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  • Lei [Dicionário Global]

    Lei [Dicionário Global]

    Terá sido por volta do ano 3000 a.C. que surgiram os primeiros documentos jurídicos, tanto no Egito (embora não tenham chegado aos dias de hoje códigos ou livros jurídicos egípcios) como na Mesopotâmia, nos chamados “direitos cuneiformes” (GILISSEN, 2016, 50 e ss.).

    Um dos primeiros e mais completos códigos de que se tem registo (numa estela de basalto, que se encontra atualmente no Museu do Louvre) é o Código de Hamurabi, de 1754 a.C., rei da Babilónia (de 1792 a 1750 a.C.), de onde, ainda hoje, retemos a expressão “olho por olho, dente por dente”. Nos termos do Código de Hamurabi, quando um particular lesava outro particular, só seria lícito ao lesado vingar-se do lesante causando-lhe um dano na mesma proporção daquele que teria sofrido às suas mãos, o que, muitas vezes, não sucedia no sistema de vingança privada que vigorava anteriormente. Daí que esta “introdução de lei de Talião […] na evolução da humanidade [tenha] represent[ado] um afinamento do sentido jurídico” (MONTEIRO, 2005, 354). Contudo, como expoente máximo do Direito antigo, costuma apontar-se o Direito romano. Neste, conforme a época em causa, não vigoravam apenas o costume (mores maiorum, consuetudo) e as normas jurídicas (a lex, o plebiscitum, o senatusconsultum, o edictum e a constitutio imperial) emanadas pelos órgãos competentes (o populus, os comitia, os concilia plebis, o senado, alguns magistrados, o imperador), mas ainda a doutrina dos jurisconsultos romanos (JUSTO, 2021, 32-37). Muitas destas normas viriam a ser coligidas. A coletânea mais famosa é o Codex Justinianus, mais tarde chamado de Corpus Iuris Civilis. Era composto não só por um Codex (uma compilação de leis desde Adriano a Justiniano), como por um manual do Direito romano, destinado a estudantes, e ainda por uma compilação de fragmentos das obras de vários jurisconsultos romanos clássicos. Esta obra sobreviveu à queda do império romano do Ocidente, sendo estudada mais tarde, em plena Idade Média, na Universidade de Bolonha, pelos futuros juristas dos vários Estados europeus. O estudo do Direito romano pela escola dos glosadores (de 1100 a 1250) e o seu desenvolvimento e adaptação à Idade Média pela escola dos comentadores (de 1250 a 1450) permitiu, assim, não só a criação de um fundo cultural e jurídico comum na Europa, como até, em alguns países, a sua adoção direta (na Alemanha verificou-se uma receção quase integral do Direito privado romano). Ainda hoje, este fundo comum ajuda o legislador da União Europeia a encontrar soluções compatíveis com as diferentes ordens jurídicas dos seus Estados-Membros (HÖRSTER & SILVA, 2019, 130 e ss.).

    Contudo, não deve confundir-se “lei” com “direito”.

    O Direito é uma ordem normativa, ou seja, regula a convivência social, mas, ao contrário das outras ordens normativas (como a religião, a moral, as regras de convivência social, as regras de etiqueta, etc.), possui a característica da coercibilidade: pode ser imposto pela força por parte dos órgãos competentes para tal. Isto significa que, se uma pessoa violar as normas jurídicas em vigor, poderá sofrer uma sanção e que o cumprimento das normas jurídicas, em regra, pode ser exigido em tribunal. Pelo contrário, o respeito pelas normas das outras ordens normativas não pode ser assegurado pelo uso da força (policial, estadual, pelos tribunais, etc.), mas por outros mecanismos (como os da exclusão do culto religioso ou a exclusão social, etc.). Naturalmente, a coercibilidade do Direito apenas é legítima por esta ordem normativa se basear numa ideia de justiça partilhada pelos membros da sociedade a que se destina. A função do Direito é garantir a paz social, encontrando um ponto de equilíbrio entre as necessidades de convivência pacífica da sociedade e os interesses individuais dos seus membros (a sua liberdade intrínseca e o seu direito à autodeterminação). Assim, pode definir-se “direito” como “um conjunto de normas de conduta entre os homens, legitimado por critérios de justiça e norteado pela função de manter a paz social” (HÖRSTER & SILVA, 2019, 8). A função do Direito é, portanto, definir o que pertence a cada um (suum cuique tribuere) em face das restantes pessoas, estabelecendo “a esfera de liberdade de cada um em face dos demais e da colectividade” (MACHADO, 1993, 35).

