar por uma vida melhor, só possibilitada com o “voto com os pés”, que representava a emigração “a salto”.
Da censura militar à censura civil
A Censura não surgiu repentinamente, em Portugal, nem foi uma criação do Estado Novo. Efetivamente, tal como fez relativamente a outras instituições, nomeadamente as policiais, o novo regime, erguido por Salazar a partir de 1932/1933, recorreu a mecanismos censores anteriores, sobretudo aos da Ditadura Militar, “civilizando-os” e aumentando a sua eficácia ao longo dos anos. Os dois diplomas que estabeleceram, na sequência do Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, as bases da Censura proibiram, sob pena de prisão e multa, a publicidade ou venda de quaisquer publicações com “ultraje às instituições republicanas ou injúria, difamação ou ameaça contra o Presidente da República, no exercício das suas funções ou fora dele”.
Caía também sob a alçada da Censura tudo o que instigasse os cidadãos portugueses ao “cometimento de atos atentatórios da integridade e independência da Pátria, ou prejuízo do Estado” e todo o “boato ou informação ofensiva da dignidade ou do decoro nacional”. Finalmente, eram proibidas “quaisquer publicações pornográficas ou redigidas em linguagem despejada ou provocadora contra a segurança do Estado, da ordem e da tranquilidade públicas”. Nessa legislação de 1926, ficava, porém, previsto um procedimento judicial que estava longe da sua posterior submissão a tribunais especiais, militares ou plenários.
No ano seguinte, um diploma sujeitou, porém, a processo sumário e julgamento os que propagassem “boatos tendenciosos”, bem como os que distribuíssem ou conservassem “em seu poder quaisquer impressos ou notícias tendenciosas ou de propaganda subversiva” (decreto n.º 13.465, de 16 de abril de 1927). Embora reconhecesse, através de outro diploma, também de 1927, a licitude de “qualquer trabalho literário ou artístico seu, independentemente de censura prévia”, a Ditadura Militar estabeleceu uma cláusula de exceção, através da frase “salvo nos casos excetuados em disposição legal expressa, por motivos de ordem pública ou por efeito de convenções internacionais” (decreto n.° 13 725, de 27 de maio).
Em 1928, ano em que António de Oliveira Salazar foi nomeado ministro das Finanças pelo governo do general Vicente de Freitas, foram erguidas a burocracia dos Serviços de Censura (portaria n.º 5422, de 12 de junho) e a Direção-Geral dos Serviços da Censura à Imprensa (DGSCI), sob a direção de um elemento das Forças Armadas, o major Álvaro Salvação Barreto. Os Serviços de Censura foram depois sendo aperfeiçoados, entre 1930 e 1932, período marcado pela instabilidade político-militar resultante quer das conspirações militares contra a ditadura, quer das dissensões que se manifestaram no seio do bloco político-militar apoiante do regime saído do movimento de 28 de maio de 1926. Alguns dias após a revolta de 26 de agosto de 1931, que pretendeu derrubar a Ditadura Militar, Salvação Barreto emitiu uma nota oficiosa instando os seus Serviços de Censura a defenderem a “ordem e disciplina contra a loucura e a violência”, conforme noticiou o Diário de Notícias de dia 29 desse mês.
Salazar, o Estado Novo e a Censura
Numa entrevista dada ao jornalista António Ferro em 1932, pouco antes de assumir a Presidência do Conselho de Ministros, para a qual fora nomeado pelo Presidente da República, general Óscar Carmona, Salazar reconheceu, junto do seu interlocutor, que o aparelho de censura era “uma instituição defeituosa, injusta, por vezes, sujeita ao livre arbítrio dos censores”. Afirmou que, porém, não a iria revogar, pois não considerava “legítimo, por exemplo, que se deturp[ass]em os factos, por ignorância ou por má fé, para fundamentar ataques injustificados à obra dum Governo, com prejuízo para os interesses do País”. Nesses casos, continuou Salazar, justificava-se a censura, “como elemento de elucidação, como corretivo necessário”.
