• PT
  • EN
  • Contrato

    Contrato

    O termo contrato designa um acordo de vontades que produz efeitos jurídicos, assentando num determinado compromisso entre as partes envolvidas. Esta definição está contida na origem etimológica do termo – particípio passado do verbo contrahere, em latim, que significa juntar ou reunir, remetendo para um ato conjunto, uma convenção entre partes relativamente a uma interação futura, cuja natureza, função ou objetivo deve precisamente ser descrita pelo contrato. A origem do termo aponta também desde logo para uma das suas características primordiais: o facto de o contrato estabelecer um certo vínculo entre as partes, assente num compromisso e num ato recíproco, exprimindo um consenso entre vontades distintas, mas doravante unidas num determinado propósito.

    A ideia de contrato é um instrumento crucial em todos os aparatos jurídicos modernos, regulando relações civis e comerciais, mas neste artigo procuraremos sobretudo dar conta da sua relevância político-filosófica, em particular no que respeita à salvaguarda dos direitos fundamentais. Importa sublinhar que a génese e evolução deste conceito têm uma história antiga e multifacetada, permeada por influências culturais, filosóficas e legais muito diversas. São hoje conhecidos registos contratuais em civilizações antigas (nomeadamente na Mesopotâmia), reflexões acerca do seu significado em tratados filosóficos na Grécia Antiga (Aristóteles abordou a questão do contrato na relação com o problema da justiça), além dos evidentes contributos emanados do Direito Romano (onde surgem algumas das suas bases teóricas, como a importância da formalização do contrato ou a ideia de obrigação e responsabilidade contratual, além da enumeração das suas várias formas – “locação”, “empréstimo”, “comodato”, entre outros).

    A ideia de contrato será aprimorada no período medieval, nomeadamente pelo Direito Canónico, época em que surge também a primeira formulação conhecida da expressão pacta sunt servanda (“os pactos devem ser cumpridos”), que ressalva a forma como o contrato assenta numa ideia de compromisso fundamental entre as partes. Esta tese surge no quadro de uma reflexão teológica sobre o contrato, menos preocupada com a dimensão formal do Direito Romano, e mais concentrada no consensualismo, ou seja, na manifestação de um acordo entre vontades como alicerce do contrato, estabelecendo este um compromisso moral e, por conseguinte, um vínculo, independentemente da sua efetivação expressa.

    Nos séculos vindouros, a ideia de contrato – ora sob a forma de um acordo tácito, ora como vínculo jurídico formal – tornou-se uma prática comum na organização social e económica europeia, sendo um instrumento vital no feudalismo, mas também no incipiente domínio do Direito Internacional. A este propósito, destaca-se a Lex Mercatoria (cujas primeiras menções remontam ao século XV), um conjunto de regras e práticas acordadas entre mercadores de várias origens, com o objetivo de padronizar as transações comerciais. Juntamente com a emergência das tradições jurídicas germânica e nórdica (que precedem o triunfo do sistema romano-germânico na Europa) – que recuperam a preocupação com a formalização dos contratos – essa embrionária experiência de Direito Internacional contribuiu de forma inquestionável para o desenvolvimento do contrato moderno.

    Tradicionalmente aplicado no domínio jurídico, o conceito de contrato assumirá grande preponderância na Filosofia (nomeadamente na Filosofia Política) nos séculos XVII e XVIII, ocupando um lugar central nas obras de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Embora mantenha algumas características fundamentais associadas ao seu significado histórico prévio, que descrevemos sumariamente, o conceito de contrato é invocado por estes pensadores com uma maior amplitude semântica, inserida numa vasta reflexão que transcende a mera análise das relações contratuais entre indivíduos e que incide, na verdade, numa consideração dos fundamentos e propósitos fulcrais da política e da sociedade em geral. Não por acaso, e apesar das diferenças doutrinárias entre si, estes autores vieram a ser designados como contratualistas, o que evidencia a relevância do conceito em causa nos seus sistemas filosóficos.

