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    Mehta, Hansa [Dicionário Global]

    Hansa Jivraj Mehta nasceu a 3 de julho de 1897 em Surat, Gujarat. Estudou Filosofia no Baroda College e, posteriormente, Jornalismo e Sociologia em Inglaterra. Em 1920, em Londres, Mehta conheceu Sarojini Naidu, que mais tarde a apresentaria a Mahatma Gandhi e ao movimento de libertação das mulheres indianas.

    A sua carreira política foi marcada pela sua vitória nas eleições do Conselho Legislativo de Bombaim em 1937. Recusando-se a concorrer a um lugar reservado, ela participou nas eleições como candidata de categoria geral, permanecendo no conselho até 1949. Durante este período, Mehta envolveu-se profundamente na Conferência das Mulheres da Índia e tornou-se a sua presidente em 1946. Ainda durante a sua presidência, redigiu a Carta de Direitos e Deveres das Mulheres Indianas, que exigia igualdade de género e direitos civis para as mulheres, enquanto, simultaneamente, em 1946, serviu como membro do subcomité das Nações Unidas sobre o estatuto das mulheres. Foi vice-presidente, juntamente com Eleanor Roosevelt, do Comité da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e tornou-se a primeira vice-chanceler feminina na Índia, tendo sido nomeada na Universidade SNDT (SNDT Women’s University, a primeira universidade feminina no sudeste asiático, fundada em 1915) em Bombaim (GOPAL JAYAL, 2022; AWASTHI, 2018).

    Hansa Mehta destaca-se pela importância da sua dedicação nos movimentos de não-cooperação e swadeshi (movimento caracterizado pela autossuficiência indiana, enquadrando-se no desejo independentista, contribuindo para o nacionalismo indiano). O seu envolvimento na luta pela liberdade da Índia levou à sua detenção em 1932, tendo, não obstante, pertencido ao pequeno grupo de apenas 15 mulheres que redigiram a Constituição Indiana. Foi eleita para a Assembleia Constituinte de Bombaim sob a bandeira do Partido do Congresso, defendendo veementemente os direitos das mulheres, participando ainda nos debates sobre o código civil uniforme e a reserva.

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi desenvolvida na sequência das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e da falta de respeito pelos direitos humanos. A tarefa de redigir a Declaração coube à Comissão de Direitos Humanos da ONU, mas o seu conteúdo foi influenciado por vários outros órgãos da ONU, como a Terceira Comissão da Assembleia Geral, assim como ONGs, como a União Internacional das Ligas Católicas de Mulheres. Múltiplas mulheres deixaram uma marca indelével na Declaração Universal dos Direitos Humanos, contudo, desde a sua redação, muita pouca atenção foi atribuída ao estudo da contribuição das mulheres não-ocidentais para a redação da sua forma final. Hansa enquadra-se neste grupo de mulheres frequentemente desprezado. Como delegada na Comissão de Direitos Humanos da ONU (1947 a 1948), foi uma defensora incansável dos direitos das mulheres na Índia e no estrangeiro. É amplamente reconhecida por ter feito uma mudança significativa na linguagem do art. 1.º da DUDH, substituindo a frase “Todos os homens nascem livres e iguais” por “Todos os seres humanos nascem livres e iguais” (OHCHR. 2018).

    A DUDH foi escrita numa época em que os impérios coloniais estavam gradualmente a desmoronar-se. O facto de as representantes femininas nos vários comités da ONU desses países recém-independentes terem vivenciado a desigualdade, não só como mulheres, mas também como minorias étnicas, explica a necessidade que estas sentiram em alterar a linguagem política tradicional neste novo documento (OHCHR, 2018; WALTZ, 2002, 444).

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi oficialmente adotada em 1948, produto de discussões prolongadas e debates em várias reuniões da Comissão de Direitos Humanos da ONU (CDHNU). Mehta foi uma voz fundamental na sua conceção. Após Pandit, é provavelmente a representante feminina indiana mais conhecida na ONU. Em 1947, foi nomeada delegada indiana no CDH (Conselho de Direitos Humanos), como redatora da Declaração de Direitos Humanos. Através das várias sessões da comissão, discussões e debates, trabalhou incansavelmente para tornar a Carta de Direitos inclusiva e potente. Uma fervorosa defensora de um acesso igual à justiça, em fevereiro de 1947, Mehta apresentou um projeto de resolução sobre direitos humanos que incorporava o direito de acesso às Nações Unidas sem risco de retaliação sempre que houvesse uma violação real ou teórica dos direitos humanos. Além disso, defendia vigorosamente o direito à igualdade, sem distinção de nacionalidade ou crença política, o direito à educação e o direito à propriedade (WALTZ, 2002, 443-444).

    Percecionava a Declaração de Direitos Humanos não como mera retórica, mas como uma promessa de que a ONU faria tudo ao seu alcance para a cumprir. Ao longo de seu trabalho na CDH, Hansa insistia em que a comissão não deveria prometer o que não podia cumprir, e a carta de direitos não deveria ser uma mera declaração sem responsabilidade por parte de seus signatários, exigindo execução e não apenas supervisão da manutenção dos padrões básicos de direitos humanos pelos Estados-Membros da ONU.

