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    Integração

    Conceito de integração

    A integração é um processo dinâmico de favorecimento da participação efetiva na vida política, económica, social e cultural por todos os membros de uma sociedade plural, promovendo o sentido de pertença a essa mesma sociedade. A necessidade de integração surge quando, numa dada sociedade, algumas pessoas são percebidas e tratadas desfavoravelmente em comparação com os membros que definem o padrão, nas diversas áreas ou sectores político-sociais, como o emprego, a educação, a habitação, entre outros. Central na ideia de integração é então a igualdade de oportunidades, no sentido de evitar a discriminação e a fragmentação da sociedade com base em critérios como o fenótipo, a nacionalidade, a identidade cultural, a etnia ou a religião.

    As oportunidades de participação e o seu favorecimento através de iniciativas legislativas e políticas são uma das facetas prosseguidas pelo processo de integração, mas este não se esgota aí: existe igualmente uma dimensão subjetiva e simbólica, que se prende com a forma como uma minoria é encarada pela sociedade, e, simultaneamente, com a forma como os membros dessa minoria encaram, eles próprios, a sua relação com a sociedade e se identificam com ela. Mesmo que as igualdades de participação estejam preenchidas, o que muitos autores sustentam é que a integração não é completa sem um certo grau de identificação subjetiva com a sociedade como um todo, sem um sentimento de pertença a essa sociedade. Essa identificação dá-se, idealmente, através de um processo de ajustamento mútuo entre os membros de grupos minoritários e a sociedade (JERÓNIMO, 2015, 11 e 14).

    Podemos então, aprofundando, definir integração como o processo social, cívico, político e económico pelo qual os membros de grupos minoritários numa dada sociedade ganham um sentido de pertença relativamente a esta, o que se concretiza em inclusão socioeconómica e em coesão política. Nesse processo, é necessário poder ter segurança (designadamente quanto ao estatuto jurídico) e perspetivas de futuro, ver possibilitada a participação na vida política, bem como a promoção de igualdade de oportunidades em áreas como a educação e o acesso ao mercado de trabalho.

     

    Paradigmas e modelos de integração

    Foi nesse contexto que se discutiram, na segunda metade do século XX, modelos ou paradigmas de acomodação da diversidade, com vista à integração, que, em traço grosso, oscilam entre dois figurinos opostos – o multiculturalismo e o assimilacionismo.

    O multiculturalismo acolhe perspetivas diversas, mas no essencial apela ao reconhecimento e acomodação das minorias culturais, esperando do Estado que crie normas e políticas que permitam aos grupos minoritários ancorar a sua participação na sociedade através da pertença às suas próprias comunidades. Trata-se de uma tentativa de resolver as desigualdades resultantes do princípio da igualdade formal de tradição liberal, focando-se nas discriminações e desequilíbrios ditados pela diversidade. Um Estado multicultural rejeita a necessidade de assimilar ou excluir os membros das minorias, aceitando um acesso equilibrado de todos os indivíduos às instituições do Estado e à participação democrática, sem que para isso seja necessário negar, esconder ou mitigar a respetiva identidade cultural, étnica e nacional.

    Uma das críticas que se fazem ao multiculturalismo assenta nos receios de fragmentação causada pela multiplicidade de alianças e lealdades pressuposta na pertença ao grupo, por um lado, e ao Estado, por outro. No polo oposto, as teorias da assimilação, com expressão, por exemplo, nos modelos francês e suíço de gestão da diversidade, implicam, ao contrário, que as minorias devam estar dispostas a abrir mão da sua identidade cultural, em favor de uma unicidade normativa e valorativa, a qual é definida pelos parâmetros do grupo maioritário. Os modelos assimilacionistas são, por natureza, disjuntivos, fazendo prevalecer as características da maioria e, pelo caminho, eliminando as diferenças culturais, religiosas ou linguísticas. Esta gradação, entre o simples favorecimento e a verdadeira imposição, de modelos culturais hegemónicos seria então uma fórmula privilegiada para promover a coesão e a paz social. No entanto, o facto de a igualdade abstrata e a indiferença etnocultural do modelo assimilacionista não terem geralmente correspondência na discriminação e exclusão social sofrida por migrantes e minorias étnicas e nacionais é geralmente apontada como uma das fragilidades daquele modelo (BERTOSSI, 2012, 87).

