Liga Portuguesa da Paz [Dicionário Global]
Liga Portuguesa da Paz [Dicionário Global]
Herdando uma longa reflexão anterior, a temática dos direitos do homem ascendeu, no século XIX, a um lugar central do pensamento no continente europeu, fazendo assomar não só a herança precedente, mas também a reflexão oitocentista gerada no pensamento iluminista, no projeto liberal ou nos desígnios projetados a partir Revolução Francesa. Foi neste ambiente favorável que germinou, sobretudo no continente europeu, um vasto conjunto de instituições e organizações que tinham como escopo a defesa e a proliferação dos direitos do homem, realizações que procuraram erigir no reflexo do contexto internacional (FRANCO & FIOLHAIS, 2019; ISHAY, 2008). Também em Portugal ocorreu a criação de organizações cuja finalidade era a defesa da dignidade humana, assistindo-se à emergência de diversas organizações cuja finalidade era a defesa dos direitos humanos, sendo, por isso, com frequência, estruturadas em torno de conceitos conexos aos direitos humanos, particularmente a justiça, a igualdade, a liberdade, a paz (ALVES-JESUS, 2021).
Foi neste contexto que, na viragem para o século XX, foi fundada, em Lisboa, a Liga Portuguesa da Paz (LPP), uma associação que, como o próprio nome indicia, se propôs a defender a dignidade humana através da condenação da guerra e da consequente defesa da paz. Todavia, a sua ação seria mais abrangente, uma vez que evoluiria como incubadora do movimento feminista português, unindo na mesma organização uma parte significativa das mulheres que na viragem para o século XIX impulsionavam esse mesmo movimento (ESTEVES, 2001). Seria em torno destas duas linhas estruturantes – a defesa da paz e a estruturação do movimento feminista português – que a LPD desenvolveria a sua ação.
A génese da LPD reporta à realização da 1.ª Conferência da Paz, que se reuniu em Haia em 18 de maio de 1899, para lavrar os primeiros tratados internacionais sobre leis e crimes de guerra, que ficariam posteriormente conhecidos como Convenções de Haia. A escolha de 18 de maio de 1899 para o seu estabelecimento formal, propositadamente o mesmo dia de arranque da conferência de Haia, é reveladora de como a sua fundação se pautava pelos mesmos desígnios que conduziram à realização da Conferência da Paz de Haia e objetivava inserir Portugal no latente movimento pacifista internacional. Na verdade, a ideia de erigir em Portugal uma organização fundada nos mesmos termos do movimento pacifista internacional ficara vincada em 1896, quando, no texto Paz e Arbitragem, Magalhães Lima, político, jornalista e fundador do jornal O Século e, posteriormente, presidente da LPP, denuncia o seu profundo conhecimento do movimento pacifista internacional (LIMA, 1897), manifestação que o jornalista acentuaria no ano seguinte, ao participar no Congresso Internacional da Paz realizado em Hamburgo em 1797. Aí, na qualidade de membro da Comissão do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, propôs que Portugal viesse a organizar, em breve, um congresso internacional sobre a paz. A realização mais imediata deste envolvimento não seria um congresso, mas a LPP, uma associação cuja finalidade maior era a promoção do pacifismo. No entanto, o impulso para a fundação da Liga Portuguesa da Paz acabaria por pertencer à escritora Alice Pestana, conforme é reconhecido num breve texto publicado no Boletim n.º 19, de junho de 1902, onde se refere que se deve a Caiel, o pseudónimo literário de Alice Pestana, a fundação da Liga. Note-se que Alice Pestana, a par de Magalhães Lima, teve também um papel significativo na comemoração do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia e seria da sua autoria o texto La Femme e La Paix: Appel Aux Mères Portugaise, de 1898, escrito em consequência do envolvimento da escritora nas comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia e fazendo precisamente a ligação entre o movimento pacifista e a emergência do feminismo em Portugal.
A orgânica e as ações
As primeiras reuniões que serviram para estruturar a LPP realizaram-se em 1899. O resultado mais significativo dos trabalhos inaugurais foi a subdivisão da LPP em três categorias de membros. Os Sócios Efetivos constituíam o núcleo da associação, devendo reunir mensalmente. Uma segunda categoria foi classificada como Sócios Honorários, sendo escolhidos pelos Efetivos entre cidadãos que tivessem contribuído para a causa da paz. São disso exemplo os convites endereçados, em 1900, a Costa Godolfim ou Oliveira Ramos. Por sua vez, os Sócios Beneméritos Auxiliares tinham a função de ajudar os Sócios Efetivos nas ações da Liga e suportar financeiramente a associação, uma vez que pagavam uma quota mensal. Por fim, os Estatutos previam a existência de Sócios Correspondentes, classificação conferida aos membros que residiam fora de Lisboa. O objetivo desta tipologia de associados era a de constituir filiais da Liga, ou centros de propaganda, como eram designados, nas suas zonas de residência.