    O Direito é aceite pelos seus destinatários por respeitar o mínimo ético comum da sociedade a que se aplica. Daí que seja um fenómeno sujeito a evolução (pois deve acompanhar a evolução social) e não universal (uma vez que cada espaço cultural criará normas jurídicas diferentes). Contudo, há correntes doutrinárias (o Jusnaturalismo) que consideram que a legitimidade do Direito, decorrendo da ideia de justiça, não pode ignorar a existência de um Direito supralegal, o qual deve respeitar e do qual derivará (o Direito Natural), enquanto correntes doutrinárias opostas (Juspositivismo) consideram que o Direito Positivo vale por si e que a lei é a única fonte do Direito, pois a norma é um ato do legislador, não sendo permitido ao intérprete questionar a sua justiça ou moralidade (HÖRSTER & SILVA, 2019, 16). Atualmente, “o pensamento jurídico institucional (em reacção contra o positivismo normativista que parte das normas jurídicas individuais para a compreensão destas) entende que, para a compreensão e interpretação da norma jurídica, é preciso recorrer ao instituto que a sustenta”, ao seu sentido (MACHADO, 1993, 29); principalmente no que toca à regulamentação jurídica de instituições sociais básicas e com alta carga valorativa (como é o caso, por exemplo, do matrimónio e da família), é imperativo reconhecer que estas instituições sociais estão antes do Direito e que a sua juridificação, bem como a interpretação e integração das respetivas normas, deve respeitar a sua natureza (a chamada “natureza das coisas”): daí que se afirme que “[s]ão as instituições [sociais] que criam as normas jurídicas, e não as normas jurídicas que criam as instituições” (HARIOU, apud MACHADO, 1993, 29).

    Naturalmente, noutras ordens jurídicas o conceito de Direito poderá ser diferente, como sucede, por exemplo, no Direito islâmico, onde a ordem jurídica se confunde ou se integra na religião; assim, o Corão não é apenas um texto religioso, como é também fonte de Direito. Pelo contrário, as leis portuguesas são laicas.

    Na verdade, a lei é apenas uma das fontes do Direito português, embora, atualmente, na nossa ordem jurídica, como veremos, seja a mais importante.

    Nos termos da ordem jurídica portuguesa, é o art. 1.º, n.º 2, 1.ª parte do Código Civil (CC) que coloca as leis como fonte imediata do Direito, definindo-as como “todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes”. Portanto, a norma jurídica (lei em sentido material) “é um comando geral […], abstrato e coercível, ditado pela autoridade competente” (MACHADO, 1993, 91-93). Essencial à lei é o seu carácter geral (aplicando-se à generalidade das pessoas, em vez de considerar certas pessoas ou grupos de pessoas) e abstrato (disciplinando um número indeterminado de casos, não sendo criada para resolver certos casos em concreto), assegurando-se, assim, o princípio da igualdade perante a lei.

    O CC português enumera, ainda, as fontes mediatas do Direito, ou seja, aquelas que valerão como fonte de direito apenas quando a lei o determinar. É o caso da equidade (art. 4.º CC), entendida como uma decisão tomada de acordo com a justiça do caso concreto: os tribunais só podem decidir de acordo com um juízo de equidade quando haja uma disposição legal que o permita expressamente; quando haja acordo das partes nesse sentido e a relação jurídica em causa não seja indisponível (podendo as partes, portanto, dispor dela, por não estar sujeita a normas imperativas); quando as partes o tivessem acordado previamente e a lei admitisse esta convenção. É, também, o caso dos usos (o art. 3.º CC declara que os usos que não forem contrários aos princípios da boa-fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine).

    Contudo, a nossa lei exclui do elenco das fontes a jurisprudência (o conjunto das decisões dos tribunais), ao contrário do que sucede nos países anglo-saxónicos da common law (onde vale a regra do precedente, que fica a vincular os tribunais nas decisões do mesmo tipo de casos no futuro), embora a sua importância prática seja inegável, nomeadamente no que toca ao desenvolvimento judicial do Direito, à sua interpretação e à integração de lacunas (LARENZ, 2014, 519 e ss.), tal como, aliás, sucede com a doutrina (as posições ou pareceres dos autores jurídicos, em manuais, monografias, tratados, etc.).