    Por outro lado, a defesa da diversidade cultural, que abrange as minorias resultantes da imigração, as minorias étnicas resultantes de processos migratórios históricos e contínuos, as minorias étnicas resultantes de outros processos de deslocações forçadas, da escravatura, por exemplo, as minorias nacionais resultantes de condições históricas na formação dos Estados modernos, as minorias indígenas, é valorizada e protegida a nível internacional. O art. 4.º da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2002, estabelece que “a defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, indissociável do respeito pelos direitos humanos, e que implica um compromisso para com os direitos humanos e liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas pertencentes a minorias e dos povos indígenas”. Diz ainda que “ninguém pode invocar a diversidade cultural para justificar a violação dos direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para restringir o seu âmbito”. Também o art. 1.º da Convenção-Quadro do Conselho da Europa para a Proteção de Minorias Nacionais (Convenção que tem a assinalável valia de explicitamente reconduzir a proteção dos direitos das minorias ao âmbito do Direito Internacional dos direitos humanos) estabelece que, não só “os direitos e liberdades das pessoas pertencentes a minorias nacionais”, como a própria “proteção destas minorias, faz parte integrante da proteção internacional dos direitos humanos”.

    Há quem entenda (CARENS, 2013, 63 e ss.) que os próprios princípios democráticos têm uma conexão necessária com o respeito pela diferença, e que essa interconexão pressupõe não só uma igualdade formal de direitos, mas a tentativa de evitar a tirania da maioria sobre as minorias, através de um compromisso com uma verdadeira e efetiva igualdade de oportunidades, e com uma liberdade no sentido de não-dominação em termos políticos e sociais. A esta posição contrapõe-se a visão liberal clássica, que remete as manifestações de identidade cultural à esfera privada, despolitizando aquela diferença, enquanto a esfera pública ofereceria um espaço de neutralidade e nivelamento que favoreceria a coexistência pacífica de pessoas com identidades diversas.

    Às virtualidades do multiculturalismo foram sendo apontadas reservas, quer nas perspetivas de exaltamento de valores nacionalistas, de pertença e identidade, mas também nas perspetivas mais redistributivas, que foram vendo nas políticas multiculturais um fator – porventura determinante – para a exclusão e isolamento social dos seus beneficiários.

    Já no novo milénio, assistiu-se a um contexto político e social, particularmente na Europa, na qual foram pontuando níveis crescentes de hostilidade em relação às minorias, uma perceção de incapacidade de integração daquelas e um discurso assente em grande medida na securitização das migrações. Nesse contexto, passou a falar-se de um cenário de uma crise – quando não do fim – do multiculturalismo

    Na resposta a esta crise do multiculturalismo e naquela a que se vem chamando uma abordagem pós-multiculturalista (KYMLICKA, 2012, 2 e ss.), aquilo que se procura ensaiar é uma quadratura do círculo, que acolha as preocupações com a celebração da diferença e as preocupações com um núcleo de valores de cidadania que haveriam de ser comuns a todos.

    No quadro europeu, o mote para o desenvolvimento de um paradigma novo é dado pelo Livro Branco do Conselho da Europa sobre o Diálogo Intercultural, em 2008 (e cujos documentos preparatórios remontam a 2003), que declara o diálogo intercultural como a base da identidade europeia, no mesmo ano em que a União Europeia celebrou como o Ano Europeu do Diálogo Intercultural. O diálogo intercultural (ou interculturalismo) oferece aquilo que se pode considerar um modelo ou paradigma de integração de terceira via, que tenta dar uma resposta às preocupações com a unidade social e cívica, sem deixar de valorizar o potencial de enriquecimento da diversidade cultural.

