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    Cidadania e Nacionalidade [Dicionário Global]

    Mais do que tratar os conceitos de cidadania e nacionalidade, importa esclarecer que ser cidadão de um Estado, ou ser nacional de um Estado, pode ter grande valor humanístico ou quase nada representar. Pode ser uma benfeitoria extraordinária ou redundar num mal maior. Podemos também fazer coincidir os dois termos ou diferenciá-los quando as duas categorias não coincidem numa pessoa. Igualmente, parece difícil dissociar ambos os termos do conceito de Estado, associado ao Estado-Nação e sobretudo ao Estado de Direito.

    Em particular, a palavra “cidadania”, muito mais que o conceito de cidadania, faz parte da maioria dos discursos contemporâneos que circundam em torno das questões políticas, económicas e sociais. Mas esta presença ubíqua não significa clareza. Na sua historicidade, a cidadania e a nacionalidade podem ser tratadas como meros conceitos formais ou incidir sobre o seu conteúdo substantivo. Para uma real compreensão dos direitos humanos em contexto global, importa vistoriar esta dupla dimensão: por um lado, os aspetos formais e materiais e, por outro, a sua evolução e problematização na atualidade.

    Das definições formais

    Do ponto de vista formal, a cidadania é a condição de cidadão, que decorre da aquisição da nacionalidade. Por sua vez, a nacionalidade é pressuposto da cidadania, e ser nacional de um Estado é a condição primordial para o exercício dos direitos políticos.

    A ideia de cidadania está historicamente associada ao principio originário da Grécia antiga, pelo que é utilizado para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Ao longo da História, o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores que determinam o conjunto de direitos e deveres de um cidadão. Sejam os direitos de votar e de ser eleito (direitos conhecidos como de cidadania), os de não ser expulso ou extraditado, seja o direito à proteção do Estado, entre outros. Pode também constituir certos deveres para a pessoa em relação ao Estado (e.g., o serviço militar e de defesa do Estado). Não sendo claro o consenso sobre a definição da noção de cidadania, contudo, o sentido moderno da palavra exprime sempre uma relação inequívoca entre o indivíduo e a comunidade política. Outras formas de integração no sistema político existem, mas o cidadão tem direitos e deveres, responsabilidades e privilégios que o não cidadão não partilha ou partilha em grau menor.

    Por sua vez, a nacionalidade, numa perspetiva jurídico-política formal, é o vínculo de uma pessoa a um Estado. A nacionalidade pressupõe que essa pessoa tenha direitos no Estado do qual é nacional, em que se incluem os direitos de aí residir e trabalhar no território correspondente ao Estado (ALMEIDA, 2021). A verificação da nacionalidade de uma pessoa é essencial e permite a distinção entre nacionais e estrangeiros, que têm direitos diferentes (GUIMARÃES, 1965).

    A nacionalidade pode ser adquirida pela pessoa no momento do nascimento (originária) ou posteriormente, por meio da naturalização, quer voluntária, quer imposta (derivada). Pode ainda ocorrer de forma expressa, quando depende de atos de vontade do indivíduo estrangeiro perante autoridades nacionais, ou de forma tácita, quando adquirida por meio de lei especial, de caráter geral.

    A aquisição originária da nacionalidade é atribuída no momento do nascimento e constitui-se na principal forma de concessão da nacionalidade pelo Estado. Esta pode ser obtida segundo dois critérios: jus sanguinis (direito do sangue) ou jus soli (direito de solo). Segundo a regra atribuidora da nacionalidade originária pelo sangue, é nacional de um Estado o filho de um nacional daquele Estado. Trata-se da nacionalidade por filiação (parentesco sanguíneo), e a grande maioria estipula que esta é transmitida tanto pelo pai quanto pela mãe (ambilinear). Todavia, alguns países adotam o jus sanguinis patrilinear (somente o pai transmite a nacionalidade), sendo o local do nascimento irrelevante para esta regra. A transmissão sanguínea é maioritariamente utilizada pelos sistemas legais europeus. A adoção deste regime é justificada nos países de tradição emigratória (como os europeus) como forma de manter o vínculo com o emigrante e sua família. Já o jus soli (direito do solo) estabelece como critério originário de atribuição de nacionalidade o território em que o indivíduo nasceu. Segundo esta regra, não importa a nacionalidade parental, mas apenas o local do nascimento. Essa regra é contemporaneamente a mais favorecida pelos países de imigração (como o foram as Américas), que procuravam acolher a família do imigrante e assimilá-la à sociedade local. Na atualidade, os países adotam uma ou outra forma de atribuição de nacionalidade originária, preponderantemente, mas atenuam a regra principal com elementos de ambas as formas.