Salazar observou que um jornal era “o alimento espiritual do povo” e que, por isso, deveria “ser fiscalizado como todos os alimentos”. Assinalou também que a censura tinha um “aspeto moralizador” e “doutrinário”. Noutra ocasião, ainda em conversa com António Ferro, Salazar repetiu que, na luta contra o “imperialismo ideológico do comunismo internacional” e a “invasão das ideias marxistas, a propagação de mentiras e o malefício da calúnia”, a censura era “arma legítima” de um governo autoritário. À ousada pergunta de Ferro, questionando Salazar se a opinião pública era a opinião do governo, respondeu pela negativa, mas esclareceu que os governos “nunca se deveriam escravizar à opinião das massas, sempre inferior e muito diferente da opinião pública da Nação”, e nunca deveriam perder “o controle da sua formação”.
Ao erguer, a partir de 1932, o Estado Novo corporativo, autoritário e nacionalista, Salazar declarou que estava feita a “revolução legal”, mas faltava realizar a “revolução mental”. Para isso, lançou a chamada “política do espírito”, com uma dupla finalidade: a propaganda do regime, a cargo do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), dirigido por António Ferro, e a Censura, dirigida por Álvaro Salvação Barreto. Através do SPN, o regime ditatorial pretendia, por um lado, dar aos portugueses uma única e determinada imagem de um país e de um regime, pretensamente sem conflitos, problemas, miséria e dificuldades, segundo a norma de “o que parece é”. Por seu turno, o aparelho censório servia um propósito de despolitização e desmobilização cívica dos portugueses, ao tentar impedir a tomada de conhecimentos de alternativas sociais, culturais, políticas e ideológicas ao Estado Novo.
A Censura nos anos 30 e 40
Na nova Constituição Política, aprovada pelo Plebiscito Nacional de 19 de março de 1933, que instituiu o Estado Novo, o art. 2.º proclamava a continuação da Censura. Ao mesmo tempo, garantia – no papel – a liberdade de expressão (art.º 8), embora esta fosse regulada por “leis especiais”, de modo a “impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”. A 11 de abril de 1933, um diploma determinou a passagem da Censura da tutela do Ministério da Guerra para a do Ministério do Interior, revelando-se assim o propósito de “civilizar” os respetivos serviços.
As publicações continuavam a ser sujeitas à censura prévia, mas o decreto deixava algum espaço de liberdade aos editores e livreiros, possibilitando-lhes escapar aos censores, desde que não deixassem transparecer claramente o “carácter político e social” dos livros, nem que estes contivessem “propaganda política e social contrária ao Estado Novo”. Por isso, a Direção-Geral dos Serviços de Censura (DGSC), criada a 29 de junho de 1933 (decreto-lei n.º 22.756), intervinha frequentemente, a posteriori, a partir de denúncias ou em consequência da ação da secção de vigilância política e social da polícia política.
A Censura contava assim com a colaboração dos proprietários de tipografias, editoras e livrarias, que procuravam evitar multas, apreensões de livros ou o encerramento dos seus estabelecimentos através da autocensura. Esta vontade de “repartir com os próprios livreiros o encargo da repressão” ficou aliás expressa num relatório de 23 de novembro de 1933, feito a pedido do próprio Salazar, pelo chefe da Censura, Salvação Barreto (AZEVEDO, 1999, 491-493). No final de 1933, o edifício do Estado Novo ficou quase concluído, com a supressão da liberdade de reunião e a criação do Secretariado de Propaganda Nacional, bem como da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) (decreto-lei n.º 22.992, de 29 de agosto).
