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    Livre-Arbítrio

    A problemática do livre-arbítrio (lat. liberum arbitrium) diz respeito à possibilidade ou impossibilidade de reconciliar a conceção quotidiana do ser humano, enquanto agente capaz de decidir, sem coação, sobre o percurso da sua vida (agência humana), com as teorias científicas sobre o universo, em particular o seu cariz determinista. É um problema de natureza complexa e com implicações bastante diversificadas na autoimagem do ser humano. Ao nível metafísico e empírico, visa-se compreender e estabelecer se as escolhas humanas são causalmente determinadas ou se são fruto de uma decisão livre (e.g., autonomia, coerção, liberdade, necessidade e possibilidade, etc.). Ao nível ético-político analisam-se as implicações do determinismo na vida social, moral e pessoal (e.g., responsabilidade, dignidade, culpabilidade, perdão, etc.). As respetivas respostas aos níveis anteriores têm, por sua vez, consequências diretas nos problemas da ação (e.g., ação vs. comportamento), mente (e.g., existência da mente e a sua eventual relação com o corpo) e racionalidade (e.g., escolha racional); na Filosofia da Religião e na Teologia (e.g., presciência divina, predestinação, mal, omnisciência) e, ainda, na Filosofia da Ciência e nas ciências em geral (e.g., explicação, causação, previsão e leis da natureza).

    O problema pode ser expresso a partir de três ideias usualmente aceites e tidas por óbvias. A primeira, resultante dos estudos da natureza, considera que todo o acontecimento é causado; a segunda, derivada da experiência quotidiana do ser humano, expressa a noção de que as ações são livres (liberdade); e a terceira sintetiza-se na afirmação de que as ações livres não são causadas. Contudo, não é claro que estas possam ser articuladas entre si e defendidas conjuntamente, pelo que alguma delas deve ser rejeitada. As soluções apresentadas, nomeadamente pela combinação de duas e pela rejeição de uma destas ideias, permitem classificar as soluções do problema em duas grandes famílias: incompatibilismo e compatibilismo. A primeira considera que o livre-arbítrio e o determinismo não são compatíveis e, por isso, um deles tem de ser falso; a segunda assume a possibilidade da articulação de ambas, embora, para isso, seja necessário repensar a formulação de pelo menos um dos lados do problema.

    A subfamília incompatibilista que rejeita a existência do livre-arbítrio denomina-se “determinismo”, ou “determinismo radical”. É a doutrina que defende que tudo o que ocorre tem uma causa, ou que qualquer acontecimento é sempre originado por outro anterior, de acordo com as leis da natureza. E é, precisamente, graças à existência desta cadeia causal que a ciência consegue fazer previsões (e.g., eclipses ou tempestades). O universo é uma imensa cadeia causal, à qual nada escapa, nem sequer a ação humana. Todas as ações, vontades e escolhas, enquanto parte integrante do mundo natural, resultam necessária e suficientemente de acontecimentos anteriores, e são tão estudáveis e previsíveis quanto qualquer outro acontecimento natural (SKINNER, 2000). Consequentemente, o determinismo, na sua vertente mais radical, rejeita a segunda ideia (as ações são livres, isto é, o livre-arbítrio), por ela significar uma violação da cadeia causal. Se o determinismo é verdadeiro, então não há livre-arbítrio (CONEE & SIDER, 2010). A propósito, é crucial distinguir determinismo de fatalismo. Este, muitas vezes expresso sob os termos “fado” ou “destino”, distingue-se do primeiro por defender a ineficácia causal de alguns acontecimentos e, por conseguinte, a sua inevitabilidade (e.g., a bola A irá colidir com a B no momento T, e nada do que, entretanto, ocorrer no universo poderá impedir isso). Como se viu, o determinismo, pelo contrário, postula a determinação e eficácia causal de todos os acontecimentos (pelo que a colisão poderá não ocorrer se no percurso da bola A algo interferir com a sua trajetória).

