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    Dignidade Humana, Princípio da [Dicionário Global]

    Dignidade humana enquanto conceito civilizacional, plasmado nas convenções internacionais

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de dezembro 1948, através da resolução 217 A III, e constitui um marco inultrapassável que estabelece a dignidade humana como o fundamento dos direitos humanos indissociáveis de todo o ser humano. No seu Preâmbulo, este diploma internacional proclama que a dignidade humana é o fundamento da liberdade, justiça e paz. Estes representam, por seu turno, os grandes desideratos das sociedades hodiernas e democráticas.

    A dignidade humana encontra-se consagrada no art. 1.º, da DUDH – “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” –, tendo sido acolhida nas constituições dos vários Estados de Direito democráticos, no pós-Segunda Guerra Mundial, enquanto princípio estruturante.

    Encontramos a preocupação com a dignidade humana no Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada a 26 de junho de 1946 em São Francisco: “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas […]”.

    A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra, no seu art. 1.º, a dignidade do ser humano (“A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida”).

    Importa referir que estes diplomas internacionais integram o ordenamento jurídico português, por via do art. 8.º da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo sobre esta Lei Fundamental.

    Existe o princípio da prevalência ou da primazia do Direito da União Europeia sobre o Direito nacional de cada Estado-Membro, o que significa que em caso de alguma desconformidade do Direito português, ainda que se trate da Constituição da República, será esta a ter de ser alterada. Assim o exige a necessidade (e princípio) da uniformidade na aplicação do Direito da União Europeia pelos Estados-Membros que compõem esta União.

    A consagração da dignidade humana surge também na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, assinada a 4 de abril de 1997, em Oviedo. Na verdade, podemos ler no seu Preâmbulo: “[…] Conscientes dos rápidos desenvolvimentos da biologia e da medicina; Convencidos da necessidade de respeitar o ser humano simultaneamente como indivíduo e membro pertencente à espécie humana e reconhecendo a importância de assegurar a sua dignidade. Conscientes dos atos que possam pôr em perigo a dignidade humana pelo uso impróprio da biologia e da medicina […]”. O art. 1.º, sob a epígrafe de objeto e finalidade, refere o seguinte: “As Partes na presente Convenção protegem o ser humano na sua dignidade e na sua identidade e garantem a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina”.

    A dignidade humana impõe aos cidadãos, entre si, e aos Estados perante aqueles, o seu reconhecimento como fim último, e não como um instrumento ou meio. Um dos corolários deste facto é o de que a dignidade é inalienável, ou seja, nem o seu próprio titular pode abdicar dela, sob que circunstância for. A dignidade é o limite à atuação individual. Outro corolário é o de que qualquer política pública deverá ser promovida em função do bem-estar do ser humano, tendo por missão a sua realização pessoal e social. A dignidade é o primeiro limite à atuação estadual, não sendo admissíveis exceções ao seu respeito. A dignidade humana possui um estatuto jurídico especial. Ela granjeia a qualificação simultânea de valor, princípio e direito.

     

    A dignidade humana na Constituição da República Portuguesa

    A “dignidade humana”, ou “dignidade da pessoa humana”, afirma-se simultaneamente numa dupla veste: enquanto direito fundamental e enquanto princípio jusfundamental expressamente consagrado. Na Constituição da República Portuguesa, surge firmada logo no art. 1.º, sob a epígrafe “República Portuguesa”: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana […]”. A sua relevância é demonstrada pelo facto de a dignidade humana encontrar um reconhecimento implícito através dos concretos termos em que outros direitos fundamentais são consagrados ou efetivados.

    A dignidade humana merece, por parte do legislador constitucional, consagração explícita e reconhecimento implícito. Consagrar direitos fundamentais implica necessariamente reconhecer ao cidadão dignidade. Muitos desses direitos implicam, para a sua efetividade plena, prestações ou outras medidas positivas por parte do Estado.