    O interculturalismo desloca o foco da relação entre os indivíduos e o Estado para a necessidade de estabelecimento de um diálogo transversal, que fomente o contacto e aceitação recíprocas, ao mesmo tempo que minimiza os riscos e ocorrência de preconceitos e estereótipos. Para este efeito, é ainda necessária a construção concomitante de narrativas com conteúdo positivo, bem como um realinhamento estratégico ao nível das cidades, de modo a permitir uma maior mistura e interação e uma crescente representação. Caracterizado pelo reconhecimento de que as identidades culturais são fluidas, o interculturalismo advoga por essa razão a necessidade de abertura à mudança ditada pelos movimentos transnacionais e pela super-diversidade de Vertovec (2010, 86).

    Há, no entanto (MODOOD, 2017, 4), quem sustente que o interculturalismo não é mais do que uma variante do multiculturalismo, que sempre teve como especial preocupação e foco o diálogo entre os diversos grupos que compõem a comunidade política.

     

    Medidas de integração cívica

    Em grande medida relacionadas com as respostas que foram sendo dadas no pós-multiculturalismo, e para muitos (GOODMAN & WRIGHT, 2015, 2 e ss.) também na decorrência da crise do multiculturalismo, foram-se desenvolvendo, a partir de finais da década de 90 do século XX, políticas, medidas e programas que se reconduzem a um conceito cunhado como de integração cívica. Neste modelo, as democracias liberais introduzem uma série de políticas destinadas a melhor garantir a integração. No entanto, ao conceito de integração introduz-se aqui uma nuance: trata-se concretamente do processo que se alicerça na aquisição por parte dos imigrantes de competências cívicas, isto é, de competências que são semelhantes às que são tidas pelos cidadãos da sociedade de acolhimento. Isso pode incluir competências linguísticas, conhecimentos de História, cultura e regras do país, e partilha e cumprimento dos valores das democracias liberais. As políticas de integração cívica promovem essas características através do uso de ferramentas como testes de integração, frequência de cursos de línguas e celebração de contratos de integração, cerimónias de aquisição de cidadania, aprendizagem de História e valores da sociedade de acolhimento. Os requisitos estabelecidos por este tipo de políticas preparam os migrantes para uma completa participação na sociedade de acolhimento e são encarados como um instrumento para fomentar o sentimento de pertença, mas servem também de porteiro (gatekeeper), a marcar a transição entre estar de fora e estar dentro, a partir de condições de cumprimento obrigatório e outras medidas de índole restritiva.

    Estas medidas, que antes se aplicavam apenas de forma esparsa e heteróclita ao processo de obtenção de cidadania, e que mesmo nesse âmbito são sujeitas a uma maior formalização e complexificação, passam a aplicar-se também à regulação da entrada e permanência de imigrantes. O foco deixa de estar nos direitos, como acontecia no multiculturalismo, e passa a estar nos deveres ou nas obrigações. Na verdade, a integração cívica não promove simplesmente a integração numa sociedade inclusiva – ela exige essa integração, através de medidas que servem como condição para obter determinados estatutos migratórios. Se, quando delimitámos o conceito de integração, aludimos à necessidade de segurança e à promoção de igualdade de oportunidades, aqui o que releva é a capacidade que o imigrante demonstra de merecimento e compromisso individual. O ónus e a obrigação de adotar os valores e as práticas culturais do país de acolhimento e de demonstrar ativamente um desejo de pertença à comunidade recaem, exclusivamente ou preponderantemente, sobre ele.

    Este assunto foi calorosamente discutido, quer numa perspetiva de eficácia factual, quer numa perspetiva normativa. Particularmente, a introdução de testes de cidadania para imigrantes levou a um aceso debate: sob que condições e de que forma poderiam ser justificados? Alguns autores (CARENS, 2013, 55 e ss.) argumentaram que eles são basicamente injustos, independentemente da forma que tomem. Se alguém entende que a associação a uma sociedade flui de uma residência de longa permanência, então um teste que impeça um membro pleno de uma sociedade de se tornar um cidadão priva-o injustamente de um direito à cidadania. Por outro lado, e como apontam ainda outros autores (PHILLIPS, 2009, 23), estes instrumentos reforçam estereótipos e distinções problemáticas entre “nós” e os “outros”, liberais e iliberais, modernidade e tradição. Outros (MILLER, 2016, 137 e ss.) adotaram uma visão mais positiva dos testes, vendo-os como um incentivo à aquisição de conhecimentos básicos dos princípios liberal-democráticos, das instituições políticas e da história do país de acolhimento. Nessa visão, desde que determinadas condições sejam atendidas (como as questões relativas à acessibilidade, ao grau de dificuldade, à realização única, etc.), então não há nada realmente questionável – a não ser, eventualmente, a sua eficácia.

