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  • Holocausto (Shoá) [Dicionário Global]

    Holocausto (Shoá) [Dicionário Global]

    O Holocausto, ou Shoá, são dois dos principais termos atribuídos ao assassinato em massa dos judeus da Europa pelos nazis, a céu aberto ou nos centros de morte, da Polónia e na União Soviética. Dos cerca de nove milhões de judeus da Europa, aproximadamente seis milhões (dois terços) foram assassinados, a tiro, em massacres coletivos, em camiões e nas câmaras de gás dos campos de extermínio da Polónia ocupada pela Alemanha, no que os nazis chamaram “solução final da questão judaica”. Tão terrível foi a magnitude do crime que o jurista judeu polaco Raphael Lemkin cunhou em 1944 um novo termo para o referir, “genocídio”, relacionado com o facto de seres humanos terem pretendido privar outros da humanidade e impedi-los de viver na terra comum.

    A “solução final da questão judaica”, termo dos próprios nazis, foi desencadeada nos territórios ocupados pela Alemanha a partir da segunda metade de 1941, primeiro às mãos dos Einsatzgruppen – grupos móveis com civis polícias liderados pela SS –, por fuzilamento, primeiro, de homens e, depois, de mulheres, crianças e velhos das comunidades judaicas da Polónia e da União Soviética ocupadas. Os perpetradores dos crimes nazis não foram apenas Hitler, os seus cúmplices, nomeadamente da SS, das polícias e da Wehrmancht, nem só alemães e austríacos do Grande Reich. O Holocausto  contou com a cumplicidade dos países do Eixo e de ucranianos, lituanos, romenos, eslovacos e húngaros.

    Muitas outras pessoas foram perseguidas pelos nazis e pelos seus cúmplices, por vezes até à morte, como aconteceu com cerca de 80 mil prisioneiros políticos alemães, 10.000 homossexuais e centenas de testemunhas de Jeová. Além dos cerca de seis milhões de judeus, os nazis e os seus cúmplices assassinaram meio milhão de ciganos Sinti e Romani, perto de três milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, 200.000 deficientes, milhões de civis, 1,8 a 2 milhões de polacos étnicos, para não falar dos 700.000 sérvios assassinados às mãos dos croatas, cúmplices da Alemanha nazi.

    A singularidade do Holocausto, enquanto genocídio, prende-se com o facto de todas estas vítimas terem sido mortas por serem o que eram, não pelo que faziam, e por isso, no caso dos judeus, até os bebés eram assassinados na sua totalidade. A ideologia nacional-socialista baseava-se no racismo e na noção de um mundo pretensamente dividido em diversas raças. No topo hierárquico destas, estaria a única raça pura – a dos “senhores arianos” (Heerenvolk) –, enquanto na posição mais baixa figuravam as raças dos sub-homens eslavos, asiáticos, árabes e negros. Os judeus, porém, pertenciam, segundo os Nazis, à única “raça impura”, pelo que deveriam ser eliminados, pois, devido à sua própria natureza biológica, constituíam o principal perigo para a sobrevivência da “raça germânica”. Os judeus não eram encarados como fazendo parte de uma sub-humanidade, à semelhança dos eslavos, que deveriam ser escravizados, mas eram identificados como “bacilos” ou “vírus” que infetariam a “comunidade nacional alemã”, encarada como um corpo biológico. Por isso, tinham de ser aniquilados, na chamada “solução final da questão judaica”, que assumiu vários aspetos e etapas.

    O antissemitismo racial, central na ideologia nazi, diferenciava-se do tradicional antijudaísmo religioso, pois aos nazis não interessava se um judeu era ou não praticante da sua religião, dado que o vislumbravam como pertencente a uma “raça” à parte, inimiga da “ariana”. Na Alemanha nazi, a par do antissemitismo racial, as visões darwinista social e eugénica tornaram-se uma política de Estado. Por isso, desde 1933, foram adotadas as leis de aborto eugénico e de esterilização estatal de “associais”, deficientes físicos e psicológicos, não passíveis de procriarem. Estes últimos passaram a ser alvo da Aktion T4, eutanásia estatal, levada a cabo, a partir de 1939, por médicos, magistrados e outros técnicos envolvidos na eutanásia, que viriam a participar depois na Shoá.