    O libertismo, ou voluntarismo, é a segunda subfamília incompatibilista. Defende o livre-arbítrio assumindo que a escolha livre não é nem causalmente determinada, nem aleatória. O livre-arbítrio resulta da intervenção racional, voluntária e responsável do ser humano no curso dos acontecimentos, visto nem todos os acontecimentos serem mecanicamente determinados (recusa a primeira ideia, ou seja, o determinismo radical). Ou, alternativamente, apesar de os acontecimentos causais resultarem de forma necessária, estes não ocorrem de forma suficiente, havendo, por conseguinte, espaço para a liberdade (REID, 1788; VAN INWAGEN, 2017). Neste caso, o livre-arbítrio ocorrerá sempre que as ações se apresentam como “efeitos sem causas”, ou melhor, como fruto da causalidade do agente. Este tem o poder de gerar livremente acontecimentos, pelo que, se o quisesse, poderia ter escolhido outro curso de ação. Daqui deriva a incompatibilização com a ciência, particularmente através da rejeição de uma física e de uma psicologia omniabrangentes. Ora, se é verdade que nem todos os acontecimentos estão mecanicamente determinados (as ações podem ser causadas pelo agente), então há livre-arbítrio e o determinismo é falso (SCRUTON, 2007). Aqui, importa distinguir o libertismo da aleatoriedade. Esta supõe a imprevisibilidade de certos acontecimentos, para os quais não há qualquer forma de dizer antecipadamente o que irá ocorrer, visto serem frutos do mero acaso. O libertista nega cair na aleatoriedade, pois a sua tese assenta na noção de que as ações são fruto de uma deliberação e escolha do ser humano, das suas crenças e desejos.

    O compatibilismo, ou determinismo moderado, postula a conjugação do livre-arbítrio com o determinismo, negando a terceira ideia (a de que as ações livres não são causadas). Para os compatibilistas clássicos (e.g., Hobbes e Locke), o livre-arbítrio apresenta-se como sinónimo de “liberdade de ação”, que se caracteriza pelo poder de se fazer o que se deseja e pela ausência de restrições ou impedimentos (e.g., restrições físicas, coerção e compulsões) que impedissem a realização dessa ação. Por seu turno, para os compatibilistas contemporâneos (e.g., Dennett e Frankfurt), o livre-arbítrio é entendido como uma capacidade psicológica. Neste caso, mais do que a ação em si, a tónica está no modo como o comportamento resulta e se compagina com a razão, advogando que o livre-arbítrio não significa “sem causa”, antes uma ação causada de modo correto. Ambos consideram que o aparente conflito entre o livre-arbítrio e o determinismo deriva de uma apreensão errada de, pelo menos, um dos conceitos. Dennett defende que se alcança essa correção repensando o determinismo enquanto doutrina sobre a suficiência, e não sobre as condições necessárias, para se produzir algo. Quando é feito este reajuste, percebe-se, por exemplo, que o Big Bang é suficiente para iniciar o universo e para produzir o assassinato de Kennedy, mas não é a sua causa necessária. Outras condições poderiam intervir em qualquer um dos casos. Dennett pretende ainda dissolver três confusões associadas ao determinismo que obstaculizam a sua relação com o livre-arbítrio, a saber: a de que ele exclui possibilidades, a de que é incompatível com acontecimentos sem causa e a de que implica um futuro fechado.

    Por sua vez, Frankfurt analisa as ações livres com vista a identificar quando são causadas de modo adequado. Distinguindo “liberdade de ação” (a ação fisicamente desenfreada ou não coagida) de “liberdade da vontade” (a liberdade de um agente querer o que quer, ou “volições de segunda ordem”), vê nesta última a caraterística própria do livre-arbítrio. Nesse sentido, embora um viciado deseje saciar o seu vício, ele não é livre, porque a vontade que tem não é a que ele deseja. Só quem é capaz de querer que um determinado desejo seja a sua vontade realizará uma ação livre. Para além disso, Frankfurt rejeita o tradicional princípio de possibilidades alternativas, segundo o qual alguém só é moralmente responsável pelas suas ações se, e somente se, pudesse ter agido de modo diferente, advogando que a responsabilidade poderá estar presente no caso de alguém que, ameaçado a agir de um determinado modo, tivesse já decidido atuar assim. Neste caso, mesmo reconhecendo a ameaça, a pessoa é moralmente responsável pelo que faz, uma vez que, na ausência da ameaça, agiria do mesmo modo. A responsabilidade moral não exige, portanto, que um agente tenha a liberdade de fazer de outro modo. Logo, mesmo se o determinismo causal é verdadeiro, não se segue a eliminação da responsabilidade moral.

