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    Mandato para a Palestina (1922)

    O Mandato para a Palestina, entregue à Grã-Bretanha em 1922 pela Sociedade das Nações, tinha como objetivo colocar aquele território sob a administração britânica, de forma transitória, até que a Palestina atingisse o estatuto de nação totalmente independente.

    O Mandato para a Palestina terminou em 1948.

    A Palestina esteve integrada no império otomano até final da Primeira Guerra Mundial. Durante a Primeira Guerra Mundial, e seguindo uma vontade que datava da viragem do século, alguns países ocidentais estariam já a negociar a esfera de influência que poderiam estabelecer sobre os territórios que integravam o, então em declínio, império otomano. Em 1916, o Reino Unido, a França, a Rússia e a Itália acordaram secretamente, naquele que mais tarde ficou conhecido como acordo Sykes-Picot, sobre a atribuição de territórios árabes às esferas de influência destes países europeus, retirando-as do domínio otomano.

    Todavia, a intenção inicial refletida no Acordo Sykes-Picot, por parte dos países europeus que dele fizeram parte, era a de devolver a soberania dos territórios árabes aos seus líderes. Tal intenção resultava, em boa parte, do reconhecimento, pelas potências europeias, da força do nacionalismo árabe emergente e que constituía à época um grande desafio para o império otomano.

    Alguns líderes árabes, ante a tomada de conhecimento da existência do Acordo Sykes-Picot, exigiram, junto da Grã-Bretanha, a independência dos seus países, especificando com pormenor os limites dos territórios visados e integrando aí, claramente, o território palestiniano. Em resposta, a Grã-Bretanha confirmou que estava preparada para reconhecer e apoiar a independência dos países árabes, através do estabelecimento de governos e administrações nacionais resultantes do respeito pela livre escolha das populações indígenas.

    Todavia, a Grã-Bretanha, entretanto, e ainda antes de receber o Mandato para a Palestina, tinha-se comprometido com a Organização Sionista Mundial no estabelecimento de uma pátria para os judeus, na Palestina, ressalvando, no entanto, que nada deveria ser feito no sentido de prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas aí estabelecidas. A Organização Sionista Mundial invocava o direito dos judeus àquele território, uma vez que os seus ancestrais aí viveram, cerca de 2000 anos antes, tendo-se, depois, começado a espalhar pela diáspora. Tais compromissos, assumidos pela Grã-Bretanha para com a Organização Sionista, foram dados a conhecer numa declaração emitida, pelo ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Sir Arthur James Balfour, em novembro de 1917, e que ficou conhecida pela Declaração Balfour.

    Em 1920, realizou-se a Conferência de San Remo, em que participaram Grã-Bretanha, França, Itália e Japão, para determinar as fronteiras de territórios tomados pelos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial. Nesta Conferência foi aprovada a Resolução de San Remo, em que se decidiu incorporar a Declaração Balfour no Mandato Britânico para a Palestina. O que veio a ter consagração no próprio texto do Mandato para a Palestina da Sociedade das Nações, de 1922, que reconhecia a responsabilidade dos mandantes pela efetivação da Declaração Balfour, ou seja, o estabelecimento na Palestina de uma Pátria para o povo judeu. O mesmo foi reconhecido no Tratado Anglo-Americano de 1924, que reconheceu ainda (pelos Estados Unidos e Reino Unido) a ligação histórica do povo judeu à Palestina enquanto fundamento para a reconstituição aí da pátria judaica.

    Efetivamente, em 1922, seria entregue à Grã-Bretanha pela Sociedade das Nações um Mandato para a Palestina que tinha como objetivo colocar aquele território sob a administração britânica. Em julho de 1922, o Conselho da Sociedade das Nações aprovou o Mandato para a Palestina, integrando e fazendo referência expressa à Declaração Balfour. Tal facto gerou oposição e revolta por parte do povo árabe, causou grandes dificuldades à Grã-Bretanha enquanto mandatária, podendo a Declaração ser vista como uma das causas para o ainda presente conflito.

