Greve, Direito à [Dicionário Global]
Greve, Direito à [Dicionário Global]
O art. 57.º da Constituição da República Portuguesa (“Direito à greve e proibição do lock-out”) apresenta os seguintes pontos: “1. É garantido o direito à greve. 2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito. 3. A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis. 4. É proibido o lock-out”.
A greve é um fenómeno muito antigo que esteve sempre associado a uma forma de protesto contra situações que afetam determinados interesses de grupos sociolaborais e representam uma forma de luta por interesses imediatos ou mediatos dos que a eles pertencem ou a eles aderem.
A ordem jurídica nacional configura o direito à greve como um direito constitucional dos trabalhadores e apenas destes. Desta forma, ainda que os sindicatos possam decidir sobre a greve, só os trabalhadores individualmente considerados a podem de facto exercer. Os sindicatos apenas podem declarar a greve, não a podendo realizar. Dir-se-ia, pois, que se trata de um direito individual de exercício coletivo.
A Constituição não dá uma definição de greve, mas pode dizer-se que se trata de uma abstenção da prestação de trabalho, por um determinado grupo de trabalhadores, como forma de realizar objetivos comuns. Assim, o núcleo essencial deste direito consiste no poder do trabalhador de modificar de forma transitória o seu vínculo jurídico-laboral.
Apesar de a Constituição não fornecer um conceito de greve, ao tutelá-la, confere-lhe o merecido estatuto de direito fundamental, em particular, estando inserido no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”. Isto quer dizer que não é um direito de execução comum, como muitos outros tutelados pelo Código do Trabalho. É, assim, assumida a sua relevância no âmbito da dinâmica das relações juslaborais, obtendo uma proteção que não pode ser dirimida com uma mera revisão ao Código do Trabalho.
Este direito é conferido aos trabalhadores como uma forma de restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes, na medida em que os trabalhadores, subordinados juridicamente ao empregador, se encontram numa posição enfraquecida, estando a greve ligada desde sempre a princípios da democracia. A própria Organização Internacional do Trabalho, ainda que de forma cautelosa, entende o direito à greve como uma componente da liberdade sindical e do direito à negociação coletiva.
Torna-se essencial, para a efetiva liberdade de exercício do direito à greve, estabelecer proteção contra condutas do empregador ou de terceiros que extingam o exercício concreto deste direito e dos seus efeitos. Uma destas garantias é a proibição do lock-out – nos termos do n.º 4 do art. 57.º da Constituição.
O direito à greve não é um direito absoluto ou ilimitado, coexistindo com outros direitos e valores constitucionalmente protegidos, tal como se depreende do n.º 3 deste artigo. Colocam-se, desde logo, limites externos, na medida em que o direito à greve tem de ser conciliado com outros direitos de igual valor, sendo necessário o recurso ao critério da concordância prática tendente a salvaguardar a máxima eficácia possível de todos ou o menor sacrifício de cada um, apelando sempre a um juízo de proporcionalidade.
É neste quadro que se compreende a obrigação legal de serviços mínimos, que constitui um dos mais significativos limites ao exercício do direito à greve.
Em primeiro lugar, deparamos com o problema de determinar o que deve entender-se por “direito à greve”, na medida em que a Constituição estabelece dois tipos de serviços que não podem ser afetados pelas greves e que, desta forma, prevalecem sobre este direito, não concretizando, contudo, estes conceitos: a) os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações; b) os serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Estas duas situações constituem dois tipos diferentes de limitações, na medida em que a prestação de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos não se limita a estabelecimentos que se destinam a responder a necessidades sociais impreteríveis.
Desta forma, pode dizer-se que, no primeiro caso, estamos perante serviços mínimos relacionados com a própria empresa e, no segundo caso, temos serviços essenciais à própria comunidade.
Entende-se, porém, que, sendo os dois casos limites ao exercício de um direito fundamental, devem obedecer sempre ao princípio da proporcionalidade, na sua tripla vertente de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito, orientando-se por um juízo de concordância prática, razoabilidade e ponderação. Preconiza-se que a obrigação de serviços mínimos, respeitando estes princípios, só existe quando e na estrita medida em que a necessidade em causa não possa ser satisfeita através de outros meios ou formas, ou seja, quando e na medida em que as prestações com que se pretende cumprir aquela obrigação sejam indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
No entanto, e tentando sistematizar, o direito à greve tem limites, internos (os que advêm da sua natureza, conteúdo e função) e externos (aqueles que resultam de injunções legais, como por exemplo avisos prévios e a necessidade de intermediação de coletivos de trabalhadores, para a efetiva concretização do direito).
Apenas uma nota final para ressaltar que uma das concretizações da lei (isto é, do Código do Trabalho) consiste na proibição de substituição de trabalhadores grevistas. Portanto, uma vez que a própria Constituição da República Portuguesa prevê a necessidade de asseverar o funcionamento dos serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, relegando para o Código do Trabalho a sua execução (arts. 530.º e ss.), não se justificaria a admissibilidade de contratações para substituir trabalhadores que se encontrassem a exercer o seu direito à greve.
Contudo, importa notar que a substituição não será válida, caso a greve o seja, isto é, se porventura a greve não cumprir com os pressupostos de validade, então cremos que a possibilidade de substituição dos trabalhadores grevistas não será punível.
Por fim, importa esclarecer que a substituição de trabalhadores grevistas merece a tutela penal, nos termos do art. 543.º do Código do Trabalho, sendo aplicável, à entidade violadora da norma, uma pena de multa até 120 dias.
O lock-out representa uma forma de pressão, que consubstancia uma cessação temporária da atividade, acompanhada, normalmente, do encerramento dos estabelecimentos onde os empregadores visam estabelecer certas condições de trabalho aos trabalhadores ou defender-se perante as reivindicações destes. Esta forma de pressão implicaria a exoneração do dever de pagar a retribuição aos trabalhadores, o que lhes ocasionaria maiores dificuldades, para poderem efetivamente exercer os seus direitos.
O lock-out, sendo proibido pela Constituição, representa um afastamento em relação ao pretenso princípio da igualdade de armas, rejeitando-se, desta forma, uma atitude neutral nos conflitos laborais.
Noutra vertente, a consagração desta proibição é uma garantia dos direitos dos trabalhadores em geral, incluindo o direito fundamental ao trabalho, à retribuição e à segurança no emprego.
O lock-out, porque inconstitucional, não pode ter qualquer influência nas relações de trabalho, nomeadamente sobre a retribuição e sobre a antiguidade e os efeitos que dela decorrem, constituindo o empregador, no mínimo, em responsabilidade contratual, com a inerente consequência de ter de suportar uma indemnização pelos danos causados (como é o caso dos danos morais).
Além disso, o incumprimento desta norma originará uma responsabilização criminal, com a aplicação de uma pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias.
Ora, a tutela penal, por ser a ultima ratio de resposta de um ordenamento jurídico a práticas contrárias às normas legais, mas também de convivência social, significa necessariamente uma especial salvaguarda de bens protegidos. Isto quer dizer que, se o legislador previu a responsabilidade penal, quer no âmbito da greve, quer no âmbito do lock-out, tal significa que considera que os bens a proteger são de particular relevo, e que, de facto, são fundamentais num estado democrático de direito.
Bibliografia
Impressa
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Autores: Teresa Coelho Moreira
Luís Gonçalves Lira