Os anos de 1934 e 1935 foram, depois, de repressão dos principais adversários do regime, tanto à direita – extinção do Movimento Nacional-Sindicalista – como principalmente à esquerda – os sindicalismos anarcossindicalista e comunista. Num discurso proferido no Teatro São Carlos, em Lisboa, a 28 de janeiro de 1934, perante uma plateia de estudantes nacionalistas que haviam acabado do formar a Associação Escolar Vanguarda, Salazar voltou a afirmar que não sentia “nenhuma simpatia pela censura”, mas que esta era um mal necessário.
Em setembro de 1936, ano de claro endurecimento e mesmo de “fascização” do regime, muito em consequência da vitória da Frente Popular e da eclosão da guerra civil em Espanha, a DGSC emitiu uma circular apelando à atuação contra todas as “demonstrações” da “ação comunizante” nos jornais, “com o rigor indispensável ao seu completo aniquilamento”. Em novembro, os Serviços de Censura foram remodelados, através de um regulamento que proibia “ofensas aos Chefes de Estado e Governo de nações amigas e seus representantes em Portugal”. Por outro lado, era impedida toda a “pormenorização de suicídios e de crimes, bem como de infanticídios, quando não seguidos de prisão dos delinquentes ou da respetiva punição aplicada pelos tribunais”.
Pouco depois do início da Segunda Guerra Mundial, o governo impôs uma estrita fiscalização estatal dos emissores de amadores e de radiodifusão e estendeu o serviço de escuta e fiscalização do funcionamento das instalações radioelétricas. No âmbito do seu “serviço de guerra”, a Censura tornou-se ainda mais rigorosa relativamente à imprensa e às agências noticiosas estrangeiras. Em colaboração com a Censura, a PVDE começou, em 1941, a tomar medidas repressivas, sobretudo relativamente à escuta de emissões de rádio aliadas, mas nunca conseguiu evitar as manifestações populares aliadófilas.
No âmbito do seu Gabinete de Coordenação dos Serviços de Propaganda e Informações, a DGSC elaborou, em agosto de 1942, um estudo sobre a defesa “da opinião portuguesa contra a propaganda estrangeira”. Em 1943, o governo tentou alargar a censura também às publicações não periódicas, mas não obteve grande sucesso, e, no ano seguinte, os dois serviços – de propaganda e de censura – foram reunidos no Secretariado Nacional de Informação (SNI), sucessor do SPN, na dependência direta de Salazar.
A Censura nos anos 50 e 60
No pós-guerra, mais concretamente em 1949, ano em que Portugal ingressou na NATO, foi criado o Conselho de Segurança Pública, que conferiu à Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), sucessora da PVDE, a colaboração com os Serviços de Censura e o SNI, na apreensão de livros e publicações periódicas nas livrarias, bem como na vigilância da imprensa e das agências noticiosas, nomeadamente estrangeiras. A 3 de outubro de 1957, ano de eleições para deputados à Assembleia Nacional, a DGSC emitiu uma circular confidencial proibindo, no âmbito da propaganda eleitoral, “acusações não concretizadas a possíveis imoralidades administrativas, favoritismos do Poder, peculatos, latrocínios, etc.”.
A propaganda de ideias pacifistas de inspiração comunista, a exaltação de aspirações e revoltas de nativos contra as autoridades ultramarinas, bem como os ataques ao Pacto do Atlântico, entre outras, deviam ser completamente banidos da imprensa. A mesma circular proibia também “tentativas de renovação da luta de classes”, assim como qualquer menção à “qualidade de trabalhador ou operário”. Também não eram permitidas quaisquer referências a partidos ou organizações clandestinas, devendo, aliás, a palavra “partido” ser eliminada das notícias e relatos da propaganda eleitoral.
Em 1961, eclodiu a guerra em Angola, que se estendeu, nos anos seguintes, à Guiné e a Moçambique, e a Censura também passou a atuar sistematicamente nessas colónias. A guerra introduziu também novos temas proibidos, e o próprio adjetivo “colonial” e o substantivo “colónia” eram proibidos, sendo que, até ao final do regime, pronunciar a palavra “guerra colonial” constituiu motivo para o encerramento abrupto das sessões de esclarecimento da oposição nas eleições. Na imprensa portuguesa, tudo o que cheirasse a “estudante” era logo “cortado”, devendo-se esse facto à entrada na cena política, a partir de 1962, de um importante novo ator político – o movimento estudantil.