    É com Thomas Hobbes – mormente no Leviatã (1651) – que surge um primeiro impulso crucial desta nova leitura do termo “contrato”. Hobbes procurou, por um lado, uma alternativa aos modelos naturalistas, que viam a política como uma consequência necessária da índole social dos indivíduos, cuja manifestação numa experiência coletiva estava essencialmente subordinada aos imperativos éticos e morais. Por outro, Hobbes desejava encontrar uma explicação da legitimidade política que não decorresse do tradicional modelo do “direito divino dos reis”, que justificava a autoridade a partir de uma fonte transcendente, relativamente à qual a comunidade devia uma obediência passiva, por entender que tal explicação do poder assentava numa espécie de “rutura ontológica” entre o exercício do poder e os indivíduos sobre os quais tal ação decorria (uma vez que estes em nada contribuíam para a legitimidade de tal exercício).

    Para levar a cabo o seu inovador projeto, Hobbes opta por uma estratégia de lógica invertida, questionando a natureza do político a partir da hipótese teórica da sua não-existência, julgando poder encontrar aí a resposta da sua necessidade. Tal exercício é naturalmente conjetural (uma vez que o homem já se encontra no estado político) e todavia possível como “experiência de pensamento”, deduzindo a partir de uma análise da natureza humana as características desse estado pré-político, a que Hobbes dá o nome de “estado de natureza”. Conduzida nos famosos capítulos inaugurais de Leviatã, tal investigação leva Hobbes a concluir que no estado de natureza os homens vivem movidos pelo instinto de autopreservação e sob a égide de uma liberdade irrestrita, sem laços sociais ou culturais, gerindo apenas as suas necessidades imediatas de acordo com o que julgam útil para si próprios. Num tal cenário, não são possíveis atos cooperativos, uma vez que a figura da alteridade é automaticamente encarada como um obstáculo ao seu desejo; cada um exerce a sua liberdade no âmbito das suas capacidades físicas, não conhecendo nenhum limite a não ser aquele que decorre de idêntico exercício de uma liberdade selvagem por parte de outrem. Reina assim a desconfiança, o isolamento e a competição entre indivíduos, cada qual procurando proteger os seus interesses numa “guerra de todos contra todos”, num quadro desolador que Hobbes descreve numa célebre passagem: “Numa tal situação, não há lugar para a indústria, pois o seu fruto é incerto, não há cultivo da terra, não há construções confortáveis, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o pior de tudo é que há um constante temor e perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, selvagem e curta” (HOBBES, 1995, 111).

    Sem uma medida universal do justo, sem condições de usufruto da propriedade (não existe um “meu”, nem um “teu”), sem um poder capaz de garantir a ordem, sem um código de conduta comum que permita uma convivência regrada, sujeito à “lei do mais forte” e ao sofrimento de uma permanente incerteza de sobrevivência, resta aos homens proceder a uma avaliação lógica imanente ao princípio de autopreservação: a necessidade de renunciar à sua liberdade irrestrita, enquadrar as suas ações num plano de regras comuns e aceitar a existência de uma autoridade que garanta o cumprimento das mesmas, punindo quem não o faça. Trata-se, no fundo, de um simples cálculo, mediante o qual o homem natural entende que tem de sair do estado de natureza e entrar num novo esquema de relacionamento com os outros indivíduos que melhor garanta a sua autoconservação.

    É neste momento que Hobbes invoca o conceito de “contrato” – que estabelece as condições de emergência do estado social e político – destacando duas características fundamentais do mesmo: a) o compromisso que representa (segundo o qual, como dissemos, o homem abdica da sua liberdade selvagem e aceita a existência de leis comuns); b) a sua mutualidade (pois cada um só renuncia a essa liberdade na medida em que os outros também o façam; caso contrário, ficaria duplamente sujeito às limitações autoimpostas e às ações que os outros entendessem por bem e de forma irrestrita empreender contra si). Tal contrato é, obviamente, tácito, uma “experiência imaginada”, a qual, todavia, oferece condições de legitimidade para a emergência de uma autoridade competente para agir sobre todos os membros da comunidade (o soberano). É bem conhecida a doutrina que daqui decorre acerca dos poderes do soberano, que Hobbes descreve em termos particularmente assertivos (nomeadamente no que diz respeito ao seu poder punitivo e à necessidade de uma estrita obediência às leis), julgando ser a mesma indispensável para garantir a segurança que os homens ambicionam, aquando da sua saída do estado de natureza e ingresso num estado político.