    Não se estranhe, assim, o facto de o art. 2.º do CC ter sido revogado pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, eliminando os assentos das fontes do Direito. Os “assentos” eram doutrina com força obrigatória legal, tidos como “verdadeiras normas jurídicas” (VARELA & LIMA, 1987, I, 53), fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (e pelo Tribunal de Contas), em caso de existir divergência de decisões na jurisprudência, desde que estivessem verificados determinados pressupostos. Eram considerados fonte mediata do direito pois, uma vez publicados no Diário da República, vinculavam todos os tribunais, as demais pessoas e entidades. Apesar de os tribunais competentes para criar assentos se encontrarem limitados por requisitos estritos, não possuindo a liberdade de ação e de iniciativa dos órgãos legislativos (MACHADO, 1993, 160-161), a verdade é que se discutia a constitucionalidade desta norma em face do princípio da separação de poderes.

    Igualmente excluído do elenco das fontes (sequer mediatas!) do Direito está o chamado “costume” (o Direito Consuetudinário): a prática reiterada (uniforme e contínua) de uma regra jurídica, apoiada na convicção jurídica geral da comunidade. Distingue-se dos usos (mera prática social), pelo facto de esta prática reiterada (corpus) vir acompanhada da convicção de que se está perante uma regra jurídica vinculativa (animus). O costume era a fonte primordial do Direito antes de a lei adquirir a importância que tem atualmente. A lei provém dos órgãos estaduais competentes, eleitos para esse efeito, de forma democrática e representativa, pelos seus destinatários; o Direito Consuetudinário nasce quando uma prática social se consolida como regra jurídica mediante a convicção da sua obrigatoriedade por parte da comunidade. Apesar de a decisão do legislador português de excluir o costume como fonte de Direito ser discutível (MACHADO, 1993, 161-162), não o prevendo como tal no capítulo I do título I do livro I do CC (“Fontes do direito”), a verdade é que o art. 348.º do mesmo Código admite a sua existência, ao prever que “[à]quele que invocar direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e conteúdo”. No entanto, este reconhecimento é muito reduzido, como vemos, pelo que, tal como se encontra estruturada a nossa ordem jurídica atualmente, o Direito Consuetudinário acaba apenas por valer como norma derrogatória de alguma lei que tenha deixado de ser tida como vigente pela convicção jurídica geral da comunidade a que se aplicava (HÖRSTER & SILVA, 2019, 33).

    O facto de as fontes do Direito se encontrarem tipificadas num Código, ainda que este tenha sido elaborado e aprovado de acordo com as regras democráticas estabelecidas, não é isento de críticas. Há autores que consideram que as fontes do Direito não podem ser positivadas, definidas taxativamente pelo legislador; pois este estará sempre “limitado por princípios fundamentais de direito que estão fora do seu alcance” (como o princípio da dignidade da pessoa humana ou o da legitimidade democrática) e que são estes que constituem o “fundamento último” das leis que o legislador venha a aprovar (MACHADO, 1993, 156).

    As leis, enquanto normas jurídicas (completas), são constituídas por duas partes: previsão e estatuição. Encontrando-se verificada a previsão da norma (premissa maior) num caso concreto da vida real (premissa menor), aplica-se a estatuição da norma (conclusão). Nisto consiste o silogismo judiciário. Por exemplo, o art. 483.º do CC determina que “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem […]” – previsão da norma e premissa maior – “fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” – estatuição da norma. Assim, se António atropelar Bernardo (premissa menor), terá de o indemnizar por todos os danos que lhe tiver provocado em virtude do atropelamento (conclusão, pela aplicação da estatuição da norma).