    Há quem diga que aqui está o maior paradoxo destas políticas: o Estado pretende que as pessoas ganhem determinadas competências para conseguirem maior grau de autonomia. Dado que, contraditoriamente, a autonomia individual é conseguida à custa de paternalismo de Estado, questiona-se se esta integração condicional promove verdadeira integração ou se, ao invés, apenas cria e alimenta exclusão.

    Resta, em última análise, saber se estas medidas são eficazes no papel que é suposto desempenharem – o de constituírem um apoio ao processo de integração –, ou se, na verdade, o propósito é outro, designadamente uma função de controlo das admissões, das autorizações de residência, da cidadania, enquanto forma de, simbolicamente, apaziguar os receios sentidos pelas comunidades nativas em relação à imigração (GOODMAN & WRIGHT, 2015, 3).

    No essencial, contudo, e apesar do destaque dado à ideia de coesão, de identidade nacional e de ligação efetiva à comunidade, genericamente a aceitação do significado e do valor da diversidade é manifesta e é institucionalizada neste contexto de pós-multiculturalismo. Não se trata, portanto, verdadeiramente de um regresso aos modelos assimilacionistas. Particularmente numa dimensão mais local e menos nacional, as políticas multiculturalistas tendem a persistir, embora sob denominações menos controversas, como promoção da diversidade ou interculturalismo, que tornam mais clara a ênfase liberal no indivíduo e não no grupo (JOPPKE, 2017, 1170).

     

    O modelo português

    Sendo tradicionalmente um país de emigração, a experiência portuguesa como país de imigração conta apenas com algumas décadas, podendo pois dizer-se que é um fenómeno ainda relativamente recente. De todo o modo, Portugal é geralmente considerado como um país generoso e aberto nas suas políticas de integração, destacando-se em particular a generosidade da lei da nacionalidade, no cotejo com as suas congéneres. O país tem, designadamente, obtido crescente e consistentemente boas avaliações no Migrant Integration Policy Index (MIPEX), que avalia as políticas de integração – social e cívica – de migrantes em cerca de 50 países, através da análise de um conjunto de indicadores relacionados com educação, reagrupamento familiar, participação política, acesso à cidadania, etc.

    Pelo menos desde a viragem do milénio, se não um pouco antes, o paradigma da política de integração em Portugal é considerado como intercultural, alicerçando-se na celebração da diversidade cultural e na promoção de iguais direitos e oportunidades, por um lado, mas também na inclusão e coesão social, através de um diálogo com a comunidade política com base em narrativas positivas, no envolvimento das organizações da sociedade civil, no desenvolvimento de boas práticas.

    A integração foi sendo conduzida, desde a década de 90 do século XX, altura em que ganhou uma crescente centralidade na agenda política, por um organismo público, logo em 1991, com a criação do Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural (mais tarde Secretariado Entreculturas), junto do Ministério da Educação, e depois, em 1996, com a nomeação de um Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, para a promoção da integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa. Este cargo foi convolado em 2002 num Alto-Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), a que se seguiu o Alto-Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI), em 2007, e o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), em 2014, que é hoje um instituto público integrado na administração indireta do Estado. O país viu também surgirem novos padrões de governação da integração a nível local, registando-se o envolvimento das cidades com altas taxas de imigração, quer na formulação das políticas públicas, quer no desenvolvimento de redes transnacionais com o mesmo objetivo.

    Bibliografia

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    ZAPATA-BARRERO, R. (2017). “Interculturalism in the Post-Multicultural Debate: A Defence”. Comparative Migration Studies, 5, 14.

     

    Autor: Ana Rodrigues

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