    Os termos do Mandato para a Palestina determinavam, expressamente, que o mandatário, a Grã-Bretanha, gozaria, naquele território, de totais poderes legislativos e administrativos (art. 1.º), e que seria responsável por criar condições políticas, administrativas e económicas que garantissem o estabelecimento da pátria judaica. O mandatário seria ainda responsável pelo desenvolvimento de instituições autónomas e pela salvaguarda dos direitos civis e religiosos de todos os habitantes da Palestina, independentemente da sua raça e religião (art. 2.º), devendo, na medida do possível, encorajar a autonomia local (art. 3.º). Era também reconhecido, nos termos do Mandato, o ativo papel da Organização Sionista Mundial, enquanto organismo público para o aconselhamento e cooperação com a Administração da Palestina nos assuntos económicos, sociais ou outros que pudessem afetar a pátria judaica e os interesses da população judaica na Palestina (art. 4.º). Podia, ainda, a Organização Sionista Mundial, construir ou operar, de forma justa e equitativa, quaisquer obras e serviços públicos, e desenvolver qualquer dos recursos naturais do país, na medida em que estas questões não fossem diretamente empreendidas pela Administração (art. 11.º).

    A imigração judaica para o território da Palestina foi também encorajada nos termos do Mandato, devendo a Grã-Bretanha, enquanto mandatária e assegurando que os direitos e a posição de outros sectores da população não fossem prejudicados, facilitar tal imigração e a instalação dos judeus na Palestina, incluindo nas terras do Estado e nas terras não necessárias para fins públicos (art. 6.º). A questão da aquisição da nacionalidade por parte dos judeus imigrantes também estava prevista no Mandato, devendo a Administração daquele território promulgar uma lei da nacionalidade cujas disposições deviam facilitar a aquisição da cidadania palestiniana por judeus que assumissem a sua residência permanente na Palestina (art. 7.º).

    A garantia de respeito pelo estatuto pessoal e interesses e preceitos religiosos dos vários povos e comunidades daquele território estava também determinada no Mandato como uma das tarefas a cargo da mandatária (art. 9.º). A Grã-Bretanha devia, ainda, assegurar a todos a completa liberdade de consciência e o livre exercício de todas as formas de culto, sujeito apenas à manutenção da ordem pública e da moral, bem como a não discriminação entre os habitantes da Palestina com base na raça, religião ou língua (art. 15.º). O respeito pela diversidade cultural e religiosa, como, por exemplo, o direito de as comunidades manterem as suas próprias escolas para a educação dos seus próprios membros, na sua própria língua (art. 16.º), e a observância dos dias sagrados das várias comunidades (art. 23.º), deviam ser também garantidos pela mandatária.

    Era da mandatária a responsabilidade relativamente aos Lugares Santos e edifícios ou sítios religiosos na Palestina, incluindo-se neste âmbito a preservação dos direitos existentes e a garantia do livre acesso a estes espaços e do livre exercício do culto (art. 13.º). Para esse efeito, a Mandatária deveria designar uma comissão especial, estudar, definir e determinar os direitos e reivindicações relacionados com os Lugares Santos e os direitos e reivindicações relacionados com as diferentes comunidades religiosas na Palestina (art. 14.º).

    O Mandato dava liberdade à Grã-Bretanha para, nos territórios situados entre a Jordânia e a fronteira oriental da Palestina, e com o consentimento do Conselho da Sociedade das Nações, adiar ou recusar a aplicação das disposições do mandato que considerasse inaplicáveis às condições locais existentes, e de tomar as disposições para a administração dos territórios que considerasse adequadas a essas condições, desde que não fosse tomada qualquer medida discriminatória com base na raça, religião ou língua (art. 25.º).

    Em resultado dos termos do Mandato, a Organização Sionista Mundial envidou esforços no sentido de assegurar o estabelecimento de uma pátria judaica na Palestina, o que de facto foi acontecendo, com a entrada de milhares de imigrantes judeus na Palestina e com a compra de terra por estes. Todavia, os árabes palestinianos consideraram os termos do Mandato e a colonização judaica uma violação dos seus direitos naturais e inalienáveis, e das garantias de independência dadas pelas potências Aliadas aos líderes árabes, em troca do seu apoio durante a Primeira Guerra Mundial.

    Como resultado desta tensão, os árabes palestinianos começaram por apresentar uma crescente resistência ao Mandato. Em 1936, a resistência palestiniana ao domínio da Grã-Bretanha e à colonização judaica eclodiu numa grande rebelião que durou até ao início da Segunda Guerra Mundial e que incluiu ataques de palestinianos a postos de polícia britânicos, a colonatos judeus, sabotagem de estradas, caminhos-de-ferro e oleodutos. Em resposta, houve, por parte da administração britânica, a imposição de recolheres obrigatórios, detenções em massa, internamentos em campos de concentração e demolições de partes de bairros árabes. Por parte dos judeus, foram perpetrados atos de retaliação, ainda que inicialmente os tivessem reprimido, pelas mãos de forças paramilitares secretas e das forças policiais, uma vez que quase 3000 judeus estavam inscritos nestas forças.