    No que concerne à relação umbilical entre a dignidade humana e os direitos fundamentais, subscrevemos a posição firmada por Jorge Reis Novais, segundo a qual “[…] a ideia de dignidade da pessoa humana, […] concretiza-se e densifica-se especificamente através das normas de direitos fundamentais. Algumas Constituições reconhecem até expressamente esta ligação e, em sentido recíproco, mesmo quando a dignidade não vem expressamente acolhida nos textos constitucionais, a simples presença dos direitos fundamentais ou de uma declaração de direitos na Constituição confere-lhe […] um reconhecimento implícito que permite aos tribunais recorrerem ao princípio como se de norma constitucional expressa se tratasse” (NOVAIS, 2018, 71). Assim, a prestação estadual de serviços públicos, ainda que numa perspetiva minimalista, reconduzida ao seu núcleo essencial, é uma concretização do princípio da dignidade humana e o seu reconhecimento ao cidadão-contribuinte da máquina tributária, a qual vive dos impostos e que os utiliza para sustentar a multiplicidade de serviços públicos (e.g., saúde, educação, segurança social, paz social, habitação, mobilidade e transportes, entre muitos outros).

    No caso da saúde, o núcleo essencial deste direito é assegurado pela existência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), plasmado no art. 64.º da Constituição da República Portuguesa: “n.º 1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover; n.º 2. O direito à proteção da saúde é realizado: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. Qualquer proposta ou projeto de alteração constitucional no sentido de o eliminar é considerada inconstitucional. Para além de, em termos jurídicos ser inconstitucional, seria socialmente inaceitável porque contraditória com o próprio cerne do Estado de Direito democrático, independentemente do grau de maior ou menor cariz “social” do mesmo, variável em função dos governos. Trata-se de uma conquista civilizacional, cujo retrocesso não é admissível (princípio da proibição do retrocesso social). A restrição – ainda que não implicasse a total erradicação do SNS – do espectro de apoio sanitário facultado pelo SNS ao utente representaria uma flagrante violação do pacto social firmado entre governantes e cidadãos.

    Na senda da Constituição alemã e respetiva jurisprudência, o nosso Tribunal Constitucional afirma a dignidade humana através da garantia estadual de um mínimo de vida condigno, sem o qual não é possível a sustentação de um Estado de Direito democrático. Na verdade, democracia verdadeira e efetiva implica o assegurar, ao cidadão eleitor, de um mínimo existencial. Por outro lado, a dignidade humana surge como imperativo na adoção de políticas e medidas administrativas concretas. Dê-se o caso paradigmático do sector da saúde: a boa gestão e alocação de dinheiros públicos e a racional organização dos serviços de saúde são fatores de dignificação do utente do SNS. Casos como o encerramento das urgências hospitalares ou a falta de médicos de família ao nível dos cuidados primários são contrários ao tratamento digno do ser humano e representam a violação do princípio da dignidade humana pelo próprio Estado.

    Em termos práticos, a má organização e a fraca gestão de recursos humanos colocam o Estado em contradição frontal com direitos fundamentais por si proclamados. Sob um outro prisma, a dignidade humana na saúde implica falar de uma prestação de cuidados de saúde “humanizada”, no âmbito da qual a autonomia e a autodeterminação do doente surge empoderada.

    O princípio da dignidade humana à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional

    Consideramos pertinente o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional, sobre o direito ao denominado “mínimo de subsistência condigna”, o qual cremos ser ilustrativo do sentido e alcance deste princípio: “A jurisprudência do Tribunal Constitucional, no entanto, deduziu do artigo 1.º da Lei Fundamental, que garante a dignidade do homem, um direito subjetivo aos meios necessários à existência do indivíduo (.) [O] princípio de defesa das condições mínimas de existência pode fundar uma ‘imediata pretensão dos cidadãos’, ‘nos casos de particulares situações sociais de necessidade’ (.) [O] legislador goza da margem de autonomia necessária para escolher os instrumentos adequados para garantir o direito a um mínimo de existência condigna, podendo modelá-los em função das circunstâncias e dos seus critérios políticos próprios. […] Pressuposto é, porém, que as suas escolhas assegurem, com um mínimo de eficácia jurídica, a garantia de um mínimo de existência condigna, para todos os casos”.