    A destruição física dos judeus não seria previsível antes de meados de 1941, quando, na sequência da “Operação Barbarossa”, de invasão da União Soviética, os nazis definiram e puseram em prática a “solução final da questão judaica” (Endlösung), significando o extermínio de todos os judeus europeus. Até então, o mecanismo que resultou no extermínio dos judeus procedia de diversas etapas prévias, a primeira das quais ocorreu entre 1933 e o verão de 1939.

    Em 1933, havia na Alemanha cerca de 525.000 judeus, dos quais perto de 37.000 fugiram logo após a ascensão ao poder de Hitler, cuja política antissemita, nessa primeira fase, pretendeu tornar insuportável a vida dos judeus na Alemanha, pela via legislativa. Após a neutralização dos seus principais adversários políticos, a 1 de abril de 1933, o regime hitleriano lançou uma campanha de boicote ao comércio judeu, ao qual se seguiu a exclusão dos judeus das profissões liberais, da função pública e do espaço público. O objetivo nazi era que os judeus “emigrassem”, para tornar a Alemanha “purificada” (Judenrein).

    Em 1935, as Leis de Nuremberga passaram a definir quem pertencia à “raça judia”, atribuindo-lhe um estatuto de cidadania e “sangue” diferente do dos “alemães”, e, a partir de 1938, seguiu-se uma política de expropriação e de “arianização” do património dos judeus, levada a cabo com o começo da “emigração”/expulsão destes dos territórios alemães. Para que a emigração se transformasse em expulsão de todos os judeus, deixando posses e propriedade no III Reich, foi desencadeada a chamada “Noite de Cristal” (9 para 10 de novembro de 1938), marcada pela violência e a destruição de tudo o que fosse património judeu, revertendo a restante propriedade para o III Reich.

    Numa segunda etapa, iniciada, com a invasão alemã da Polónia, a 1 de setembro de 1939 e marcada pela Segunda Guerra Mundial, pelo Generalplan Ost (Plano Geral para o Leste), de “remodelação racial”, baseado na ideia de Lebensraum (“espaço vital”), a “emigração”/expulsão dos judeus dos territórios alemães foi progressivamente dificultada. Além do mais, o III Reich ficou com milhões suplementares de judeus da Áustria, Checoslováquia e Polónia, país onde viviam três milhões. Foi então pensada, pelos nazis, uma solução territorial, e houve várias propostas: o envio para Madagascar de todos os judeus ou o Plano Nisko, de concentração provisória em guetos de mais de dois milhões de judeus da Polónia, antes de serem deportados para uma “reserva” judaica perto de Lublin. Ao mesmo tempo que todos esses planos falhavam, começou a ser levado a cabo, em 1940, o assassinato através do trabalho forçado de judeus nos chamados Zwangarbeitslager für Juden (ZAL) da Alta Silésia Oriental, administrados pela SS.

    A ideia de “solução final” enquanto genocídio foi surgindo progressivamente como resposta improvisada das autoridades ocupantes locais nazis ao duplo processo de primeira “reinstalação” e “guetização”, até que pudesse ocorrer a “reinstalação” (deportação) final para os centros da morte. Esta última foi planificada nos mais altos escalões do governo nazi. Em fevereiro e março de 1941, a SS e os diversos planificadores económicos e militares nazis lançaram medidas enquadradas na planeada guerra de destruição do “bolchevismo judeu”.

    Na preparação da “Operação Barbarossa”, de invasão da União Soviética, a política nazi de deportação de judeus de Leste para a Sibéria coincidiu com uma outra, de planificação do assassinato de populações na União Soviética, em nome do combate aos comissários políticos bolcheviques e aos judeus, no contexto de uma guerra total de aniquilamento na União Soviética. Em março e abril, o governo-geral da Polónia ocupada mandou selar os guetos de Cracóvia e Lublin e, em dezembro de 1941, o de Lwow (Lemberg). Ao mesmo tempo, o supremo comandante da SS e responsável pela execução da “solução final”, Heinrich Himmler, ordenava a construção de um grande campo para encarcerar 100.000 prisoneiros de guerra soviéticos perto da aldeia polaca de Birkenau, bem como do campo de concentração de Auschwitz I. Em abril de 1941, a empresa química I.G. Farben iniciou, por seu turno, a construção da fábrica de Buna, junto da cidade polaca de Monowitz, ou Auschwitz III, para utilizar o trabalho escravo de judeus.