    As análises posteriores do pensamento hobbesiano focar-se-iam neste elemento da sua obra, e por bons motivos, pois esclarecem a natureza do Estado moderno e apresentam uma teoria secular da sua legitimidade política. Todavia, nesta ocasião, urge também realçar um aspeto porventura menos exuberante da sua doutrina, mas da maior influência para as teorias político-filosóficas futuras, incluindo no que respeita ao tópico dos direitos fundamentais. Referimo-nos à forma como Hobbes repensa a natureza do próprio pacto, rejeitando a conceção do contrato como um acordo entre a comunidade e um senhor; o que está aqui em causa é o entendimento de que o Estado resulta de um contrato estabelecido entre todos os indivíduos (“cada homem com cada homem”), e que, por conseguinte, a autoridade é legitimada pelos próprios membros da comunidade e exercida em função dos mesmos. Como tal, Hobbes afasta-se quer de uma explicação transcendente do poder, quer de uma teoria da resignação comunitária a um poder instituído pela força. Em sentido contrário, o que o autor inglês destaca de forma clara é que as instituições políticas existem para servir os interesses primordiais dos cidadãos, ainda que se lhes exija em troca uma obediência taxativa aos preceitos legais.

    Por outras palavras, o contrato é assim perspetivado como uma garantia fundamental dos indivíduos, não apenas relativamente a aspetos particulares da sua vida quotidiana, mas de forma muito mais abrangente, acoplada à sua própria condição de membro de uma comunidade política organizada. Afastando-se das teorias naturalistas, Hobbes concebe assim o Estado como um mecanismo artificialmente erguido com o propósito específico de proteger os interesses dos indivíduos que o habitam, sendo esse cuidado pela esfera individual o motivo pelo qual ele existe à partida.

    A obra de Hobbes tornou-se imediatamente um clássico da filosofia política, mas terá sido John Locke aquele que melhor entendeu o enorme potencial das suas doutrinas no que concerne à explicação da natureza do contrato. Tomando de empréstimo os aspetos fundamentais da sua metodologia (nomeadamente a rejeição do elemento transcendente como justificação do poder e o recurso ao conceito de “estado de natureza” para descrever a emergência do estado social e político), Locke procedeu a pequenas alterações doutrinárias da obra hobbesiana, as quais todavia anunciavam conclusões muito distintas e uma leitura radicalmente nova da própria ideia de contrato.

    No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, publicado em 1689, Locke apresenta uma visão menos sombria do estado de natureza, por entender que os indivíduos, dotados de razão, subordinam desde logo o exercício da sua liberdade às condições de uma reciprocidade, necessárias a um usufruto efetivo das suas capacidades: “O estado natural tem uma lei natural para o governar, a qual obriga a todos: e a razão, que constitui essa lei, ensina a todos os homens que a consultarem, que sendo todos iguais e independentes, ninguém deveria ofender a outro na sua vida, propriedade, liberdade e saúde” (LOCKE, 1999, 36). Diferentemente de Hobbes, Locke admite assim a possibilidade de laços cooperativos no estado de natureza, assentes num respeito mútuo, bem como direitos de propriedade (para que se faça da terra um uso mais vantajoso e cómodo), ambos tendo por base uma conceção de dignidade pessoal que se verifica desde logo no estado pré-político e que, naturalmente, representa uma extensão substantiva da conceção hobbesiana de indivíduo (a qual reconduzia o homem ao simples princípio da autopreservação).