A administração da LPP ficou a cargo da primeira categoria de associados. Limitados estatutariamente ao numero de 20, os Sócios Efetivos tinham o dever de se reunir mensalmente e deveriam escolher anualmente para a Direção da LPP um presidente, um vice-presidente, um tesoureiro e dois secretários, ficando um responsável pelo expediente e outro pela correspondência. A primeira direção, refira-se, ficou entregue à humanista, jornalista e escritora Alice Pestana, ou Caiel, o seu pseudónimo literário, sendo substituída nesse cargo em 1900 por Magalhães Lima.
De acordo com os princípios orientadores da Conferência de Haia, também as ações da LPP foram estruturadas em torno do princípio de que a defesa da arbitragem internacional seria a via mais segura para a paz, devendo esse princípio nortear a diplomacia internacional. A atividade da LPP consistiu, consequentemente, em promover junto do Governo português e de outras instituições e indivíduos com capacidade de decisão ou de influência (isto é, políticos e jornalistas, entre outros) o princípio da arbitragem, um esforço que deveria ser materializado na aprovação de legislação que impelisse a assinatura de tratados internacionais e a inscrição no Direito Internacional de princípios como a defesa da liberdade dos indivíduos, a independência das nações e a promoção do desarmamento, através da introdução de cláusulas de arbitragem em numerosos tratados internacionais, ou, no caso de a paz ser uma impossibilidade, a promoção de convenções que conduzissem a atenuar os efeitos da guerra, tornando-a mais célere e menos desumana.
Considerando que as atividades da Liga foram estruturadas em função destes objetivos, em particular através da implementação de um projeto pedagógico e de divulgação dos princípios pacifistas, entende-se que uma das primeiras realizações da Liga, e uma das mais significativas, tenha sido a criação, em 1901, de um órgão de comunicação próprio, o Boletim da Liga Portuguesa da Paz, um jornal distribuído gratuitamente pelos sócios e publicado mensalmente. A sua direção foi entregue a Magalhães Lima, sendo este auxiliado por três Sócios Efetivos escolhidos anualmente. Incluíam-se nas suas matérias a divulgação das atividades da LPP. Nas suas finalidades encontrava-se a divulgação das principais atividades da LPP, designadamente a promoção de diversas conferências organizadas pela Liga, a publicação de notícias na imprensa periódica sobre os temas da paz e do feminismo, versando, em particular, sobre a inserção da Liga em diversos encontros pacifistas internacionais, a publicação das Atas das reuniões mensais dos Sócios Efetivos, a divulgação de documentos considerados de maior significância (isto é, ofícios, cartas recebidas, representações ao estrangeiro, entre outros), a disseminação de artigos doutrinários sobre a temática da paz e a informação sobre as atividades do movimento pacifista internacional.
Um segundo elemento estruturante da ação da LPP eram as conferências que organizava em torno da temática do pacifismo. A celebração destes encontros, quase sempre de periodicidade anual, corporizava a comemoração conjunta do aniversário da Liga e da inauguração da Conferência de Haia, e servia, sobretudo, para além da celebração do pacifismo, para o induzimento às causas da LPP de personalidades relevantes da sociedade portuguesa da época, conforme o ilustra a conferência proferida por Manuel de Arriaga, em 25 de 1900, no Ateneu Comercial, com o título “Paz e arbitragem”, a conferência de Teófilo Braga realizada na Associação Comercial de Lojistas de Lisboa, a 24 de junho, com o título “A paz como ideal e destino da arte moderna”, ou uma conferência de Bernardino Machado realizada na Associação de Lojistas de Lisboa em 18 de maio de 1905, ele que viria a ser Sócio Honorário da Liga.
Também as conferências proferidas por Sócios Efetivos eram pautadas pelas celebrações anuais dos aniversários. Inaugurou-as Magalhães Lima, tendo proferido na Sociedade de Geografia de Lisboa, a 13 de fevereiro de 1900, a conferência “A paz e a Guerra”. Nos anos seguintes foram conferencistas o advogado e escritor Armelim Júnior, José Pessanha, Heliodoro Salgado, Dâmaso Teixeira, Conde da Penha, César do Porto, que, em 18 de maio de 1904, apresentou uma conferência sobre o papel da mulher na guerra, Pinheiro de Melo, entre outros.