    A guerra total contra a União Soviética foi o contexto em que as circunstâncias se fundiram com a ideologia antissemita para levar a Alemanha nazi a precipitar-se no genocídio. Na preparação da campanha, foram dados plenos poderes aos Einsatzgruppen, que viriam a ser responsáveis pelo assassinato de dois milhões de “judeus do Leste”, no “reservatório intelectual do bolchevismo”, como afirmou o dirigente SS Reinhard Heydrich. A 6 de junho de 1941, foi dada a “ordem dos comissários” (Komissar Befehl), segundo a qual, “quando aprisionados em combate ou em resistência”, os comissários políticos comunistas deveriam ser “imediatamente abatidos”. Lembre-se que, para os nazis, um comunista era judeu e um judeu era comunista.

    A “Operação Barbarossa” resultou numa aliança entre o movimento nazi, a SS e a Wehrmacht para a missão de assassínio, e, cristalizada nas mentes nazis, a visão da “solução final” estava pronta para ser transformada em realidade, o que aconteceu, numa terceira etapa, na sequência da invasão da União Soviética, a 22 de Junho de 1941. A União Soviética tinha 5,2 milhões de judeus, dos quais 2,7 milhões foram assassinados nos territórios controlados pelos alemães, entre o verão de 1941 e o fim de 1944. Em pouco mais de cinco meses, em 1941, o Exército alemão, a Wehrmachtm e os três Einsatzgruppen viriam a ser os responsáveis pela maior parte das execuções de judeus, oficiais comunistas e ciganos, por fuzilamento.

    Em visita de inspeção sobre como estavam a decorrer os massacres, Heinrich Himmler deslocou-se, em agosto de 1941, a Minsk, na Bielorrússia, onde assistiu, pela primeira vez, à execução de judeus. Impressionado e informado com a repercussão que esta tinha sobre os perpetradores, Himmler solicitou a Arthur Nebe, comandante do Einsatzgruppe B, que investigasse outros meios “mais humanos” – para os assassinos – de massacre em massa de judeus. Terá sido ainda em Minsk que Himmler emitiu a ordem de doravante se matar não só os homens, mas também as mulheres e crianças judias, para cumprir o objetivo de tornar o Leste ocupado “livre” de judeus até ao final de 1942

    A quarta e última etapa do Holocausto iniciar-se-ia no outono/inverno de 1941 e duraria até ao verão de 1944. A partir de setembro de 1941, o fracasso da ofensiva alemã na União Soviética criou dificuldades aos gauleiter e oficiais da SS nos territórios ocupados a leste, os quais tomaram a iniciativa do assassinato em massa. Este transformar-se-ia progressivamente num “programa” de genocídio com carácter “institucional”, a partir da primavera de 1942.

    Os historiadores dividem-se sobre a importância, nas decisões que levaram ao Holocausto, do fator derrota ou vitória na guerra na União Soviética. Para alguns, o início da Shoá dever-se-ia à derrota alemã sofrida em Kiev, em setembro de 1941, a qual levaria ao adiamento da tomada da cidade. Após reverter, nesse mês, a sua anterior decisão do mês anterior de não permitir deportações de judeus do III Reich, Hitler voltou a erigir como objetivo tornar a Alemanha judenfrei.