    Em 1937, a resposta do Governo britânico à rebelião palestiniana foi a de propor, em vez da independência prometida duas décadas antes, um plano para dividir a Palestina. Contudo, os palestinianos não aceitaram tal proposta e a rebelião voltou a incendiar-se e durou até 1939, acompanhada de exigências do respeito pelo direito dos palestinianos à plena independência em toda a Palestina, e à substituição do Mandato da Sociedade das Nações por um tratado entre a Grã-Bretanha e uma Palestina independente.

    Em 1939, e ante a situação de violência que se vivia na Palestina, a Grã-Bretanha declarou que o Mandato era impraticável. Os palestinianos continuavam a recorrer à violência como forma de forçar o reconhecimento dos seus direitos, e os judeus, por sua vez, reagiam com violência para manterem o terreno que tinham adquirido e para pressionarem no sentido da concretização das suas aspirações finais de um Estado judeu na Palestina. Com a Segunda Guerra Mundial em curso, observou-se uma aceleração do curso dos eventos, com a Palestina a ser vista, pelos judeus, como um refúgio.

    Em 1947, e perante a incapacidade de manter a paz naquela região ou de chegar a um entendimento com palestinianos e judeus relativamente ao futuro da Palestina, a Grã-Bretanha decidiu renunciar ao seu papel de Mandatária e entregou o problema da Palestina à Organização das Nações Unidas. Entretanto, uma parte do território que integrava o Mandato, a Transjordânia, já se havia tornado independente em 1946, com o nome de Jordânia. Isto viria a ter consequências em termos de distribuição de populações.

    As Nações Unidas aceitaram a responsabilidade de encontrar uma solução justa para a questão, tendo proposto, através da resolução da Assembleia Geral n.º 181, de 29 de novembro de 1947, o fim do Mandato para a Palestina, a divisão da Palestina em dois Estados independentes, um árabe e o outro judeu, e o estabelecimento de um regime especial internacional para a cidade de Jerusalém, administrado pelas Nações Unidas. Esta resolução teria diferentes interpretações e aceitação por parte das lideranças árabes e judaicas.

    A questão da cidade de Jerusalém viria a ser profundamente alterada pelas circunstâncias da anexação de Jerusalém Oriental pela Jordânia, em 1950, e pela posterior ocupação de Jerusalém Oriental por Israel, na sequência da Guerra dos Seis Dias, o que tornou a situação de Jerusalém ainda mais inflamada. O Mandato Britânico para a Palestina afirmava a garantia do livre acesso aos espaços de culto de três religiões (judaísmo, islamismo e cristianismo) e do livre exercício do culto. Mas esta é uma questão que ainda mantém elevados índices de conflitualidade entre os representantes das diferentes populações e dos líderes das três religiões.

    O Mandato para a Palestina terminou em 1948.

    Bibliografia

    Impressa

    DERSHOWITZ, A. (2003). The Case for Israel. John Wiley and Sons, Inc.

    DERSHOWITZ, A. (2019). Defending IsraelThe Story of My Relationship with My Most Challenging Client. All Points Books.

    HUREWITZ, J. C. (1979). The Middle East and North Africa in World Politics. A Documentary Record. (British-French Supremacy, vol. 2). New Haven: Yale University Press.

    UNITED NATIONS (1978). Special Unit on Palestinian Rights, United Nations, Committee on the Exercise of the Inalienable Rights of the Palestinian People, Origins and Evolution of the Palestine Problem: 1917-47.

     

    Digital

    Convention Between the United States of America and Great Britain, signed at London, December 3rd, 1924,    https://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/History/US_UK_Convention_1924.pdf

    (acedido a 06.03.2024).

    FIELDHOUSE, D. K. (2008). “Palestine: The British Mandate, 1918-1948”. In Western Imperialism in the Middle East 1914-1958, Oxford, https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199540839.003.0005 (acedido a 24.10.2022).

    “Pre-State Israel: The San Remo Conference, April 19-26, 1920”, https://www.jewishvirtuallibrary.org/the-san-remo-conference  (acedido a 06.03.2024).

     

    Autores: Rute Baptista

    Francisco Andrade

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