    O papel do Tribunal Constitucional pela afirmação, no plano concreto, de direitos fundamentais, enquanto manifestação do princípio basilar da dignidade humana, é de enaltecer e aplaudir: “O direito ao mínimo de existência foi reconhecido como direito fundamental a partir e por causa do princípio da dignidade humana, fundamento último do juízo do Tribunal”. Através do seu labor, este órgão jurisdicional tornou o princípio da dignidade humana um autêntico “princípio operativo de transformação da ordem jurídica portuguesa” e “elemento propulsor da adequação progressiva da ordem infraconstitucional à ordem constitucional”. Não obstante esta posição, a verdade é que este Tribunal assume claramente uma perspetiva contida na aplicação do princípio da dignidade humana como primeira linha de defesa dos direitos. Por um lado, opta por “não sobredimensionar o ‘alcance’ prescritivo próprio” desse princípio, de conteúdo muito amplo, que não se permite a ser fonte direta de tutela de outros direitos fundamentais: “dele não são dedutíveis ‘diretamente’, por via de regra, ‘soluções jurídicas concretas’”. Por outro lado, foram poucas as situações em que o douto Tribunal proferiu sentenças de inconstitucionalidade por violação direta da “ideia” ou do “valor” da dignidade da pessoa.

     

    Casos que demonstram que o princípio da dignidade humana está em risco: o direito à segurança social e o direito à habitação condigna

    O Direito dos Estados democráticos hodiernos é necessariamente marcado pelo imperativo de dignidade humana, sendo, inclusive, condição para pertença a comunidades políticas internacionais. É o caso da União Europeia, na qual apenas são aceites Estados assentes no pluralismo democrático e no tratamento do cidadão como um fim em si mesmo e não como um instrumento ao serviço de um qualquer propósito estatal.

    O ideal Kantiano é a base filosófica e humanista que serve de suporte aos Estados nascidos do pós-Segunda Guerra Mundial (1945), em que o colonialismo e a cultura esclavagista teve de ser abandonada. Por outro lado, importa salientar que o direito à segurança social, previsto no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – de uma forma mais flagrante no disposto no art. 9.º: “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas à segurança social, incluindo os seguros sociais”, mas com um feixe sobre todos os demais preceitos do mesmo diploma –, assenta na máxima de John Rawls, a qual parafraseamos do seguinte modo: sob o véu da ignorância, qualquer pessoa, independentemente do seu status quo atual, pode vir a encontrar-se numa posição de vulnerabilidade socioeconómica e de dependência de auxílio alheio.

    O direito a receber apoios por condições económicas precárias, por uma situação de desemprego prolongado, por velhice, por incapacidade, por doença (baixas médicas), indemnizações por acidentes de trabalho, por viuvez ou orfandade, assim como, o apoio mínimo de subsistência (Rendimento Social de Inserção), habitações sociais e a pensão de reforma são afloramentos meramente exemplificativos da preocupação do Estado com a dignidade do cidadão.

    Na Constituição portuguesa, o preceito ínsito no art. 63.º, sob a epígrafe “segurança social e solidariedade”, é claro ao dispor que: “1. Todos têm direito à segurança social. 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. 3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho […]”.

    A concretização do direito à segurança social e de um sistema eficaz que chegue ao cidadão de que dele carece é imprescindível à salvaguarda do princípio da dignidade humana.

    Atente-se no precioso facto de a nossa Constituição apresentar-se ao povo português e ao mundo com o seguinte preceito (art. 1.º): “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Ao legislador da Constituição não foi suficiente afirmar que Portugal é uma república livre, justa e solidária. Mais que isso: é um Estado empenhado nessa construção civilizacional tendente à implementação da dignidade do ser humano. Porém, as proclamações de afirmação veemente da dignidade humana não passam de proclamações, quando surgem desprovidas de medidas suscetíveis de auxiliar o mais desfavorecido, em tempo útil e na proporção da necessidade do próprio e/ou do seu agregado familiar.

