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  • Comunismo [Dicionário Global]

    Comunismo [Dicionário Global]

    A relação do comunismo com a ideia e presença real dos direitos humanos, tanto no plano da teoria como no da História, é pautada por um conjunto de tensões cuja compreensão é essencial para se elucidar como esta ideologia concebe este conceito. Um dos locais onde em primeiro lugar se pode gizar o horizonte dessas tensões encontra-se nos textos dos autores mais influentes na determinação das doutrinas do comunismo tal como o conhecemos hoje e que, portanto, se tornaram sinónimos dele, a saber, Marx e Engels. Porém, salienta-se que, devido ao enfoque central dado às questões do foro económico, o tratamento dado ao tema dos direitos humanos nunca será completamente autónomo e terá sempre de ter em conta este vetor fundamental. O que, no entanto, não descura a existência de passagens ao longo das obras destes autores onde o tema surge diretamente referenciado e até, como iremos ver mais à frente, a existência de um texto de juventude de Marx onde o tema parece ser tratado de modo moderadamente exaustivo. Seria até possível dizer que, talvez pelo interesse do tema na obra de Hegel, influência sempre presente no tratamento do assunto, foi a inquirição aprofundada quanto ao direito uma das coisas que levou Marx a perguntar pela sua fundamentação mais profunda e o encaminhou pelas sendas da economia. Algo que explica como o tratamento do tema na juventude aparentemente manteve, mesmo vindo mais tarde a ser enriquecido, uma enorme consistência ao longo da vida de Marx e Engels.

    Indo então aos seus traços gerais presentes nestes autores, a questão dos direitos humanos, numa perspetiva comunista, apresenta-se acima de tudo como um fenómeno moderno em tudo relacionada com o nascimento da sociedade burguesa. Na esteira de uma sociedade civil que se emancipou das limitações inerentes à era medieval – estruturas gremiais, organização em estamentos e afins – aparece nela o homem moderno, egoísta por definição, com os seus interesses terrenos. Será este homem moderno, nesta sociedade civil moderna, que terá necessidade de assegurar uma esfera na qual as ações fundadas nestes seus interesses ocorrem. Este papel será representado pelo Estado moderno, que, contrariamente ao tido por Hegel, não é o polo racional autónomo que determina a sociedade civil, mas sim a sua excrescência necessária e seu garante último. Por sua vez, essa garantia terá um dos seus vetores fundamentais na esfera jurídica que, qual superestrutura, determina a organização, com auxílio da coação, na qual vai ser conservado um estado de coisas social permissor das interações egoístas da sociedade civil.

    Não é, assim, por acaso que a meditação comunista sobre os direitos humanos surge sempre ligada à meditação sobre as funções e o papel do Estado na sua forma moderna. Porém, tendo em conta o que foi dito até aqui, seria ainda mais exato inserir essa leitura do Estado na compreensão dos modos de organização concretos praticados pela humanidade ao longo do seu desenvolvimento histórico pautado, pelo menos até ao momento, pela luta de classes. Pois se existe necessidade de o Estado arregimentar a sociedade civil é porque, em parte, esta apresenta divisões dentro de si, apresenta classes com interesses contraditórios. A ordem jurídica será então a organização que melhor favorece a classe dominante dentro do conflito. O referido homem moderno egoísta é, no fundo, a figura por excelência do burguês preocupado com os seus negócios e interessado que nada se imiscua neles, especialmente o interesse, contraditório com o seu, daqueles que por ele são explorados. Portanto, utilizando as palavras de Lenine, “o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação de uma ‘ordem’ que legaliza esta opressão moderando o conflito das classes” (LÉNINE, 1985, 3, 193). Pelo prisma comunista, não se pode separar o direito moderno do contexto da luta de classes e não se pode esquecer, internamente, a natureza e função classista do direito. Deste fundamento, segundo a visão comunista, podemos começar a elucidar os direitos humanos.