    Lei em sentido material é aquela que é emanada pela autoridade competente e estabelece uma ou mais normas jurídicas; lei em sentido formal é qualquer diploma emanado (apenas) pela Assembleia da República, que, entre nós, é o órgão legislativo por excelência. Ou seja, os diplomas emanados pela Assembleia da República denominam-se “Leis”, ainda que, materialmente, possam não estabelecer normas jurídicas gerais e abstratas; os diplomas emanados pelo Governo denominam-se “Decretos-Leis” e são leis em sentido material, embora não formal, visto não emanarem da Assembleia. Assim, são Leis em sentido material e formal a Constituição da República Portuguesa (CRP), as leis de revisão constitucional e as leis ordinárias da Assembleia da República. São leis meramente formais (mas já não materiais) as leis que conferem autorizações ao Governo para legislar sobre determinada matéria, as leis que aprovam tratados, etc. É o art. 164.º da CRP que estabelece as matérias que pertencem à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (pelo que apenas esta tem competência para legislar sobre elas), enquanto o art. 165.º estabelece matérias que pertencem à sua reserva relativa (ou seja, que permitem que a Assembleia autorize o Governo a legislar no seu lugar). No que toca “à escolha entre reserva absoluta e reserva relativa, prevalece um critério de maior ou menor relevância político-constitucional [das matérias], dependente, em larga medida, de fatores conjunturais ligados aos momentos de revisão constitucional” (MIRANDA & MEDEIROS, 2018, II, 529). A atual CRP é a sexta Constituição portuguesa e é “certamente a mais original de todas […] e aquela que mais marcadamente rompe com a Constituição precedente […]. É o que sucede, por exemplo, com o extenso catálogo de direitos fundamentais (em resposta ao seu aniquilamento na vigência da Constituição de 1933)” (CANOTILHO & MOREIRA, 2007, I, 23-24).

    Há, no entanto, vários tipos de normas jurídicas. As normas podem ser classificadas como imperativas ou dispositivas. As primeiras são aquelas que não podem ser afastadas pela vontade dos seus destinatários (ou partes); as segundas podem sê-lo, pois a lei apenas as estabelece para valerem, caso os particulares não tenham estabelecido entre si nenhum acordo que determine a solução do caso concreto. Por exemplo, caso António e Berta casem sem ter escolhido um regime de bens, aplicar-se-á o regime de comunhão de bens adquiridos após o casamento (sendo bens próprios de cada um deles todos os restantes), pois este é o regime supletivo, que a lei criou para valer quando nada seja estipulado pelas partes (art. 1717.º do CC). No entanto, a lei estabelece que, caso António e/ou Berta tenham mais de 60 anos de idade, vigora obrigatoriamente o regime da separação de bens (art. 1720.º, n.º 1, b)). Esta norma é uma norma imperativa, pois, neste caso, António e Berta não podem afastá-la e escolher um outro regime de bens.

    As normas imperativas podem ser preceptivas (quando ordenam um determinado comportamento, por exemplo, aquelas que nos obrigam a pagar impostos) ou proibitivas (quando o proíbem, como as que proíbem o homicídio ou ofensas à integridade física). Há autores que classificam algumas normas como regras permissivas (aquelas que permitem certa conduta, como, por exemplo, “a norma que atribui ao proprietário faculdades de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem” ou a “que autoriza a feitura de testamento” (ASCENSÃO, 2011, 514; o autor elenca ainda outras classificações). As normas permissivas serão normas tipicamente dispositivas.

    De todo o modo, em caso de conflito de normas, prevalecem as normas de hierarquia superior.

    No topo da pirâmide normativa encontra-se a CRP. Caso alguma lei não a respeite, será inconstitucional, não devendo ser aplicada pelos tribunais ou outros órgãos. Esta inconstitucionalidade pode derivar não só do facto de tal lei contrariar o conteúdo das normas constitucionais (inconstitucionalidade material), como de vícios na sua elaboração (por ter sido aprovada por um órgão sem competência para o efeito, por exemplo, verificando-se, assim, uma inconstitucionalidade formal). De entre as normas constitucionais, são hierarquicamente superiores as emanadas pelo legislador constituinte originário; seguem-se-lhes as normas de revisão editadas pelo poder constituinte derivado, que podem também ser inconstitucionais se violarem os limites impostos ao seu poder de revisão pelo legislador constituinte originário. Com o mesmo valor das normas constitucionais encontramos as normas constitucionais mediatas, ou seja, aquelas que foram constitucionalizadas por força do art. 8.º da CRP: “[a]s normas e os princípios de direito internacional geral ou comum”; “[a]s normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas”; “[a]s normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte […], desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”; “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências […] nos termos definidos pelo direito da União”.