    Em Portugal, estes são alguns dos problemas que perigam a concretização do propalado princípio da dignidade humana: a) os apoios quando chegam ao beneficiário, chegam fora de tempo, com muito atraso, quando aquele se encontra no puro estado de desespero; b) a falta de recursos humanos nos serviços do instituto da segurança social que dê vazão às solicitações crescentes dos cidadãos; c) falta de recursos económicos, pois o erário público português sofre sérias limitações, por ser um país pobre quando comparado com outros Estados-Membros. Os apoios e subsídios reconhecidos ao cidadão necessitado são disso prova; d) o dilema eterno: a segurança social não pode ser suficientemente “atrativa” na perspetiva de compensar ao cidadão não procurar ativamente sair da situação de carência económica em que se encontra. Este “dilema” é sobejamente trazido a debate parlamentar por partidos da “ala mais à direita”; e) a inversão da pirâmide demográfica: a população ativa (financiadora do sistema) começa a ser menor que a população mais idosa e que se encontra a auferir pensões de diversa natureza.

    As políticas públicas, designadamente, de habitação também se revelam problemáticas, porque são claudicantes e cegas aos verdadeiros problemas das camadas mais jovens e da classe média, atormentada com a carga fiscal e a pressão sobre o mercado imobiliário. A dignidade humana sem uma habitação condigna não existe, sendo uma quimera vazia de propósito.

    O Estado de Direito democrático concretiza-se pela garantia de todo o cidadão ao bem-estar social, em todas as suas vertentes sociais e materiais, permitindo a sua realização plena enquanto ser humano dotado de dignidade. O Estado Português assume-se como Estado social, mas não já de providência, tal como nasceu do pós-Segunda Guerra Mundial.

    O princípio da dignidade da pessoa humana tem de se articular harmoniosamente, na construção de uma sociedade justa e solidária, com o princípio da proibição do retrocesso social. No entanto, existe um leque escasso de recursos económicos que sustentam este sistema de segurança social consentâneo com a dignidade humana que colocam um limite ao volume de prestações sociais que o Estado consegue reconhecer ao seu cidadão mais desfavorecido.

    À semelhança de outros direitos sociais, a efetividade do direito à segurança social é condicionada pelo princípio da reserva do financeiramente possível e pela inexigibilidade judicial, direta e imediata pelo seu não cumprimento. Por esta ordem de razões, os direitos sociais apresentam uma manifesta fragilidade quando comparados com os direitos, liberdades e garantias.

    Vamos concretizar com o direito (social) à habitação condigna. A propósito deste direito social, refere o acórdão do Tribunal Constitucional que “Trata-se de um direito cujo conteúdo não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, e cuja efetividade esta dependente da chamada “reserva do possível”, em termos políticos, económicos e sociais”. “O direito a habitação, como direito social que e, quer seja entendido como um direito a uma prestação vinculada, recondutível a uma mera pretensão jurídica, ou antes como um autêntico direito subjetivo inerente ao espaço existencial do cidadão, não confere a este um direito imediato a uma prestação efectiva, já que não e diretamente aplicável nem exequível por si mesmo”.

    O princípio do Estado de Direito democrático (art. 2.º CRP) vai muito mais além do que o assegurar ao cidadão o direito ao sufrágio universal e livre ou a salvaguarda do princípio de separação de poderes. É cumprir o pacto social.

    De acordo com a posição sufragada pelo antigo Provedor de Justiça Faria Costa, “o direito a uma habitação condigna integra de um jeito absolutamente inequívoco o património civilizacional”.

    A DUDH prevê a todo o ser humano o “direito a uma habitação”. Vejamos a letra do art. 25.º, n.º1: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.

    Trazendo novamente à colação o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Este diploma internacional charneira na tutela de direitos humanos consagra, no seu art. 11.º, que “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência […]”. A habitação adequada é, pois, uma condição determinante à existência digna do cidadão, competindo aos Estados assegurar, através de políticas públicas e medidas administrativas, o acesso à habitação, designadamente através de rendas acessíveis.

    No que à Constituição portuguesa respeita, o art. 65.º consagra que: “n.º 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar; n.º 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução; n.º 3. O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria  […]”.