    No âmbito da teologia cristã, também se tem vindo a desenvolver correntes de pensamento sobre o livre-arbítrio: umas mais próximas das abordagens incompatibilistas (determinismo radical e libertismo) e outras mais próximas do compatibilismo (determinismo e/ou liberdade em sentido mais fraco). O determinismo teológico está estreitamente associado às doutrinas da Criação e da predestinação (neste último caso, também há estreita conexão com a noção de predeterminismo que defende que, no determinismo causal, existe um encadeamento ininterrupto de ações e acontecimentos que se distende até à origem do universo). Neste caso, nada acontece por acaso e/ou por livre-arbítrio. Ao contrário, todos os acontecimentos estão preordenados e, nesse sentido, não podem ocorrer de outro modo. Esta perspetiva deriva da crença num Deus único e omnisciente (se é omnisciente, nada lhe pode acontecer sem que, de antemão, Ele não o saiba) (IANNONE, 2001; VAN HUYSSTEEN, 2003).

    A ideia da omnisciência de Deus vem chocar com a bondade inerente à ideia do Deus criador. Mais ainda: defender a omnisciência divina tornou-se, de certo modo, argumento de incompatibilidade com a existência de Deus (uma vez que, se Deus existe, é necessariamente bom). De certa maneira, a reflexão filosófico-teológica foi-se desenvolvendo sobre dois vértices: ou Deus é bom e não é omnisciente, ou Deus não existe, enquanto ser de bondade. Kierkegaard procurou ultrapassar esta dificuldade defendendo que não há incompatibilidade entre a omnipotência e a bondade divina. Ao contrário, por ser bom, Deus criou seres verdadeiramente livres (JACKSON, 1998). No entanto, Kierkegaard não pôs fim à problemática que se mantinha ao longo dos séculos e que esteve no cerne da reflexão de teólogos e filósofos proeminentes, tais como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino.

    S.to Agostinho, na sua resposta aos maniqueus, desenvolveu a defesa da liberdade da vontade, acabando esta reflexão por conduzir ao estudo da problemática do livre-arbítrio, tanto mais que S.to Agostinho sublinha a necessidade da graça divina. Neste sentido, ao assumir que Deus é a norma absoluta sobre todas as vontades humanas e que a omnisciência e a omnipotência divina O faziam conhecer tudo aquilo a que o ser humano viria a conceder o seu livre assentimento, S.to Agostinho, sem o pretender, conduz e serve de base a muitas doutrinas ligadas ao fatalismo da predestinação.

    S. Tomás de Aquino, no século XIII, traz uma nova interpretação. A partir da visão da vontade humana enquanto apetência racional, S. Tomás coloca em evidência, por um lado, o desejo e a necessidade humana da graça divina e, por outro, a liberdade humana de optar por ela ou não (tanto mais que o ser humano pode escolher entre diferentes formas de beatitude, de acordo com o que o seu intelecto lhe apresenta como “bem maior”). A liberdade humana residiria, portanto, na capacidade intelectual (limitada e contingente) de conceber o universal. Quanto à omnisciência divina, S. Tomás defende que não se trata de uma visão antecipada ou previsional dos acontecimentos futuros, mas do facto de Deus não poder ser pensado temporalmente. Porque é atemporal, o passado e o futuro permanecem presentes na eternidade divina, ainda que, para a perceção do ser humano, tudo se desenrole através da sucessão dos tempos e dos acontecimentos. Não obstante a extensa reflexão teológico-filosófica de Aquino, a questão da omnipotência divina ficou por resolver (se Deus tem poder sobre os acontecimentos, se nada existe fora do seu poder, até onde pode ir o livre-arbítrio humano?). Além disso, ténue é o argumento de uma certa predeterminação para escolher determinados objetivos, fixando-se o livre-arbítrio apenas no modo como procurar atingir os mesmos. Estas dificuldades levaram a que muitos associem a filosofia de Tomás de Aquino tanto ao compatibilismo como ao libertarianismo (STALEY, 2005).