    O comunismo demarca-se assim daquilo que pode ser tido como uma leitura moralista ou puramente jurídica do fenómeno dos direitos humanos, posição que rotularia de tendencialmente ideológica pois procura escamotear, e em última instância moderar, os conflitos classistas por detrás daquilo que seria um ideal neutro e supra-histórico a ser mantido. Ou seja, segundo o comunismo, compreender a fundamentação e papel dos direitos humanos necessita anteriormente da elucidação histórica de quem é o “humano” em causa e de como ele se tornou sujeito e, até certo ponto, carente de direitos que, respetivamente, se tornaram elementos necessários do seu viver. É, ao mesmo tempo, perceber o papel dos direitos humanos dentro do contexto social e qual o horizonte para o qual apontam: se realmente um de manifesta emancipação geral; ou outro de conservação de um estado de coisas onde impera a vontade de uma classe sobre outra.

    De modo interessante, todos estes traços sumariamente enumerados aqui já se mostram no referido texto de juventude de Marx, que, discutivelmente, pode ser considerado o primeiro trabalho comunista, ou pelo menos para aí encaminhado, sobre os direitos humanos. Trata-se do artigo “Para a questão judaica” [“Zura Judenfrage”], presente nos Anais Franco-Alemães de 1844, que, devido à clareza e riqueza dos seus conteúdos, merece ser sempre abordado quando o assunto é a abordagem comunista dos direitos humanos.

    Mostrando que o Estado, “[m]uito longe de suprimir estas diferenças fácticas [da sociedade civil], ele só existe antes no pressuposto delas” (MARX, 1997, 75), Marx mostra o direito como expressão dessa função estatal que, na medida em que parece estar a superar os desníveis da sociedade civil, apenas existe como fraca compensação deles e que, em última instância, os alimenta e conserva. Este papel singular da esfera jurídica fica ainda mais clara quando se olha especificamente para direitos humanos concretos, mais especificamente, os que foram proclamados na constituição francesa de 1793, um dos momentos áureos da história destes – igualdade, liberdade, segurança e propriedade. A conclusão será então que “[n]enhum dos chamados direitos do homem vai, portanto, além do homem egoísta, além do homem tal como ele é membro da sociedade civil, a saber: [um] indivíduo remetido a si, ao seu interesse privado e ao seu arbítrio privado, e isolado da comunidade” (MARX, 1997, 86). O humano que é sujeito de direitos será o homem tal como ele surge emancipado das relações feudais, o “homem egoísta” na medida em que “é o resultado passivo (apenas encontrado) da sociedade dissolvida, [é] objeto da certeza imediata, portanto, objeto natural” (MARX, 1997, 90). Ou seja, na medida em que é o burguês, em busca dos seus interesses lucrativos, nascido do ventre de uma sociedade feudal passada.

    Os direitos humanos são assim um dos cavalos de batalha da burguesia na luta de classes. Para lá de manterem a ordem na sociedade feita à sua imagem, eles também são a imagem de marca da sua “revolução parcial”. Tal como Marx define num outro texto, falamos de uma revolução em que “uma parte da sociedade civil emancipa-se e consegue dominar o conjunto da sociedade, uma classe determinada empreende, a partir da sua situação particular, a emancipação geral da sociedade”. Porém, fazendo jus ao seu título de parcial, “[e]sta classe liberta toda a sociedade, mas apenas na condição de que toda a sociedade se encontra na situação dessa classe, portanto, que possua, por exemplo, dinheiro e cultura, ou possa adquiri-los à sua vontade” (MARX, 1975, 60). Os direitos humanos, assim, indicam a igualdade política burguesa face à sua necessária desigualdade económica que alimentam, são a emancipação real apenas para aqueles que têm as condições inerentes aos fundamentos da classe burguesa.