    Entre meados de agosto e o fim do ano de 1941, foram assassinados 800.000 judeus soviéticos, polacos e sérvios às mãos dos Einstazgruppen e também da Wehrmacht. Dos fuzilamentos em massa, passou-se à criação de instalações de gaseamento nos territórios polaco e soviético, destinadas aos judeus europeus “inaptos para o trabalho”. Em paralelo, ocorria a chamada “evacuação” final, ou deportação geral de judeus para os centros de morte a leste, o primeiro dos quais foi erguido em Chelmno, na Polónia. Este começou a funcionar no início de dezembro de 1941, através de camiões com tubo de escape virado que espalhavam gás para o interior, forma através da qual foram assassinados, em quatro meses, mais de 50.000 judeus, na sua maioria vindos do gueto de Lodz. Para este partiram, por seu turno, os primeiros transportes de judeus dos países ocidentais ocupados pelo III Reich, dos quais foi proibida a “emigração” para fora da Europa.

    Os meses de outubro, quando estes judeus foram, por seu turno, deportados para os campos de morte, e dezembro de 1941 foram de viragem para o genocídio. Enquanto as forças da Wehrmacht continuaram a confrontar-se com a resistência do Exército Vermelho, os Estados Unidos ingressaram na guerra contra a Alemanha e o Japão. Embora não se tenha encontrado nenhuma ordem escrita de Hitler, e provavelmente ele não a tenha efetivamente dado, os seus apaniguados sabiam qual era a sua vontade, e Hitler abordou a questão em diversas reuniões. A sua primeira decisão de exterminar os judeus da Europa terá sido tomada numa reunião com os Gauleiter, e esta foi transmitida a Heydrich e Himmler a 18 de dezembro de 1941, dia em que o último a anotou na sua agenda.

    A 20 de janeiro de 1942, realizou-se uma importante conferência relacionada com a efetivação da “solução final” em Wannsee, perto de Potsdam, dirigida pelo chefe da SS Reinhard Heydrich, com a presença de representantes de ministérios, bem como de diversas organizações nazis (SS e NSDAP). O encontro serviu para apresentar e decidir os planos de coordenação e a logística da “solução final da questão judaica”. Ao receber a ata da conferência, Joseph Goebbels escreveu no seu diário que a “questão judaica” iriam a partir de então, “ser resolvida numa escala pan-europeia”.

    Com o triunfo da posição da SS e da RSHA sobre as outras fações nazis, em Wannsee, ocorreu o ponto da decisiva transição entre as deportações e um claro programa político oficial de extermínio. A deportação dos judeus polacos do gueto de Lublin para o campo de Majdanek iniciou-se no final de janeiro de 1942, para “dar espaço” aos judeus alemães, austríacos e do protetorado da Boémia-Morávia para ali deportados. Em fevereiro, foi decidida a expansão dos crematórios e da câmara de gás em Auschwitz-Birkenau e foram estabelecidos os centros de morte da “Operação Reinnhard” (nomeada em honra de Heydrich, entretanto assassinado). Nestes centros de Belzec, Sobibor e Treblinka, viriam a ser assassinados 2.284.000 judeus e ciganos,  enquanto em  Majdanek foram mortos 36.000 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos. Em março, aumentaram as deportações da Europa Ocidental e Central, com os primeiros transportes de judeus eslovacos e franceses para a Polónia, onde, conforme estatísticas nazis, no final de 1942, restavam apenas 300 mil dos dois milhões de judeus residentes no governo-geral.

    Uma palavra final para Auschwitz, que se transformou no paradigma da Shoá, desde logo devido ao balanço letal, pois nesse complexo de campos foram assassinados entre 990.000 e 1,5 milhão de judeus, 75.000 polacos, 21.000 ciganos, 14.900 prisioneiros de guerra soviéticos e 15.000 outros deportados. Ao contrário de outros campos, Auschwitz funcionou segundo uma tripla lógica: concentracionária (Stammlager Auschwitz I), de trabalho forçado escravo para judeus (Buna-Monowitz, Auschwitz III) e de assassinato sistemático de judeus nas câmaras de gás (Birkenau, Auschwitz II), a partir de junho de 1942. Na primavera e no verão de 1944, viriam a ser assassinados neste último campo cerca de 800.000 judeus húngaros.

    Bibliografia

    PIMENTEL, I. (2020). Holocausto. Lisboa: Temas & Debates.

    Autora: Irene Flunser Pimentel

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