    Dentro do cristianismo, a teologia e doutrinas confessionais vão-se posicionando ora na linha tomista, ora na linha agostiniana. A questão maior reside não apenas no entendimento sobre a possibilidade humana de livre-arbítrio, mas no modo como este se configura face à possibilidade de predestinação salvífica. Para católicos e ortodoxos, a reflexão tem por base o livro de Ben Sira, quando se afirma que, “desde o princípio, Ele criou o homem, e entregou-o ao seu próprio juízo. Se quiseres, observarás os mandamentos; ser-lhes fiel será questão da tua boa vontade. Ele pôs diante de ti o fogo e a água; estende a mão para o que quiseres. Diante do homem estão a vida e a morte; o que ele escolher, isso lhe será dado” (Eclo 15, 14-17b). A partir daqui, para estas igrejas, o livre-arbítrio é claro e a salvação não é tanto uma questão de predestinação, mas de livre acolhimento (ou recusa) do dom salvífico. De certo modo, a teologia tomista vai ao encontro desta visão.

    Já para as igrejas protestantes (sejam elas de linha luterana ou calvinista), a base da reflexão é sobretudo agostiniana. À luz da doutrina da predestinação dos santos, desenvolvida por S.to Agostinho, refuta-se, nestas igrejas, a possibilidade de existência do livre-arbítrio. Este modo de interpretar e desenvolver a doutrina da predestinação levou a que o Concílio de Trento (Católico Romano) postulasse (particularmente na sessão VI, caps. I a V) uma defesa clara da existência do livre-arbítrio. Um posicionamento retomado, quase literalmente, pelo Catecismo da Igreja Católica, quando afirma que “a liberdade é o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas. Pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na bondade” (Catecismo da Igreja Católica, § 1731). De certa maneira, a forma como o livre-arbítrio tem vindo a ser pensado pelas diferentes igrejas cristãs emana do modo como cada uma delas concebe a ideia de salvação e de predestinação (e, consequentemente, interpreta o sentido desta ideia presente nos escritos paulinos, nomeadamente em Rm 8, 29-30 e Ef 1,5).

    A problemática sobre o livre-arbítrio (e suas conexões à doutrina da salvação e da predestinação) não é exclusiva na reflexão teológica cristã. Ela é pertinente em todo o âmbito religioso. No caso do judaísmo, a noção de livre-arbítrio (em hebraico, bechirah chofshit, בחירה חפשית, bechirah, בחירה) aproxima-se da visão axiomática das igrejas ortodoxas coptas. Neste caso, a tónica está na livre decisão de seguir o que dita a própria consciência. Para o judaísmo, o conceito de livre-arbítrio é fundacional e considerado como integrante do desígnio de Deus (cf. Torah, Reê (Livro judaico Devarim [Deuteronómio] 11, 26-16; 17; Talmude, Pirquei Avot 3, 18). Porém, estes princípios apresentam-se paradoxais quando confrontados com o facto de a filosofia judaica defender simultaneamente a omnisciência e a providência divinas. Tal como no cristianismo, esta problemática conduziu ao desenvolvimento de diversas linhas de pensamento filosófico e teológico no seio do judaísmo. Com particular destaque, a obra medieval O Cuzari procura responder a estas inquietações, encontrando meios de afirmar a compatibilidade entre a omnisciência e omnipotência divinas com o livre-arbítrio humano. Porém, este compatibilismo é ténue, dado o modo como o conceito de Deus é assumido no mundo judaico (Deus como Senhor que controla e determina a trajetória da História) (HUBNER, 2011).

    Para a teologia islâmica, conciliar livre-arbítrio com a omnisciência divina também não é algo fácil. Porém, no islão, o livre-arbítrio, porque entendido como essência para a responsabilização do ser humano pelas suas ações, é assumido como alicerce da consciência humana, juntamente com a presença da omnisciência divina. Afirmando a existência de livre-arbítrio e, por conseguinte, a existência de consequências resultantes das escolhas livres, a doutrina islâmica faz confluir o direito ao livre-arbítrio com o facto de as ações que dele decorrem serem alvo de julgamento no Juízo final (WATT, 1948; WOLFSON, 1976; TOSUN, 2012).