    Contudo, fazendo justiça ao conceito de dialética, é desta última noção de uma emancipação parcial que, se os direitos humanos até aqui pareciam andar pelas ruas da amargura ao serem vistos como instrumento da manutenção da classe dominante, agora começam a surgir num prisma um pouco mais positivo. Ao serem afirmados, os direitos humanos são efetivamente um avanço face às figuras arcaicas de uma feudalidade baseada em privilégios, são, alguns diriam, um verdadeiro progresso no modo de organização dentro da humanidade. Até certo ponto, mesmo com as particularidades agora expostas, são um conjunto de seguranças nunca antes tidas para a maioria dos homens, são, em poucas palavras, uma não despicienda conquista histórica. E, por seu lado, ao surgirem no panorama humano, para lá de simples instrumento da classe dominante, o seu horizonte jurídico pode ser um dos que preside à própria dinâmica da luta de classes. Não nos podemos esquecer, como Engels mostra de passagem no seu Anti Dühring, que a classe burguesa, quando “transita do estamento medieval a uma classe moderna, é sempre, e inevitavelmente, acompanhada pela sua sombra: pelo proletariado”. Quando a burguesia faz a sua luta pela via da afirmação dos direitos humanos, este proletariado irá tomá-la à letra, e, assim, pegando, por exemplo, no clássico direto à igualdade, “as reivindicações burguesas de igualdade são acompanhadas de reivindicações proletárias de igualdade” (ENGELS, 2020, 160). Por outras palavras, o proletariado, inserido também na luta de classes, torna a conquista de direitos humanos parte da sua luta. Direitos esses que tanto podem ser uma tentativa de concretizar a promessa inerente aos prometidos pela sociedade burguesa, como é o caso de uma igualdade que se procura não apenas política, mas também económica, como podem ser igualmente específicos, como a busca de novas seguranças, e.g., a dignidade no trabalho ou noutras esferas da vida. Até porque, mesmo naquilo que seria uma sociedade de transição do capitalismo para o comunismo, segundo Marx nos mostra na sua Crítica do Programa de Gotha, teria de haver um “direito igual” que seria um “direito burguês”, com a ressalva de que “princípio e prática já não se andam a puxar pelos cabelos” (MARX, 1985, III, 16). Algo que, no fundo, está perfeitamente de acordo com a ideia comunista de que a revolução proletária teria de tomar conta do Estado legado pela sociedade burguesa para, através dos seus instrumentos, os jurídicos incluídos, avançar a causa dos trabalhadores.

    Quanto aos direitos humanos tal como os conhecemos, após a superação da luta de classes, tudo indica que eles iriam desaparecer pois já não existiria na sociedade as divisões que dão pertinência à sua função. Efetivamente, segundo Marx, “depois de, com o desenvolvimento omnilateral dos indivíduos, as suas forças produtivas terem também crescido e todas as fontes manantes da riqueza cooperativa jorrarem com abundância – só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser totalmente ultrapassado”. Seria o momento em que poderíamos enaltecer a conhecida palavra de ordem “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!” (MARX, 1985, III, 17). A esfera jurídica seria um dos membros daquele Estado moribundo, que, após a sua utilização por parte do proletariado com vista ao desvanecimento da classe burguesa, também iria desaparecer. Portanto, a posição comunista, mesmo sendo crítica, e até certo ponto contrária, à posição iluminista dos direitos humanos (como diriam alguns) autoevidentes, não abdica de nenhum modo daquilo que é uma busca pela manutenção destes direitos. Apenas tenta enquadrar estes numa perspetiva materialista histórica onde a luta de classes não pode ser esquecida.

    De qualquer modo, é este o âmbito a nível de princípios que nos pode dar alguma clareza quanto a um outro ponto onde também se pode analisar a relação do comunismo com os direitos humanos, a saber, na história da relação dos Estados socialistas com estes. Neles viu-se uma forte defesa de os direitos dos seus cidadãos como estando apenas dependente da existência do seu Estado. Nesse sentido, sempre se procurou negar a influência do direito internacional sobre questões concernentes à manutenção de direitos de indivíduos e a não aceitar por princípio a participação de um órgão externo quanto a diferendos internos. Caberia sempre ao Estado onde esse indivíduo se encontra a função de salvaguarda dos seus direitos, o que acabou por colocar um assento tónico nas funções estatais. E, em tal enquadramento, sendo o avanço para uma sociedade comunista o fim último por detrás desta posição estatista, vê-se aberta a possibilidade de não tomar certos direitos de modo absoluto, tal como ocorre (pelo menos em princípio) em democracias liberais. Por outras palavras, face aos objetivos de um Estado socialista, a relação do Estado com os direitos dos cidadãos terá sempre em conta esses objetivos como ponto fundamental.