O contacto direto com os governantes e os políticos portugueses revelou-se outra estratégia da Liga, procurando, por essa via, influenciar as decisões políticas portuguesas no que respeitava ao Direito Internacional e às ações diplomáticas. Enquadram-se aqui o envio para as Câmara dos Pares do Reino e para a Câmara dos Deputados de uma exposição sobre as vantagens de aprovação de um projeto-lei que tornasse obrigatória a cláusula de arbitragem em todos os tratados internacionais que Portugal viesse a celebrar, ou a solicitação feita em 1900 ao Governo português para que este protestasse contra a Guerra Anglo-Bóer, que opunha a Inglaterra aos colonos holandeses e franceses no sul do continente africano.
De cariz diferente deve ser considerada a proposta de Armelim Júnior para a criação de um Tribunal de Honra na Liga com a finalidade de dirimir os conflitos de honra entre os cidadãos que a ele recorressem. Este tribunal deveria ser constituído por Magalhães Lima, João de Paiva, antigo deputado e juiz, Zeferino Cândido, matemático e jornalista, António Viana da Silva Carvalho, publicista, e pelo conde da Penha Garcia, deputado e publicista, havendo a preocupação de serem de quadrantes políticos distintos. A proposta de instituição deste tribunal ambicionava reforçar o papel da Liga na sociedade portuguesa.
O objetivo de inserir a LPP no movimento pacifista internacional conduzia, na mesma medida, uma parte significativa dos esforços dos seus membros. Logo em 1901, a sócia e médica Sofia Silva apresentou no 10.º Congresso da Paz, que se realizou em Glasgow, em setembro de 1901, a memória “A arte da guerra e a terapêutica cirúrgica”, sobre os efeitos nocivos das armas modernas, temática desenvolveria no ano seguinte, solicitando a vários médicos um memorando sobre a temática da capacidade destrutiva das armas modernas, da necessidade de se estudarem curativos mais eficazes para os soldados feridos em guerra e da perigosidade das infeções secundárias que resultavam do ambiente especial de África, pedido a que tinha respondido o médico militar João Carlos Mascarenhas de Mello.
Por sua vez, em junho de 1902, e por proposta do conde de Penha Garcia, a Liga ofereceu o seu apoio à Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha na defesa do tratamento digno dos prisioneiros de guerra, caso essa competência fosse atribuída à Cruz Vermelha num congresso que se realizaria em São Petersburgo.
Enquadrável também neste esforço de internacionalização foi a presença da Liga em diversas conferências interparlamentares, tendo essa representação sido normalmente efetuada por sócios da Liga que, pelas funções públicas que desempenhavam, tinham a seu encargo essa representação. A União Parlamentar, refira-se, fora criada em 1889 e constituiu a primeira instância permanente de negociações políticas multilaterais. Enquadra-se aí a Conferência Interparlamentar realizada em Viena, em 1903, na qual o sócio João de Paiva, que era vice-presidente da Liga, representou a associação.
O propósito de se organizar em Portugal um congresso internacional sobre a paz mantinha-se no horizonte de Magalhães Lima desde 1897, mas apenas em dezembro de 1904 a ideia de realizar o encontro foi formalmente apresentada aos Sócios Efetivos, tendo estes acolhido bem a proposta, uma vez que, em abril de 1905, concordaram em realizar um congresso sobre a temática da paz. Mas, ao contrário do projeto de Magalhães Lima, o encontro teria apenas uma dimensão nacional, porventura por barreiras logísticas e financeiras, condicionantes que viriam também a adiar a data do congresso. A Comissão Organizadora ficou entregue a Magalhães Lima, Armelim Júnior e José Pinheiro de Mello, o que demonstra o vínculo entre o projeto de 1897 e o que se realizaria em 1907.
O objetivo inicial dos associados era a realização do congresso em 1905, mas em função de dificuldades logísticas, os sócios optaram por adiá-lo, primeiramente para maio de 1906 e depois para 22 de fevereiro de 1907. Os membros da LPP justificaram estas duas prorrogações com a necessidade de melhorar a sua divulgação e de enriquecer a paleta de conferencistas. Apesar dos preparativos efetuados até essa data, em 11 de abril de 1906, novamente por questões logísticas, a Liga resolveu adiar o Primeiro Congresso Nacional da Paz para 22 de fevereiro de 1907.