Salazar colocou, a 20 de outubro 1962, os serviços censórios diretamente sob o controlo da Presidência do Conselho, o que levou o escritor José Cardoso Pires a salientar como um dos períodos mais negros da Censura o do “consulado do terror”, entre final de 1962 e 1968, de José Paulo Rodrigues, subsecretário de Estado da Presidência do Conselho. Ao criar um “gabinete fantasma”, “aprofundou o isolamento do ghetto literário”, que passou a infletir “sobre o autor e não sobre o texto”.
O ano de 1965 foi particularmente duro, pois, a 10 de julho, os Serviços de Censura emitiram uma circular segundo a qual qualquer informação sobre atividades da PIDE apenas deveria ser fornecida por si mesma ou pelo SNI. O jornalista José Nascimento, do Rádio Clube Português, mencionou nessa estação o silêncio com que se confrontara em Espanha, para tentar entrevistar pessoas no âmbito da descoberta dos cadáveres de Delgado e da sua secretária. Pouco depois da emissão, recebeu um telefonema de um elemento do SNI proibindo qualquer referência a esse assunto, a não ser que a informação proviesse das “agências autorizadas”.
Ainda em 1965, um elemento da Censura contactou telefonicamente o Jornal de Notícias do Porto a dar conta de que doravante seria cortada “qualquer referência aos seguintes escritores”, apresentando uma lista de quase todos os portugueses que terminava com a frase “Estes escritores morreram!”. Alguns destes foram, nesse mesmo ano de 1965, chamados à PIDE, por terem feito parte do júri que atribuíra o Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores (SPE) ao livro Luanda, de Luandino Vieira, escritor angolano então preso às ordens da PIDE, sob a acusação de pertença a um movimento independentista de Angola. A sede da SPE em Lisboa foi assaltada e destruída por elementos da extrema-direita, e essa mesma associação foi extinta pelo governo, a 21 de maio de 1965.
Não era só a PIDE que colaborava com a Censura, mas também outras instituições e polícias do regime. Para referir apenas uma, a Polícia de Segurança Pública, num relatório, datado de 1966, informou sobre a apreensão de 5258 livros pornográficos, 188 revistas, 1281 jornais e 6930 postais pornográficos. Por outro lado, a censura salazarista exerceu-se não só sobre as questões políticas, mas também sobre muitas outras relacionadas com a vida privada, social e moral. César Príncipe chamou ao aparelho de censura “preservativo do ‘velho regime’”, na medida em que contribuiu para fazer de Portugal um país de ficção, onde não havia censura, nem “Exame prévio”, nem existiam “presos políticos. Nem suicídios. Nem barracas. Nem cólera. Nem aumentos de preços. Nem abortos. Nem guerra. Nem hippies. Nem greves. Nem droga. Nem gripes. Nem homossexuais. Nem crises. Nem massacres. Nem nudismo. Nem inundações. Nem febre amarela. Nem imperialismo. Nem fome. Nem violações. Nem poluição. Nem descarrilamentos. Nem tifo. Nem Partido Comunista. Nem fraudes. Nem poisos extraconjugais. Nem racismo” (PRÍNCIPE, 1976, 21).
Devido às repercussões internacionais e à imagem transmitida do regime português ao estrangeiro, a PIDE e a Censura estiveram particularmente atentas às agências noticiosas. A PIDE chamou à sua sede os diretores da Associated Press em Lisboa, Denis Redmont e Isaac Flores, por ter tecido críticas à Censura, a propósito das notícias sobre as catastróficas inundações que, em 1967, provocaram a morte de pelo menos 462 pessoas.