    No entanto, esta posição quanto à manutenção dos direitos humanos na frente doméstica, não descurava o recurso à esfera internacional no que toca ao estabelecimento de regras e convenções referentes aos direitos humanos a serem aceites, e assegurados, pelos Estados no seu interior e nas suas relações entre si. Sinal claro disto encontra-se na participação empenhada da União Soviética na composição da Declaração Universal dos Direitos Humanos dentro dos trabalhos da Organização das Nações Unidas. Uma das contribuições dadas por este Estado socialista ao célebre documento em causa foi a defesa da adoção de uma linguagem inclusiva para todos os géneros face um esboço inicial onde apenas se fazia menção a homens. Algo que estava de acordo com a igualdade entre ambos os sexos já presente na sua constituição nacional aquando da redação da Declaração. Contudo, de salientar que a União Soviética se absteve em 1948 no voto quanto à adoção da Declaração, o que por si só não mostra uma oposição clara ao seu conteúdo.

    Por outro lado, ainda referente à esfera internacional, também lhe caberia aquilo que pode ser considerado a manutenção de direitos humanos comunitários. Estes, na falta de melhor definição, seriam aqueles que caberiam aos homens na medida em que “teriam acesso a eles coletivamente enquanto membros de uma comunidade maior, como uma nação ou um Estado” (PRZETACZNIK, 1977, 251). Neste ponto, poderá ver-se o direito à paz como o mais importante. Em grande medida fruto de uma era onde a destruição mútua assegurada, pelo recurso a armas nucleares, era uma possibilidade real, esta posição tida pelos Estados socialistas determina que deveria haver um esforço na manutenção da paz, pois só ao se assegurar esse direito fundamental seria também possível assegurar tudo o mais. Assim, os Estados socialistas defendiam que a política entre Estados deveria ser pautada pela coexistência e a cooperação pacífica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, de modo a possibilitar a própria existência de uma comunidade internacional.

    Outro dos direitos humanos comunitários defendidos, pelo menos em princípio, pelos Estados Socialistas refere-se ao direito de os povos se autodeterminarem. Ideia célebre do pós-Primeira Guerra Mundial, em parte pela influência de Woodrow Wilson, este direito dizia respeito a um povo, em primeira instância, poder formar um Estado e ser reconhecido enquanto tal. Por sua vez, para que tal seja possível, entende-se que na formação desse Estado deve haver liberdade na determinação da sua organização doméstica e nas suas relações internacionais. Portanto, pressupõe-se, em primeiro, o direito de um Estado se manter enquanto entidade independente mesmo entrando, e tendencialmente saindo de, em organizações com outros Estados. Segundamente, também se defendia a possibilidade de seguir internamente o seu caminho autónomo sem haver interferência de fora, devendo ter assim perfeita soberania quanto ao seu sistema social e político, às questões referentes à sua cultura e, talvez mais importante, na gestão dos seus recursos internos e na condução da sua economia.

    A defesa deste direito à autodeterminação por parte dos Estados socialistas teve especial destaque na defesa da independência, e emancipação, de antigas colónias face aos poderes colonizadores. Salientando especialmente a soberania quanto aos recursos naturais, procurava-se acima de tudo impossibilitar a ingerência dos antigos interesses colonizadores nas novas nações que começavam a emergir. Um dos sinais mais claros desse apoio encontra-se na Resolução 1514 da Assembleia Geral das Nações Unidas, também conhecida como a Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais. Votada por iniciativa da União Soviética a 14 de dezembro de 1960, esta declaração salientava exatamente como a “sujeição de povos à subjugação, exploração e domínio estrangeiros constitui uma negação dos direitos humanos fundamentais” e era “contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a causa da promoção da paz e cooperação mundiais”. Contra essa situação, defendia-se a atribuição de independência a todos os povos em causa, de acordo com os princípios do direito internacional, pois “[t]odos os povos têm o direito à autodeterminação” e, “em virtude deste direito, podem determinar livremente o seu estatuto político e prosseguir livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural”.