    Na Lei de Bases da Habitação (LBH), encontra-se claramente previsto o direito à habitação, em condições de igualdade e de não discriminação. Assim refere o art. 2.º, n.º 1: “Todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de saúde”. Por outro lado, o disposto no art. 3.º LBH reitera o objetivo social do Estado, na sua senda de promover a dignidade humana: “n.º 1 – O Estado é o garante do direito à habitação; n.º 2 – Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado programar e executar uma política de habitação integrada nos instrumentos de gestão territorial que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; […] n.º 4 – A promoção e defesa da habitação são prosseguidas através de políticas públicas, bem como de iniciativas privada, cooperativa e social, subordinadas ao interesse geral; n.º 5 – As políticas públicas de habitação obedecem aos seguintes princípios: a) Universalidade do direito a uma habitação condigna para todos os indivíduos e suas famílias; b) Igualdade de oportunidades e coesão territorial, com medidas de discriminação positiva quando necessárias; c) Sustentabilidade social, económica e ambiental, promovendo a melhor utilização e reutilização dos recursos disponíveis […]”.

    Mas, afinal , em que se consubstancia uma habitação com dignidade (“condigna”)? Na verdade, não existe uma definição, sendo esse um dos obstáculos à sua efetividade. No entanto, a observação geral n.º 4 do Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, relativa ao direito a uma habitação condigna, indica alguns critérios que uma habitação deverá possuir para ser conforme ao princípio da dignidade humana: a) segurança legal da ocupação; b) disponibilidade de serviços, materiais e infraestruturas; c) acessibilidade (em termos de valores das rendas); d) habitabilidade; e) facilidade de acesso; f) localização; g) respeito do ambiente cultural.

    A LBH preceitua, no seu art. 9.º, que: “n.º 1 – Uma habitação considera-se de dimensão adequada aos seus residentes se a área, o número das divisões e as soluções de abastecimento de água, saneamento e energia disponíveis forem suficientes e não provocarem situações de insalubridade, sobrelotação ou risco de promiscuidade; n.º 2 – A lei define os requisitos mínimos para a qualificação das habitações, tendo em conta o número e área das divisões, bem como para garantir condições de higiene, salubridade, conforto, segurança e acessibilidade; n.º 3 – Existe risco de promiscuidade e inadequação da habitação para os seus residentes quando não for possível garantir quartos de dormir diferenciados e instalações sanitárias para preservar a intimidade das pessoas e a privacidade familiar […]”.

    Perante a inexigibilidade em sede judicial que fragiliza a tutela dos denominados “direitos sociais” – pedras basilares do princípio da dignidade humana –, impõe-se tecer a seguinte questão: que proteção institucional existe? Por um lado, o instituto da segurança social possui limitações comprovadas, ao nível de resposta atempada, falta de eficiência, falta de recursos humanos, falta de dinheiro. Por outro, o provedor de justiça exerce tão-só uma magistratura de influência, emitindo pareceres não vinculativos.

    A dignidade humana encontra-se em risco, devido ao enfraquecimento do Estado Social, o qual não consegue assegurar, com eficácia, a concretização dos mais elementares direitos sociais, de que a segurança social e a habitação são exemplos paradigmáticos.

    Bibliografia

    Impressa

    ANDRADE, J. C. V. de (2012). Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (5.ª ed.). Almedina: Coimbra.

    MIRANDA, J. & MEDEIROS, R. (2010). Constituição Portuguesa Anotada (t. I). Coimbra: Coimbra Editora.

    NOVAIS, J. R. (2018). A Dignidade da Pessoa Humana (2 vols.) (2.ª ed.). Coimbra: Almedina.

    NOVAIS, J. R. (2019). Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional. Lisboa: AAFDL.

    NOVAIS, J. R. (2021). Limites dos Direitos Fundamentais. Fundamento, Justificação e Controlo. Coimbra: Almedina.

    TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (1992, 1 abril). Acórdão n.º 92-130-2, processo n.º 90-0104. Relator A. Correia.

    Digital

    TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (2007, 1-3 outubro). O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Jurisprudência Constitucional. Relatório da Delegação Portuguesa, apresentado em conferência em Roma, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/conteudo/files/textos/textos0202041.pdf (acedido a 27.01.2023).

    Autora: Isa António

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