    Estas modificações doutrinárias vão afetar significativamente o modo como Locke perspetiva a entrada no estado civil e o desígnio do contrato sobre o qual ela repousa. Enquanto, para Hobbes, a saída do estado de natureza é uma inevitabilidade que decorre das condições gravemente nefastas que aquele representa para o indivíduo, para Locke, este só está disposto a trocar a amena condição da naturalidade pré-política caso obtenha vantagens consideráveis com a instituição do estado civil, nomeadamente se os direitos fundamentais que o acompanham intrinsecamente forem devidamente preservados. O indivíduo vê vantagens na organização política, mas apenas porque ela promete um melhor usufruto desses direitos, e não uma renúncia aos mesmos.

    Deste modo, embora Locke, tal como Hobbes, identifique o surgimento do Estado com a emergência de uma autoridade política, com poder legislativo sobre todos os membros da comunidade, a natureza do contrato que o estabelece assenta em propósitos bem distintos. Em Hobbes, este aponta para uma transferência essencial da liberdade dos indivíduos para o soberano, enquanto em Locke ele consigna acima de tudo uma afirmação perentória de que os homens são possuidores de direitos inalienáveis (vida, liberdade e propriedade), que o Estado não pode em circunstância alguma violar. Hobbes contribuiu decisivamente para uma teoria secular do Estado moderno, mas é apenas com Locke que emerge verdadeiramente a figura da dignidade pessoal no quadro da filosofia política europeia, ao subordinar toda a esfera do político a uma tarefa inequívoca: a proteção dos direitos fundamentais numa sociedade política organizada.

    Daqui decorre necessariamente uma releitura da própria ideia de contrato: o que está em causa não é tanto sublinhar a rutura que a passagem do estado de natureza para o estado civil encapsularia, mas sobretudo entender que as instituições políticas que decorrem do contrato terão de ser concebidas numa relação proporcional com a dignidade primordial do indivíduo. Por conseguinte, enquanto em Hobbes a característica fulcral do contrato é a obediência, em Locke é certamente o consentimento, que por sua vez dará lugar a um “governo limitado”, nas suas palavras, cuja ação estará sempre essencialmente restrita pela existência de um inviolável repositório de direitos fundamentais dos indivíduos.

    Sem surpresa, a reflexão de Locke integra uma teoria da revolução que Hobbes manifestamente rejeita (por considerar que colocaria em causa a necessária autoridade do Estado); se o desiderato essencial da passagem do estado de natureza para o estado civil é obter uma maior segurança no usufruto dos direitos fundamentais, então, caso estes estejam ameaçados por uma repetida conduta abusiva do Estado, os indivíduos não mais devem obediência à autoridade instituída pelo contrato, reassumindo a sua liberdade original e podendo estabelecer um novo quadro jurídico e político que sirva os seus interesses.

    Alavancada pelos influentes trabalhos de Hobbes e Locke, a tradição contratualista tornou-se predominante na filosofia política do século XVIII, destacando-se a este respeito o contributo de Jean-Jacques Rousseau. A sua obra ocupa um lugar peculiar neste domínio, não só pela popularização do próprio termo “contrato social” (que dá título a um dos seus mais célebres livros, publicado em 1762), mas também por aí apresentar uma leitura original, que procura romper com as anteriores reflexões de índole liberal. Na ótica de Rousseau, a soberania só pode ser compreendida devidamente no quadro de uma homogeneidade adscrita ao corpo social, perspetivado na sua coesão originária, e não como o resultado de uma espécie de “acordo negociado”, em que as liberdades individuais são moeda de troca para legitimar um qualquer tipo de exercício da autoridade política.