    A nacionalidade derivada, também referida como secundária ou adquirida, é obtida mediante processo de naturalização, definida como o ato pelo qual alguém adquire a nacionalidade de outro país. Costuma ocorrer mediante solicitação, escolha ou opção do indivíduo e por concessão do Estado cuja nacionalidade é solicitada.

    Em tese, há, porém, casos de naturalização não diretamente solicitada e, por vezes, até mesmo forçada. Idealmente, para evitar conflitos jurídicos, cada pessoa deveria ter apenas uma nacionalidade, sendo portanto nacional de apenas um Estado. Na prática, porém, podem ocorrer casos de indivíduos com mais de uma nacionalidade (polipátridas), o que acontece quando há uma concorrência positiva dos critérios. O outro extremo é ser apátrida, ou seja, sem nacionalidade, quando existe concorrência negativa dos critérios, ou seja, sem nacionalidade. Para evitar esta última situação, um esforço da comunidade internacional no sentido de evitar ou mitigar os apátridas resultou na assinatura da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, ao estipular que os Estados-Membros devem conferir aos apátridas os mesmos direitos outorgados aos estrangeiros. Deste modo, adquirida a nacionalidade de um Estado, de forma originária ou derivada, e independentemente do critério que lhe subjaz, um indivíduo adquire a dimensão de cidadão de um Estado e pode exercer a sua cidadania. Poderíamos satisfatoriamente, por este meio, ter esclarecido os termos “cidadania” e “nacionalidade”, mas o nosso objeto deve ir mais longe.

    Do conteúdo substantivo

    Do ponto de vista substantivo, entender a história da cidadania não é apenas uma forma de se comprometer com um futuro melhor em termos de generosidade humanística. Trata-se de garantir, em termos humanos, o futuro possível. E a História mostrou que esse futuro nunca chegou sem reflexão ou confrontação, nunca foi uma dádiva dos detentores do poder. Essa História, com a participação ou omissão de todos, vai sendo escrita para registro das nossas capacidades ou vergonhas.

    Como diria “o último académico do mundo antigo”, S.to Isidoro de Sevilha, a etimologia da palavra é fonte de conhecimento. Na Grécia antiga, considerava-se cidadão aquele nascido em terras gregas. Em Roma, a palavra “cidadania” era usada para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. Talvez por isso seja a palavra “cidadania” a que melhor expressa a dimensão material dos termos. Do latim civitas, tal como “cidadão” (ciudadano em espanhol, ou citoyen em francês), toma como palavra-raiz a cidade. O habitante da cidade no cumprimento dos seus deveres é um sujeito da ação, em contraposição ao sujeito de contemplação, omisso e absorvido por si e para si mesmo; ou seja, não basta estar na cidade, mas agir na cidade. A cidadania, neste contexto, refere-se à qualidade de cidadão, indivíduo de ação estabelecido na cidade moderna. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais.

    O processo histórico que levou a sociedade ocidental a conquistar esses direitos, assim como os passos que faltam para integrar os que ainda não são cidadãos plenos, dá sentido e conteúdo a um conceito esvaziado pelo uso indevido, para uma reflexão sólida e consequente. A unanimidade existe quanto aos termos “cidadão” e “cidadania”, que geralmente remetem ao indivíduo pertencente a uma comunidade e portador de um conjunto de direitos e deveres. Que direitos são esses? Eles mudam ao longo da História? Em que âmbito são exercidos? Tais perguntas podem ser respondidas se partirmos do pressuposto de que cidadania é um conceito, um exercício e um estatuto construído socialmente, e que assume inúmeras formas, a depender dos diferentes contextos sociais. Por ser um conceito historicamente situado, só pode ser compreendido com uma análise do contexto social e político de cada época.

    Histórica e genericamente, a cidadania tem uma referência espacial, constituída da relação dos indivíduos com um dado território, pelo que pode ser compreendida com uma identidade social política. Os traços de uma identidade social e política caracterizam uma dada coletividade perante as demais. São as características culturais, linguísticas, religiosas, musicais ou mesmo culinárias, entre outras, que representam os hábitos de uma comunidade. A identidade social é política, porque está vinculada à pertença uma comunidade política, expressa num Estado-Nação, com bases legais próprias que regulam a interação do cidadão perante o seu Estado e com os demais membros da comunidade. É daí que vem a ideia de direitos e deveres do cidadão. Desta forma, a cidadania pode ser compreendida racionalmente pelas lutas, conquistas e derrotas do Homem-cidadão ao longo das diversas histórias nacionais, na medida em que esta ideia moderna, a relação indivíduo-cidade ou indivíduo-Estado, expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo do seu povo. Em suma, fundamenta-se na concessão pelo Estado das garantias individuais de vida, liberdade e segurança. O exercício pleno dos direitos civis, políticos e sociais numa sociedade que combina liberdade e participação, numa sociedade ideal, é a melhor definição material de cidadania.