De acordo com o Regulamento e o Programa do Congresso, aprovados em janeiro de 1906, o Congresso ficaria organizado em três sessões plenárias e cinco sessões regulares, estruturadas da seguinte forma: Paz e Arbitragem, Educação Pacifista e Política Pacifista, História Pacifista e Imprensa Pacifista. Seriam aceites teses apresentadas diretamente à Liga, mas também teses enviadas à Comissão de Paz e Arbitragem da Sociedade de Geografia, uma nuance justificada pelo facto de João de Paiva ser simultaneamente Sócio Efetivo da Liga e membro desta comissão. Consequentemente, à Liga foram enviadas três teses: 1) História do movimento pacifista em Portugal. Origens próximas e remotas, frases e evolução deste movimento (João de Paiva); 2) Educação intelectual e moral pacifista em Portugal. O que tem sido e é entre nós; o que pode e deve ser (Armelim Júnior); 3) Uma política pacifista nacional e internacional, impeditivas de guerras e lutas internas e externas, continentais e coloniais (Álvaro Vilela e Tomás Cabreira).
Já no grupo das teses enviadas à Comissão de Paz e Arbitragem da Sociedade de Geografia, foram agrupadas as seguintes teses: 4) A paz e a arbitragem perante o estado atual da ciência do direito (Sousa Queiroga); 5) Causas que atualmente se opõem à fixação do estado jurídico entre as nações, e meios de as ir debelando (Magalhães Lima); 6) Sanção para as decisões arbitrais sobre litígios internacionais (Victor dos Santos); 7) Sendo permitida a guerra e, legítima defesa, que requisitos devem dar-se para que ela possa ter-se por justificada (João Pinto dos Santos); 8) Razões especiais que militam atualmente para que os ideais pacíficos, quase tão antigos como as sociedades, deva ter agora uma solução que honre a civilização e a humanidade (José de Paiva Soares Diniz); 9) Memória fundamentada, dirigida à imprensa de todo o mundo civilizado, expondo quais os meios de que esta deve lançar mão para que mais contínua e eficazmente contribua para implementação do estado jurídico da sociedade internacional (José Joaquim da Silva Graça); 10) A paz e a arbitragem perante a economia política, e meios a empregar para que, a ter de se firmar o estado jurídico entre as nações, se evitem ou atenuem quanto possível os prejuízos que poderão advir ao comércio e à indústria na parte que mais diretamente se pretende com “a paz armada”, tal qual a mantêm as nações civilizadas (Salgado de Araújo).
De notar que as teses do congresso versaram exclusivamente sobre a temática do pacifismo, o que põe em relevo a maior evidência dada a essa temática e a menorização da questão feminina no interior da Liga. Todavia, ainda antes da realização do congresso, o feminismo emergiria na associação como um dos seus dois eixos estruturantes, vindo a materializar-se na Secção Feminina da Liga Portuguesa da Paz, uma subdivisão da LPP que acabaria por ser uma das primeiras expressões do movimento feminista português.
Na génese do movimento feminista português
Na realidade, a inspiração feminista estava inscrita na própria génese da Liga, sendo a formalização da Secção Feminina da LPP, em 1906, um passo natural da sua própria evolução. Com efeito, desde a sua fundação, em 1899, que a participação ativa de associadas na atividade da Liga foi uma realidade. A esta circunstância não terá sido certamente alheio o facto de Alice Pestana, membro destacado do movimento feminista português, ter sido a sua fundadora e primeira presidente.
Para além de ter sido a sua primeira presidente, é igualmente relevante a publicação de diversos artigos de Alice Pestana no Boletim. Destacamos, entre eles, o texto “Será Possível eliminar a guerra?”, publicado no Boletim de setembro de 1903, no qual projetava para o futuro o natural anacronismo da guerra perante civilizações mais instruídas.
Na mesma medida, também a médica Sofia Silva, para além de promover entre os associados a já mencionada problemática da potencialidade destrutiva das armas modernas, escorreu sobre outras temáticas. A proposta apresentada em dezembro de 1902 para que a Liga aprovasse um tratado caligráfico denominado A Caligrafia do Futuro. Memória Apresentada ao Congresso de Rouen foi, porventura, a mais relevante. Nesse excerto, a autora propôs que a escolha das palavras e das frases do tratado de caligrafia que viesse a ser usado nas escolas primárias portuguesas, sob a forma de caderno de caligrafia, fosse subordinada à temática da paz, constituindo assim uma forma privilegiada de propagandear o tema entre as crianças.