    No pensamento oriental, o modo de conceber o livre-arbítrio não é uniforme. No hinduísmo, as escolas, consideradas de pensamento ortodoxo, que debatem e estudam esta problemática ora defendem que o espírito nada pode fazer para controlar o desenvolvimento da matéria e que a matéria não tem qualquer liberdade, sendo a única liberdade possível aquela que emana da separação final entre o sujeito e a matéria (por exemplo, na escola de Samkhya), ora (como acontece na escola de Yoga) considera que apenas Ishvara é livre, embora esta seja uma liberdade que não está associada nem aos sentimentos nem à vontade. Além destas duas perspetivas dominantes, escolas como Vaisheshika e Nyaya defendem radicalmente o determinismo, procurando, contudo, não fazer explícitos pronunciamentos sobre o livre-arbítrio (FLOOD, 2004, 73; KOLLER, 1994).

    A perspetiva budista aceita simultaneamente tanto a existência do livre-arbítrio como o determinismo, sendo que, nem num nem noutro caso, os termos são aceites como absolutos. Primeiro, porque, ao contrário das teologias ocidentais, o budismo não defende a existência de um ser supremo que tudo controla. Depois, porque a intrínseca relação de tudo faz com que seja defendido o “surgimento dependente” ou a “génese condicionada”. Assim, todas as ações derivantes da vontade são consideradas resultado do condicionamento próprio da ignorância. Desde modo, o livre-arbítrio (entendido de modo ocidental) apresenta-se aqui como sempre originariamente condicionado (ou seja, não totalmente livre). Relativamente a visões mais deterministas, o budismo distancia-se do radicalismo, muitas vezes assumido pelo hinduísmo. Por exemplo, se para o hinduísmo o karma está associado à fatalidade de um destino predeterminado, no budismo, este é apenas o reflexo, o resultado e a consequência das ações/escolhas realizadas anteriormente (GIER & KJELLBERG, 2004).

    Importa notar que outras áreas do saber científico contribuem para a reflexão sobre os argumentos a favor do livre-arbítrio. Por exemplo, áreas como a Física Quântica vêm lançar dúvidas sobre o determinismo absoluto da natureza, dado que a sua área de conhecimento tem por base probabilidades e, consequentemente, a noção de aleatoriedade. Neste caso, a problemática do livre-arbítrio intensifica-se, uma vez que o que está em causa é se é legítimo que este seja equiparado à indeterminação e à simples aleatoriedade. Note-se que, independentemente da defesa do livre-arbítrio ou da defesa do determinismo, é inegável para as diferentes áreas do saber o contributo da aleatoriedade, embora este não possa ser o único elemento presente para aquilo que chamamos de livre-arbítrio. A indeterminação é importante, mas não é o argumento-chave que deve reger o estudo sobre a liberdade de escolha (FELDMAN et al., 2014).

    De igual modo, as neurociências têm-se debruçado sobre o livre-arbítrio. Os estudos pioneiros de Libet são a este propósito significativos. Os seus estudos sobre o desfasamento temporal, quer quanto ao estímulo-resposta, quer quanto, sobretudo, à vontade-ação, sugerem que as tomadas de decisão são iniciadas pelo cérebro, e não pela vontade consciente. Dessa forma, Libet propõe uma reformulação do sentido de “livre-arbítrio”, substituindo a ideia de que ele consiste no processo consciente da vontade em iniciar uma ação pela noção de livre-arbítrio enquanto veto de ação. Se o ser humano não inicia os mecanismos condutores ao agir, pode bloquear ou impedir que eles se concretizem nessa ação (LIBET, 2004).

    Bibliografia

    Impressa

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    Digital

    Catecismo da Igreja Católica (1992), https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html (acedido a 05.09.2023).

     

    Autores: Vilas Boas, Susana; Galvão, Artur Ilharco

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