    Também a nacionalidade tem uma natureza, diversa da que lhe é conferida formalmente pelo direito. Sociólogos e antropólogos não se coíbem de se referir  à nação ou a um grupo étnico (indivíduos com as mesmas características: língua, religião, hábitos, etc.) como o fundamento da nacionalidade. Embora a etimologia de “nacionalidade” evidentemente contenha a palavra “nação”, a dimensão jurídica do termo refere-se ao vínculo entre uma pessoa e um Estado, não entre uma pessoa e uma nação. Todavia, é o conceito de Estado-Nação que se configura como central na definição de uma identidade nacional, de pertencimento coletivo e de inclusão em determinada comunidade política. Por sua vez, o que faz a ligação para articular esse espaço de Estado-Nação é a consolidação de uma cultura nacional homogénea que congrega e solidifica o sentimento de pertença. A consolidação dessa cultura nacional depende da idealização e do reconhecimento de fatos, lendas, tradições, costumes e mitologias diversos a respeito do passado, ocorridos ou concebidos no território delimitado e ocupado por essa sociedade. Em síntese, a identidade nacional é uma criação coletiva que dá sustentabilidade e durabilidade à ideia do Estado-Nação. A expressão “nação”, que anteriormente era utilizada para referir uma comunidade formada por indivíduos com ascendência comum, passou a ser compreendida como uma instituição politicamente integrada sob a forma da organização estatal, criando, assim, uma forte relação entre cidadania e identidade. É neste sentido que Habermas (1994) refere que o nacionalismo teve influência não negligenciável na criação das condições que permitiram o estabelecimento da cidadania.

    Quando as nações modernas procuravam homogeneizar culturalmente os seus cidadãos, promovendo a unificação linguística, religiosa e de costumes, e criaram direitos exclusivos, símbolos e rituais que os identificavam como membros de uma só nação, no alvor da Modernidade, estava aberto o caminho ao estabelecimento da cidadania. O Estado-Nação, portanto, pode ser entendido como uma entidade cultural e política que promove o sentido da identidade nacional. Assim, no sentido mais estreito, e de acordo com o senso comum, a cidadania poderia ser reduzida à nacionalidade, isto é, a uma afiliação formal de indivíduos aos Estados-Nações. Essa conceção estaria relacionada com o sentimento de lealdade perante um grupo, uma comunidade, a sociedade civil, o Estado, o que faz com que a cidadania e a nacionalidade, em conjunto, estejam associadas a uma identificação subjetiva e a um sentimento de pertença a uma dada sociedade. Assim, a cidadania e a nacionalidade são formas institucionalizadas de genealogia e constituem uma expressão de pertença plena. Englobam uma série de transações recíprocas que tecem laços entre o cidadão – indivíduo – e o Estado, e traduzem a perceção de pertencimento a um Estado, legitimada pelo reconhecimento público desses laços, que confere a identidade de cidadão e/ou nacional.

    De qualquer modo, como se assinalou, a nacionalidade é uma relação de direito público interno, e as questões relativas à nacionalidade específica são reguladas pelas leis do Estado. Assim se deve entender no âmbito do Estado Democrático de  Direito, em que todos estão sujeitos às leis vigentes, conjugando dois conceitos distintos, que definem a forma de funcionamento de inspiração ocidental, garante dos direitos de cidadania, baseados no princípio da dignidade humana.

     

    Da evolução

    Esta cidadania naturalizada é a liberdade dos modernos, como ficou reconhecido e estabelece o art. 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, no qual se afirma que “toda a pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

    As garantias individuais de vida, liberdade e segurança são uma conquista que remonta às revoluções no final do século XVIII, sobretudo em França e nas colónias inglesas da América do Norte. O termo “cidadão” designa, nesta circunstância e contexto, o habitante da cidade no cumprimento dos seus simples deveres, em oposição aos parasitas sociais.