    Ainda tendo em conta a procura de uma coexistência pacífica e o direito à autodeterminação, vale, porém, salientar como, em alguns contextos, os Estados socialistas consideravam que estes direitos não podem ser tomados como absolutos, a saber, quando referidos ao avanço da causa socialista. Neste sentido, seria possível a inserção de território na área de um Estado socialista através de anexação, na medida em que tal ato iria fortalecer os interesses emancipatórios da classe operária. De salientar que esta doutrina teve especial destaque até ao final da Segunda Guerra.

    Contudo, após este período, com a sedimentação do bloco socialista oriental, podemos ver o princípio da autodeterminação a ser especialmente secundarizado nesta área de influência, com o aparecimento da conhecida doutrina da soberania limitada de Brejnev na década de 60 do século XX. Em última instância, esta doutrina defendia a legitimidade de uma incursão de um país comunista noutro com o fim de preservar o socialismo face a derivas reacionárias que meteriam em causa a integridade do bloco oriental. Mesmo só tendo aparecido de modo explícito em novembro, podemos ver o seu batismo, e melhor exemplo, no final da Primavera de Praga, em agosto de 1968. Esta doutrina traduziu-se na entrada da União Soviética na Checoslováquia de modo a impedir aquilo que era visto como uma aproximação às democracias liberais, normalmente associadas ao ocidente capitalista e, portanto, uma ameaça à estabilidade dentro do Pacto de Varsóvia.

    Por fim, para os Estados socialistas, assegurar todos estes direitos humanos coletivos inerentes à lei internacional deveria ser uma função que recai sobre cada Estado. Nesse sentido, de novo, sempre se objetou a criação de entidades supranacionais cujo fim fosse o controlo de como este processo estava a ser desenvolvido, e mantido, no panorama internacional. No melhor dos casos, era permitida a arbitragem pontual de um terceiro membro quanto a uma disputa entre duas fações. Porém, a aceitação da jurisdição de uma entidade que, por princípio, iria estar sempre acima dos membros analisados dentro de certo âmbito jurídico, o dos direitos humanos, nunca foi absolutamente aceite. Assim, na experiência dos Estados socialistas sempre houve uma tendência para dar primazia à ação direta dos Estados naquilo que é visto como a manutenção e, por inerência, a própria existência dos direitos humanos. A constatação poderá parecer algo paradoxal, se não mesmo irónica, se tivermos em conta a defesa do comunismo quanto ao eventual desaparecimento do Estado após a revolução proletária. Porém, neste momento, relembra-se a posição mantida por Marx e Engels quanto a esse Estado, e aos direitos humanos, oriundos de um contexto de lutas de classes, onde o que importa é a sua função nesta luta, bem como da situação de guerra fria onde os Estados socialistas agiam.

    Num contexto de forte combate, tanto no plano geopolítico como ideológico, ainda ocorre uma utilização destes instrumentos por parte de Estados socialistas, não na medida em que defendem o seu valor axiológico, mas sim de modo a avançar a causa socialista contra forças que viam como ameaças. Assim, se tudo o mais for visto com um certo grau de suspeita, e até mesmo cinismo, quanto ao legado do comunismo, as questões criticamente levantadas por Marx e Engels no tema dos direitos humanos surgem ainda com a mesma pertinência com a qual surgiram pela primeira vez. Elas surgem, assim, ainda como instrumentos importantes naquilo que é a compreensão deste tema em tempos pautados pelo debate entre culturas e pelo conflito de mundividências. Em suma: nesta questão, volvidos quase 200 anos, tal como um outro conhecido espectro, as perguntas de Marx e Engels continuam a pairar sobre o tema dos direitos humanos.

    Bibliografia

    Impressa

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    Digital

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    Autor: Rui M. M. Filipe

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