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    Declaração de Pequim

    O documento Declaração de Pequim foi aprovado na IV Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas sobre as Mulheres, em setembro de 1995. O seu principal objetivo foi a revitalização da importância dos direitos humanos das mulheres e, em segundo lugar, a elaboração de um plano, cuja operacionalização ficou conhecida como Plataforma de Ação de Pequim.

    Do ponto de vista formal, a Declaração deve ser considerada como um todo. No entanto, é possível descortinar três pilares: geral (parágrafos 1 a 8), compromissos e convicções (parágrafos 8 a 21) e objetivos (parágrafos 22 a 38). Esta estrutura tripartida visou, em primeiro lugar, estabelecer uma fotografia da situação global das mulheres; em segundo lugar, identificar as lacunas a serem colmatadas; e, por último, determinar os passos e os agentes necessários para melhorar e promover os direitos humanos das mulheres.

    Do ponto de vista do seu conteúdo, a Declaração foi muito importante pela fotografia que traçou: “reconhecemos que o estatuto das mulheres avançou em alguns aspetos importantes na última década, mas que esse progresso não tem sido uniforme, que perduram desigualdades entre mulheres e homens e permanecem obstáculos de relevo, com graves consequências para o bem-estar de todos os povos” (parágrafo 5). A sociedade internacional vivia o registo do pós-Guerra Fria, ou seja, a liderança global de Washington depois do colapso da Moscovo soviética em 1991. Esta dimensão é importante, pois encontramos na Declaração a importância da “consolidação da democracia” (parágrafo 15). Por outras palavras, a Declaração e a respetiva Plataforma de Ação traduzem um certo optimismo vivido nesses tempos e uma convicção no progresso dos direitos humanos e, em especial, no que dizia respeito à população feminina.

    Mais ainda, foi objeto de destaque a forma simples como foi comunicada a essência destes direitos: “os direitos das mulheres são direitos humanos” (parágrafo 14). De todos os participantes na IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, os holofotes incidiram sobre a então primeira-dama Hillary Clinton: “Subindo ao palanque vestida de um cor-de-rosa particularmente feminino, Hillary fez o discurso da sua vida. O seu principal argumento foi o de que os direitos humanos não podem ser separados dos direitos das mulheres. Nas suas palavras: ‘Se esta conferência deixar uma só mensagem, que seja a de que direitos humanos são direitos das mulheres e que os direitos das mulheres são direitos humanos’” (VAZ-PINTO & LIMA, 2016, 57). Os holofotes da sua condição de primeira-dama foram cruciais para reforçar a visibilidade da mensagem.

    Merecem ainda relevo na Declaração a inclusão da necessidade de “promover a independência económica” (parágrafo 26), de “promover o desenvolvimento sustentável, centrado na pessoa humana, incluindo o crescimento económico sustentado, através da garantia de educação básica, educação permanente, alfabetização e formação, e cuidados de saúde primários para raparigas e mulheres” (parágrafo 27),  “prevenir e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas” (parágrafo 29), e o de “assegurar igual acesso e igual tratamento de mulheres e homens na educação e cuidados de saúde e promover a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, bem como a sua educação” (parágrafo 30).

    A Declaração de Pequim continua a ser um documento relevante, pois os problemas identificados continuam por resolver. Em bom rigor, o contexto internacional na década de 90 e a sua ambição em matéria dos direitos humanos acabou por não se realizar. O relatório relativo ao ano de 2022 da Freedom House sobre a “Liberdade no Mundo” regista “17 anos consecutivos de deterioração”.

    Em 2023, os direitos humanos das mulheres continuam a ser objeto de violações ad hoc e sistemáticas. Nas democracias liberais, os desafios aos direitos das mulheres são cada vez maiores e fazem parte do reforço do iliberalismo, através de movimentos sociais ou de partidos políticos.

    Em relação às ditaduras, sejam de cariz alegadamente religioso, como é o caso do Irão, sejam “digitais”, como é o caso da República Popular da China, a repressão dos direitos humanos das mulheres tem contornos específicos. No caso do Irão, basta pensarmos no movimento Mulher, Vida e Liberdade, que, juntamente com Narges Mohammadi, recebeu o Prémio Nobel para a Paz em 2023. No que toca à China, a fotografia é de uma maior repressão transversal, em consonância com a seguinte realidade: “as ditaduras estão a abraçar a tecnologia para refazerem o autoritarismo na era moderna” (KENDALL-TAYLOR et al., 2020, 104). Neste contexto, a repressão das mulheres chinesas adquire ainda contornos específicos relacionados com a sua ausência em termos de representatividade política e, entre outros, a reversão de décadas da política gloriosa de “uma só criança”. Atualmente, as mulheres são muito pressionadas e coagidas a casar e a ter filhos sob a égide dos objetivos traçados por Xi Jinping, tais como “harmonia familiar, harmonia social, desenvolvimento nacional e progresso nacional” (REUTERS, 2023).

    Em suma, a Declaração de Pequim de 1995 continua, depois de quase três décadas, a ser um texto relevante e pertinente por duas razões. Em primeiro lugar, pela fotografia muito realista da situação dos direitos humanos das mulheres no mundo e, em segundo lugar, pela visão transversal desses direitos, cujo caminho ainda falta percorrer.

    Bibliografia

    Impressa

    KENDALL-TAYLOR, A. et al. (2020). “The Digital Dictators”. Foreign Affairs, 99 (2), 103-115.

    VAZ-PINTO, R. & LIMA, B. P. (2016). Administração Hillary. Lisboa: Tinta-da-China.

     

    Digital

    CLINTON, H. (1995, 5 de setembro). “Remarks for the United Nations Fourth World Conference on Women”, http://www.un.org/esa/gopher-data/conf/fwcw/conf/gov/950905175653.txt (acedido a 30.12.2023).

    COMISSÃO PARA CIDADANIA E IGUALDADE DE GÉNERO (2013). “A Declaração de Pequim”. In Agenda Global, Estratégias para a Igualdade de Género, A Plataforma para a Acção de Pequim (19915-2005) (7-15), https://plataformamulheres.org.pt/site/wp-content/ficheiros/2016/01/Plataforma-Accao-Pequim-PT.pdf (acedido a 30.12.2023).

    COMISSÃO PARA CIDADANIA E IGUALDADE DE GÉNERO (2013). “A Plataforma de Pequim”. In Agenda Global, Estratégias para a Igualdade de Género, A Plataforma para a Acção de Pequim (19915-2005) (16-221), https://plataformamulheres.org.pt/site/wp-content/ficheiros/2016/01/Plataforma-Accao-Pequim-PT.pdf (acedido a 30.12.2023).

    COMITÉ NORUEGUÊS NOBEL (2023, 6 de outubro). “Nobel Peace Prize 2023”, https://www.nobelprize.org/uploads/2023/10/press-peaceprize2023.pdf (acedido a 30.12.2023).

    FREEDOM HOUSE (2023). Freedom in the World, https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2023/marking-50-years (acedido a 30.12.2023).

    REUTERS (2023, 30 de outubro). “Xi Says China’s Women Must Start ‘New Trend of Family’”, https://www.reuters.com/world/china/xi-says-chinas-women-must-start-new-trend-family-2023-10-30/ (acedido a 30.12.2023).

     

    Autora: Raquel Vaz-Pinto

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