    Seguem-se às normas constitucionais as leis ordinárias de acordo com a seguinte hierarquia: 1) as Leis da Assembleia da República e Decretos-Leis do Governo; 2) os decretos regulamentares e os decretos (simples); 3) as portarias e despachos normativos; 4) os regulamentos locais. Assim, havendo conflito de normas, prevalece a norma de fonte hierarquicamente superior; em caso de conflito de leis da mesma hierarquia, prevalece a norma mais recente, como veremos. Contudo, há ainda outro critério a considerar, que é o da especialidade: a lei geral é afastada pela lei especial. Por exemplo, em matéria comercial, como seja no que toca à regulamentação das Sociedades Comerciais, aplica-se o Código das Sociedades Comerciais e não o Código Civil (apesar de estas serem também pessoas coletivas, cujo regime geral se encontra no CC, podendo este, assim, ser aplicado apenas subsidiariamente).

    Se a aplicação destas regras, bem como a aplicação das regras relativas à interpretação da lei (o art. 9.º, n.º 1, CC, determina que “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”), não conseguirem evitar contradições lógicas entre as normas, estaremos perante uma colisão de normas. Neste caso, as normas anular-se-ão uma à outra, criando-se uma “lacuna de colisão”, a resolver nos termos do art. 10.º, n.º 1 do CC, ou seja, através da aplicação de norma que regule casos análogos. “Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema” (art. 10.º, n.º 3, CC), uma vez que, nos termos do art. 8.º do CC, “[o] tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei” (proibição de non liquet).

    É, ainda, possível verificarem-se conflitos de normas no tempo (a resolver nos termos dos arts. 12.º e 13.º do CC) e no espaço (quando estão em causa situações transfronteiriças), a resolver de acordo com as regras do Direito Internacional Privado.

    As leis entram em vigor após o período de vacatio legis nelas estabelecido: após a publicação no diário oficial – o Diário da República (sendo que, atualmente, vale a publicação no seu respetivo sítio da Internet, www.dre.pt: cf. n.º 4 do art. 2.º da lei n.º 74/98) –, a entrada em vigor ocorre terminado o período que a própria lei estabelecer para tal. A vacatio legis visa garantir que os destinatários da lei tomam conhecimento do seu conteúdo. Quando a lei é omissa quanto ao período de vacatio legis, aplica-se o prazo supletivo previsto no n.º 2 do art. 2.º da lei n.º 74/98, cuja redação atual determina que “os diplomas […] entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a publicação”. Este prazo conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização, contando-se os dias corridos (e não dias úteis), pelo que um diploma pode entrar em vigor a um sábado, domingo ou feriado.

    Quanto ao termo da vigência da lei, o art. 7.º do CC prevê a caducidade e a revogação. Apesar de o CC não admitir como fonte de Direito o costume, como já dissemos, é de ponderar a possibilidade de uma lei vir a cair em desuso, acompanhado da convicção da sua não obrigatoriedade (costume contrário). Por outro lado, estaremos perante a caducidade de uma lei, quando esta se destinava a vigorar apenas durante um determinado lapso de tempo, que, entretanto, findou, ou caso se destinasse a vigorar apenas durante a verificação de determinadas circunstâncias que, entretanto, se extinguiram. No entanto, pode suceder que a própria lei determine a data da sua revisão e que, findo o prazo, esta revisão não se tenha efetivamente realizado: neste caso, a lei permanecerá em vigor até à sua revogação ou substituição, não se verificando a referida caducidade. Já a revogação implica a substituição da lei revogada por nova lei que venha fazer cessar a vigência da lei antiga. Esta revogação pode ser, assim, expressa (se a lei nova o disser expressamente) ou tácita (quando, apesar de nada dizer, se constate que a lei nova vem substituir a antiga); além disso, a revogação pode ser total ou apenas parcial. De todo o modo, a lei geral posterior não revoga a lei especial anterior, a menos que seja esta a vontade inequívoca do legislador (art. 7.º, n.º 3), nem a revogação de uma lei produz o efeito de a lei anterior à revogada voltar a entrar em vigor (é o que se chama de repristinação), como determina o art. 7.º, n.º 4, do CC.

    Bibliografia

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    Autora: Sónia Moreira

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