    Segundo a obra de referência Cidadania e Classe Social (1950), do britânico T. H Marshall (1893-1981), a cidadania moderna é um conjunto de direitos e obrigações que compreendem três grupos de direitos: os direitos civis característicos do século XVIII, os direitos políticos consagrados no século XIX e os direitos sociais do século XX. Essa teoria de Marshall é particularmente aplicável nos processos de democratização do Estado liberal. No paradigma moderno de Marshall, a cidadania é a capacidade atribuída a um sujeito de ter determinados direitos políticos, sociais e civis, bem como de poderem ser exercidos no interior de um Estado-Nação. Nesse sentido, a cidadania tem seu território definido nas dimensões do Estado nacional e, assim, o cidadão é o indivíduo que tem um vínculo jurídico com o Estado, sendo portador de direitos e deveres fixados por determinada estrutura legal (constituição e leis), o que se liga como antes vimos ao vínculo formal da nacionalidade.

    Após a Revolução Francesa, a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão trouxe uma dupla perspetiva, a de que os direitos são atribuídos aos homens e cidadãos que vivem no seio de um Estado, e é esse Estado que deve garantir a fruição daqueles direitos. De acordo com Bobbio (2004), a luta pela liberdade, no contexto do Estado absolutista francês, marca a emergência do conceito de cidadania moderna e ganha a perspetiva liberal ao ser associada à ideia de liberdade contra o poder, o que a diferencia da liberdade na Grécia antiga, em que era associada à liberdade de participação no poder.

    A cidadania moderna diz ainda respeito ao direito da fruição do mundo privado, por meio da garantia da liberdade individual e da possibilidade de delegar a sua participação na política a um terceiro, por meio de seu voto no processo eleitoral (COSTA & IANNI, 2018). Essa é a diferença que Benjamim Constant (1980) apresenta ao distinguir a liberdade dos antigos em comparação aos modernos. Sob essa perspetiva, a primeira tem como paradigma a república e a segunda a tradição liberal.

    Já Chauí (1984) define “cidadania” pelos princípios da democracia, significando conquista e consolidação social e política. Isso quer dizer que a cidadania tem sido um conceito que reivindica a democracia e está associado ao reconhecimento do outro (ou à sua exclusão e ao seu não reconhecimento). A cidadania, neste contexto, está associada à atuação civil e política no seio de uma sociedade democrática.

    Como pode ser compreendido, é complexo definir o conceito de cidadania. São múltiplas as suas variáveis constitutivas e as possíveis interpretações segundo o contexto social e político. Vários temas foram se agregando à trajetória de desenvolvimento da cidadania, como as ideias socialistas, analisando movimentos como o anarquismo, o marxismo e o culto à ciência, ancorados em momentos vividos, como a Comuna de Paris, a constituição dos partidos de massa e a participação das mulheres (PINSKY & PINSKY, 2007). Esses temas podem ter hoje outras personagens coletivas, como as minorias étnicas, religiosas e sociais, a luta pela igualdade feminina, as reivindicações trabalhistas, a incorporação das demandas ambientais no bagagem da cidadania e, finalmente, a defesa e difusão das ideias assocadas aos direitos humanos, a começar pelo mais basilar de todos, o direito à vida, transformando uma aparente discussão ética numa das bandeiras políticas mais importantes dos tempos atuais.

    Da problematização

    Assentemos na posição de que cidadania é uma noção construída socialmente que ganha sentido nas experiências individuais e coletivas. É, em certa medida, a consciência de pertencer a algo maior, a um coletivo, a uma sociedade.  Todavia, no contexto de uma cultura global, cenário da sociedade contemporânea, muitos consideram que a multiplicidade de culturas e de formações identitárias, dificilmente enquadráveis no seio de uma cultura uniforme, enfraquece a identidade nacional constitutiva do Estado-Nação. Além disso, o atual processo de desterritorialização, como consequência do fenómeno de globalização, enfraquece o Estado-Nação, que tem de se adequar a uma realidade multicultural e global.

    Compartilhamos, no entanto, a compreensão de que a noção de identidade nacional continua presente. Essa identidade nacional pode não estar baseada na identidade cultural – noção moderna de nacionalidade –, mas sim no vínculo jurídico com o Estado. Nesse sentido, a cidadania ainda pode ser pensada como um instrumento institucional através do qual os Estados incluem ou excluem os indivíduos que almejam participar de determinada comunidade nacional. Se, por um lado, a cidadania gera um vínculo e um sentimento comum de pertença a uma comunidade política, por outro, a sua falta acarreta inúmeras dificuldades para aqueles que não são considerados cidadãos, como os imigrantes ilegais, que sofrem o preconceito, a dificuldade de deslocamento territorial, assim como a falta de acesso aos direitos. Assim, podemos também citar os casos dessa verdadeira transumância humana da atualidade, uma verdadeira catástrofe a afligir hoje a humanidade – constituída pelas recentes levas de refugiados, seja por razões de pobreza, seja pela fuga de conflitos bélicos do Oriente Médio, seja pela procura por melhores condições de vida e trabalho, como acontece na América Latina e com aqueles que se deslocam do Norte da África em direção à Europa, à semelhança de muitas outras ondas migratórias. Os problemas sociais da nova modernidade são mais complexos, com mais variáveis, menos hegemónicos, mais individuais e, por isso, globais.