    Com o desejo de honrar plenamente os ideais da liberdade e da igualdade, “o fim de qualquer sistema de legislação” (ROUSSEAU, 1981, 55), Rousseau afasta-se das leituras tradicionais do contrato como o momento fundador de um poder político decorrente de uma qualquer forma de renúncia, transferência ou limitação da liberdade originária dos sujeitos, antes destacando a sua experiência comunitária como um momento seminal da soberania, cuja força resulta precisamente do entendimento do corpo social como unidade indivisível e irrepresentável, sob o comando da vontade geral. Esta não diz respeito à mera soma das vontades individuais, sendo antes expressão da soberania coletiva pensada como recta ratio, ou seja, um princípio de solidariedade que “parte de todos para se poder aplicar a todos” (ROUSSEAU, 1981, 36), servindo como guia de toda a política pública.

    Com esta doutrina, Rousseau abre a porta a um entendimento do contrato como algo mais do que um mero reconhecimento da existência de direitos individuais, o que em última instância poderia resultar numa conceção da sociedade como um corpo atomizado de sujeitos aprisionados na sua esfera de interesses particulares. A seu ver, a verdadeira aceção do contrato social reside no modo como salvaguarda os interesses do coletivo, tomado no seu sentido mais lato – ou seja, enquanto bem comum –, leitura que preserva simultaneamente os ideais da liberdade e da igualdade que fundamentam a convivência política. Se Locke foi determinante para o surgimento do liberalismo e, com ele, uma defesa sustentada dos direitos individuais, Rousseau foi decisivo ao abrir caminho para uma devida consideração dos direitos sociais, destacando a necessidade de atender à dimensão coletiva e solidária da experiência comunitária.

    A importância dos direitos sociais, invocada por Rousseau, assumirá grande relevância no século XIX, com o advento do socialismo e dos movimentos operários e sindicais, sendo alimentada pelas obras de Saint-Simon, Proudhon e Marx, entre outros. Estes autores e movimentos criticaram os limites da ideia de contrato inerente à tradição liberal, em particular o facto de ser encarado simplesmente como um acordo privado entre indivíduos. Por outro lado, argumentavam que, sob o modelo liberal e capitalista, os contratos refletiam com frequência relações de poder desiguais, forçando os trabalhadores a aceitar condições de trabalho paupérrimas, servindo assim como instrumentos de opressão e exploração dos elementos mais frágeis da sociedade.

    A longa maturação destas críticas, associada à própria reforma e evolução dos ideais liberais e à emergência dos movimentos sociais-democratas na Europa, levou a uma revisão deste paradigma, baseada na defesa da criação de mecanismos legais que oferecessem uma proteção objetiva dos direitos dos trabalhadores. Este período viu nascer o direito do trabalho (entendido como uma área jurídica própria, que visava salvaguardar determinadas garantias individuais nas relações económicas e laborais), a institucionalização dos movimentos sindicais e ainda a emergência dos contratos coletivos (que criavam mecanismos de negociação ordenada entre empregadores e trabalhadores). Estas e outras conquistas levaram assim à progressiva adoção de dispositivos legais, com o intuito de proteger os direitos laborais e sociais dos indivíduos, nomeadamente condições dignas de trabalho e salários mais justos.

    Como vemos, embora mantenha algumas das suas características originais, o conceito de contrato sofreu uma evolução histórica que produziu uma maior riqueza semântica e também um significativo impacto na proteção dos direitos fundamentais. Face à sua importância crucial na época contemporânea – pois está presente em praticamente todos os aspetos das relações comerciais, laborais e sociais da vida moderna –, talvez valha a pena elencar, em jeito de conclusão, alguns dos elementos teóricos e práticos que enfatizam a sua relevância nos dias de hoje:

    1. Uma celebração da autonomia e da liberdade. A ideia de contrato assenta no princípio da autonomia da vontade, permitindo que as partes combinem livremente os termos do seu acordo. Esta liberdade contratual é fundamental para proteger os direitos individuais, designadamente a liberdade de associação e a liberdade de movimento, destacando ainda, num sentido mais lato, a condição de cada indivíduo como membro pleno de uma sociedade alargada, capaz de se envolver em processos interativos e produtivos com outros indivíduos, empresas ou instituições, segundo os seus interesses diversos.
    2. A proteção da dignidade e da igualdade. Os contratos são, acima de tudo, instrumentos de salvaguarda dos interesses e direitos das partes envolvidas, destacando a inviolabilidade da dignidade humana e a igualdade perante a lei.
    3. A preocupação com os direitos humanos e a responsabilidade social. Dos pontos anteriores decorre que o contrato é um mecanismo essencial para proteger os direitos fundamentais, nomeadamente através de cláusulas específicas, como o respeito por normas éticas, o estabelecimento de compromissos de não-discriminação, a adoção de responsabilidades sociais corporativas, ou a necessidade de conformidade com padrões internacionais de direitos humanos, entre outras.
    4. A promoção de direitos civis e políticos. Embora invocados sobretudo para regular relações de direito privado entre indivíduos (ou empresas), a validade dos contratos exige a preservação dos direitos civis e políticos das partes envolvidas (como a liberdade de expressão, de religião, etc.), contribuindo para uma salvaguarda dos mesmos no contexto da vivência quotidiana.
    5. A defesa dos direitos laborais. Como vimos anteriormente, uma das principais evoluções do conceito de contrato sublinhou precisamente a sua importância na regulação das relações económicas e laborais. Os contratos modernos desempenham um papel indispensável na garantia de condições dignas de trabalho, na promoção de salários justos e no estabelecimento de proteções específicas dos trabalhadores contra atos ilícitos.
    6. Uma resposta às mudanças. Os contratos são fundamentais para proteger direitos fundamentais dos indivíduos e das sociedades, perante alterações substantivas das relações empresariais e sociais, motivadas pela revolução tecnológica e desafios próprios da época contemporânea (crise ambiental, por exemplo). Nessa medida, importa sublinhar a relevância do estabelecimento de garantias contratuais em matérias tão díspares como os direitos do consumidor, a salvaguarda de direitos de propriedade, o enquadramento do comércio eletrónico, ou o respeito pela sustentabilidade ambiental, entre outros.
    7. Uma visão da sociedade. Embora remetam primordialmente para a esfera jurídica e para o âmbito específico dos acordos privados, os contratos têm uma ressonância ética e política relevante, pois são instrumentos que refletem e sustentam também certas normas sociais e valores comuns. Nesta medida, a ideia de contrato é um alicerce de uma mundividência social e política mais ampla, que visa promover o bem-estar coletivo e proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, numa atmosfera de respeito mútuo e progresso comum.

    Bibliografia

    BENSON, P. (2019). Justice in Transactions: A Theory of Contract Law. Cambridge, MA: Belknap Press.

    BILLIER, J.-C. & MARYIOLI, A. (2001). História da Filosofia do Direito. Lisboa: Instituto Piaget.

    BOUCHER, D. & KELLY, P. (1994). The Social Contract from Hobbes to Rawls. New York: Routledge.

    CUNHA, P. F. da et al. (2023). História do Direito. Lisboa: Almedina.

    FREEMAN, S. (2007). Justice and the Social Contract. Oxford: Oxford University Press.

    GORDLEY, J. (1991). The Philosophical Origins of Modern Contract Doctrine. Oxford: Oxford University Press.

    HAMPTON, J. (1986). Hobbes and the Social Contract Tradition. Cambridge: Cambridge University Press.

    HOBBES, T. (1995). Leviatã. Trad. J. P. Monteiro. Lisboa: INCM, 1995.

    LOCKE, J. (1999). Ensaio sobre a Verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil. Trad. J. O. Carvalho. Lisboa: Edições 70.

    MULDOON, R. (2017). Social Contract Theory for a Diverse World: Beyond Tolerance. New York: Routledge.

    RIBEIRO, J. de S. (2007). Direito dos Contratos – Estudos. Lisboa: Almedina.

    ROUSSEAU, J. J. (1981). O Contrato Social. Trad. L. Brum, Lisboa: Europa-América.

     

    Autor: José Gomes André

    Autor:
    Voltar ao topo
    a

    Display your work in a bold & confident manner. Sometimes it’s easy for your creativity to stand out from the crowd.