Nos derradeiros meses de Salazar à frente da Presidência do Conselho, elementos da Censura continuavam a telefonar para os jornais a dar os seus recados, como aconteceu a 25 de abril de 1968, quando um censor avisou a imprensa de que esta não deveria tratar por “senhores” os “réus do Tribunal Plenário”. Relativamente aos livros, a cidadã britânica Jane Gilbert relatou ao Foreign Office, a 20 de setembro de 1968, que, ao chegarem a uma importante livraria livros estrangeiros, cinco agentes da PIDE confiscavam tudo o que mencionasse as palavras “social”, “economics” e “communism”.
O Marcelismo: da “liberalização” à manutenção da censura
António de Oliveira Salazar sofreu um acidente no verão de 1968 e foi substituído na Presidência do Conselho de Ministros por Marcello Caetano, a 27 de setembro. Durante os primeiros meses do Marcelismo, houve, numa parte da oposição ao regime, expectativas relativamente a uma possível política de “liberalização”, nomeadamente em matéria de liberdade de imprensa. No entanto, o subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, César Moreira Baptista, apressou-se a emitir, logo a 14 de outubro, um despacho com as novas “Normas a Observar pela Direção dos Serviços de Censura (DSC)”.
A 15 de novembro de 1968, o novo chefe do governo deixou de exercer influência direta nos Serviços de Censura. É verdade que a Censura aparentou então uma certa abertura, possibilitando a referência, na imprensa, de temas anteriormente proibidos e corrigindo, no que respeitava aos livros, algumas situações anteriores. Mas, no final de 1969, foram emitidas “Instruções sobre a Censura à Imprensa”, que atingiram tudo o que respeitasse o governo, as Forças Armadas e as guerras em África. Era ainda “expressamente proibida a narração circunstanciada” dos casos de “vadiagem, mendicidade, libertinagem e crime de suicídio, cometidos por menores de 18 anos, bem como de julgamentos em que sejam réus”.
Acerca da Censura, o próprio Marcelo Caetano nunca deixou de manter grande ambiguidade. Numa visita a Angola, em abril de 1969, declarou estar “a ser estudado um projeto de Lei de imprensa”, avisando que não se poderia “terminar com a Censura de um dia para o outro”. A Lei de Imprensa, feita com base no texto recomendado por uma comissão eventual do partido do regime, a Ação Nacional Popular (ANP), foi aprovada a 9 de agosto de 1971, ano em que ainda foi criada, em substituição do SNI, a Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT), da qual dependia a Direção-Geral da Informação (DGI). O jornalista Jacinto Baptista salientou que a lei previa “o restabelecimento da censura prévia se a Assembleia Nacional considerasse estar o País em ‘estado de emergência’ (devido à guerra de África)”. Ora, como aquela assim prontamente considerou, “a Censura continuou como dantes”. Quanto aos livros, refira-se apenas o exemplo, em maio de 1972, da proibição do livro Novas Cartas Portuguesas, escrito pelas “três Marias” – Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa –, por contar “passagens de conteúdo imoral e pornográfico”. Enviado pela DGI à Polícia Judiciária, que instruiu um processo-crime contra as autoras, este só foi, porém, julgado após o 25 de Abril, tendo as autoras sido absolvidas.
A censura em Portugal modificou a própria verdade dos factos, dado que a imprensa só contava o que lhe era permitido relatar. Por exemplo, quando já se vivia em regime democrático em Portugal, os meios de comunicação social referiram-se a um acidente com um avião da TAP no Funchal, ocorrido a 19 de novembro de 1977, como tendo sido o primeiro acidente da transportadora aérea civil portuguesa. Ora, esta companhia já tinha sofrido anteriormente, a 15 de maio de 1973, um desastre em Moçambique, mas a Censura proibira qualquer menção ao facto na imprensa.
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Autora: Irene Flunser Pimentel