Por sua vez, a temática do feminismo reservava para si um lugar recorrente nas páginas do Boletim, sobretudo através da ilustração da evolução do movimento feminista internacional. São disso exemplos o texto “O feminismo”, publicado no Boletim de junho de 1903, onde se reflete sobre a problemática do papel profissional da mulher a partir do exemplo da realidade americana, tida como mais avançada, o artigo “O feminismo em Inglaterra”, onde se relata o sucesso da difusão das ideias feministas pelas classes operárias britânicas, ou o texto “O trabalho da mulher. Conferência Internacional”, onde se apresentam os fundamentos da realização do congresso que se viria a realizar em Berna, em 8 de maio de 1905, organizado pela Associação Internacional para a Proteção dos Trabalhadores. A escolha das problemáticas que, preferencialmente, perspetivam o papel profissional da mulher sugere que a tendência feminista da LPP ia ao encontro da fração do movimento feminista internacional, mais preocupado com a questão económica e com a condição de vida as operárias do que a vertente mais burguesa do movimento feminista português, mais centrado nos direitos sociais e políticos (MARIANO, 2004, 25).
É neste panorama que deve ser enquadrada a formação da Secção Feminina da Liga Portuguesa da Paz, em 1906. A ocasião seria a comemoração, em 1906, do nascimento de George Washington, que a Liga comemorava anualmente em fevereiro. Em 1906, a comemoração efetuou-se na Associação Comercial Lojistas de Lisboa, tendo sido quase previamente convocada para a constituição da Secção Feminina, conforme demonstra o número de mulheres presentes na sessão, claramente superior ao que era habitual, nomeadamente Adelaide Cabette, Amélia de Vasconcelos, Ana Andrade de Carvalho, Georgina Pereira de Vasconcelos, Júlia de Morais Sarmento, Laura Sarmento de Morais de Mello e Simas, Laureana Avelar d’Aguiar, Leonor d’Aguiar; Luísa Ey, Luna Benarus, Margarida Avelar de Aguiar, Maria Conceição Duarte, Maria Arminda Leal, Virgínia de Guerra Quaresma e Olga de Morais Sarmento da Silveira, que assumiu a presidência da sessão. Agregaram-se a estas Albertina Paraíso, Augusta Rocha, Carolina Beatriz Ângelo, Cláudia de Campos, Emília Patacho, Maria do Carmo Lopes, Maria José Portugal de Andrade Vilar, Mariana Pinto Homem, Sarah de Carvalho, Sophia da Silva e Sophia Quintino.
Nesta sessão inaugural, onde discursaram Magalhães Lima, César do Inso, Gregório Fernandes, Armelim Júnior e Olga Morais Sarmento, foram aprovados os estatutos da Secção Feminina, que tinham sido elaborados por Armelim Júnior, e eleita a sua primeira direção: a presidência foi entregue a Olga Morais Sarmento, ficando Domitília de Carvalho como vice-presidente, Branca de Gonta Colaço como secretária das sessões, Virgínia Guerra Quaresma como secretária da correspondência e Ana de Andrade Carvalho como tesoureira. Ficou, desta forma a Liga Portuguesa da Paz composta por uma secção masculina e uma secção feminina, espelhando-se mutuamente na organização.
Nesta sessão, foi nomeada sócia honorária Alice Pestana, a que se juntaram, em sessões posteriores, Beatriz Pinheiro, autora de Ave Azul, a duquesa de Palmela, a condessa de Alto Mearim, a viscondessa de Sistelo, Carolina de Michaëlis de Vasconcelos, entre outros vultos do movimento feminista português.
Na sessão seguinte, realizada em 5 de março de 1906, a Secção Feminina e a Secção Masculina da Liga reuniram-se sob a presidência de Magalhães Lima, secretariado por Olga Morais Sarmento da Silveira e por Armelim Júnior, aprovando-se que as mulheres que já faziam parte do grupo de Sócios Efetivos antes da constituição da Secção Feminina passassem da Secção Masculina para a Secção Feminina. Encontravam-se nessa condição Augusta Rocha e Sofia da Silva. Aprovou-se, igualmente, que a Secção Feminina realizasse na Sociedade de Geografia de Lisboa várias sessões preparatórias do 1.º Congresso Nacional da Paz, devendo as quatro primeiras ser proferidas por Olga Morais Sarmento (“Feminismo em geral”), Magalhães Lima (“Problema social”), Armelim Júnior (“A mulher portuguesa perante os nossos códigos”) e Maria do Carmo Lopes (“Higiene e desenvolvimento físico da criança”), tendo as sessões ocorrido à porta fechada, devido a serem as conferências feministas “uma novidade neste meio, tão avesso ao feminismo, por ignorância e falta de preparação geral, não podem ser desde já abertas e amplas para todos para evitar quaisquer desrespeitos ou motejos”.
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Autor: Renato Pistola