    Segundo Lipovetsky (2005), o individualismo contemporâneo não anula as formas coletivas de participação, apenas altera seu teor. Ao contrário do que muitos políticos e teóricos afirmam – que hoje todos estariam, de alguma maneira, desorganizados e mesmo desinteressados da participação política –, cresce na sociedade contemporânea a voz da sociedade civil, por meio de novas formas de participação e expressão política em outros meios não institucionalizados.

    A política da atualidade efetiva-se nas ações da política-vida de Giddens (2003), da subpolítica de Beck et al. (2000) e na micropolítica de Guatarri e Rolnik (2005). A política transfigura-se na pluralidade constitutiva dos sujeitos sociais e políticos, o que favorece o surgimento de novos grupos e atores individuais que lutam pelos direitos de cidadania e pelo reconhecimento de múltiplas identidades. Por isso, colocar o bem comum em primeiro lugar e atuar sempre que possível para promovê-lo é dever de todo cidadão responsável.

    A cidadania deve ser entendida, neste sentido, como processo contínuo, como uma construção coletiva que almeja a realização gradativa dos direitos humanos e de uma sociedade mais justa e solidária.

    Bibliografia

    Impressa

    BECK, U. et al. (2000). Modernização Reflexiva. Política, Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. Trad. M. A. Augusto. Oeiras: Celta Editora.

    BOBBIO, N. (2004) A Era dos Direitos. Trad. C. N. Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier.

    CHAUÍ, M. (1984). Cultura e Democracia. São Paulo: Editora Moderna.

    GIDDENS, A. (2003). Mundo em Descontrole: O Que a Globalização Está Fazendo de Nós. Rio de Janeiro: Record.

    GUATTARI, F. & ROLNIK, S. (2005). Micropolítica: Cartografias do Desejo. Petrópolis: Editora Vozes.

    GUIMARÃES, F. X. da S. (1965). Nacionalidade: Aquisição, Perda e Reaquisição. Rio de Janeiro: Edição Forense.

    LIPOVETSKY, G. (2005) A Era do Vazio. Ensaios sobre o Individualismo Contemporâneo. Manole: Barueri.

    MARSHALL, T. H. (2002) Cidadania e Classe Social. Ed. atualizada, trad. e rev. de EaD/CEE/MCT (2.ª ed.). Brasília: Senado Federal/Centro de Estudos Estratégicos/Ministério da Ciência e Tecnologia (2002). 

    PINSKY, C. B. & PINSKY , J. (2007) História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto.

     

    Digital

    ALMEIDA, I. (2021). Os Fundamentos da Atribuição da Nacionalidade e o Estabelecimento da Filiação. Dissertação de Mestrado em Solicitadoria apresentada à Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico do Porto, Porto, texto policopiado, https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/19438/1/DM_IsabelAlmeida_MSOL_2021.pdf (acedido a 22.03.2023).

    CONSTANT, B. (1980). De la Liberté chez les Modernes. Org. M. Gauchet. Paris: Le Livre de Poche, https://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf acedido a 22.03.2023).

    Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (1954), https://web.archive.org/web/20051111023420/http:/www2.mre.gov.br/dai/conapatri.htm (acedido a 22.03.2023).

    COSTA, M. I. S. & IANNI, A. M. Z. (2018). “O conceito de cidadania”. In Individualização, Cidadania e Inclusão na Sociedade Contemporânea: Uma Análise Teórica (43-73). São Bernardo do Campo: Editora UFABC, https://doi.org/10.7476/9788568576953.0003 (acedido a 22.03.2023).

    Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), https://pt.ambafrance.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem-e-do-Cidadao (acedido a 22.03.2023).

    Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/declaracao_universal_dos_direitos_do_homem.pdf (acedido a 22.03.2023).

    HABERMAS, J. (1994). “Three Normative Models of Democracy”. Constellations, 1 (1), https://doi.org/10.1111/j.1467-8675.1994.tb00001.x (acedido a 22.03.2023).

     

    Autora: Cristina Montalvão Sarmento

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