    Estava consciente da necessidade de ir além do paradigma da soberania nacional, sobretudo pelo seu conhecimento da limitação de uma abordagem centrada no Estado, ao controlar violações dos direitos humanos sem uma “máquina de implementação” para fazer cumprir a Carta de Direitos. Relatando ao Governo indiano a reunião de 1947 da Comissão de Direitos Humanos em Nova Iorque, expressa a sua desilusão com o funcionamento da comissão, pelo facto de os membros evitaram as questões principais e falaram em “círculos” sobre o assunto, sem chegar a um ponto definitivo. Mehta estava preocupada com a representação igualitária entre os membros da comissão e desconfiava da representação nos subcomités, uma preocupação compartilhada por alguns outros membros. Devido à preocupação de que o mesmo procedimento pudesse ser duplicado no subcomité redator da Carta de Direitos, Mehta e os seus conselheiros, Dr. Lankan Sundaram e Sr. Natarajan, apresentaram uma resolução que propunha a composição de um subcomité de redação composto por 11 membros, a ser formalmente liderado pela delegação indiana no momento apropriado. Esses membros seriam os EUA, a China, o Egito, a França, a Índia, o Irão, o Líbano, o Panamá, a República das Filipinas, o Reino Unido, a URSS e o Uruguai (JAIN, 2003, 43-46 e 49).

    Hansa Mehta propôs, igualmente, uma resolução ao plenário da Assembleia Geral destinada a discutir determinadas questões, como a forma que a Carta de Direitos deveria assumir e o seu conteúdo, ou seja, categorizando direitos, a sua aplicação e, mais importante, a sua implementação. Embora Mehta tenha incentivado a resolução como base para discussões futuras, ficou desapontada pelo facto de os pontos centrais se perderem em discussões sobre questões gerais, enunciando altos princípios e discutindo teorias sociais.

    Enfatizando repetidamente a necessidade de uma máquina que supervisionasse a adesão aos direitos humanos, desejava impedir casos de violação, ao responsabilizar as partes infratoras. Por motivos históricos, Hansa defendia uma razão moral para a Índia assumir uma posição nesse assunto. Ela escreveu para o seu Governo, questionando que atitude a sua nação pretendia adotar em relação à questão da carta. Instigando o governo indiano, ao reconhecer as complicações das questões de implementação e da soberania nacional, referindo, subtilmente, ao Governo indiano que, recentemente, se havia levantado a questão sul-africana no assunto. Por estes motivos, afirmava que chegara a altura de a Índia liderar. O discurso de Mehta na Comissão de Direitos Humanos da ONU ilustra significativamente a sua visão dos direitos humanos (OHCHR, 2018; GOPAL JAYAL, 2022; AWASTHI, 2018).

    Defendeu perante a comissão que a carta deveria ser um documento simples e direto, de fácil compreensão, acompanhado de uma máquina adequada que garantisse a sua aplicação nos Países Membros. Reforçando a necessidade de uma abordagem prática para a questão, como também foi observado na sua insistência numa linguagem simples, a carta deveria ser compreensível com uma linguagem jurídica e prática precisa, definindo “minoria” e o que contava como discriminação. Ela insistia em que a carta proposta precisava de uma definição adequada e inequívoca das relações entre o indivíduo, a comunidade, o Estado e a organização internacional, que não era tentada pela comissão e, eventualmente, pela ONU (JAIN, 2003, 43-46 e 49).

    Para concluir, Hansa Mehta, como Eleanor Roosevelt, foi fundamental para a proteção formal e internacional dos direitos das mulheres, o que era inédito até à altura, um dos múltiplos exemplos da sua ação foi garantir a igualdade no casamento para as mulheres por meio do art. 16.º da DUDH. Posteriormente, Mehta foi nomeada a primeira vice-chanceler da Universidade Maharaja Sayajirao de Baroda, sendo mais tarde homenageada com a denominação de uma biblioteca em sua honra, em 1959, pelos seus serviços não só em nome das mulheres, mas de nações previamente descartadas internacionalmente. Pelos seus esforços, o governo indiano concedeu-lhe o prémio Padma Bhushan. Hanja Jivrai Mehta faleceu a 4 de abril de 1995, com 98 anos (OHCHR, 2018; GOPAL JAYAL, 2022; AWASTHI, 2018).

    No Dia Internacional dos Direitos Humanos, a 10 de dezembro, recordam-se figuras como Hansa Jivraj Mehta, a delegada indiana na Comissão de Direitos Humanos da ONU, de 1947 a 1948, que insistiu na importância em reformular a Declaração dos Direitos Humanos, assegurando uma linguagem mais sensível ao género e facilmente compreendida por todos os leitores (United Nations, 2018) (CHATTERJEE, 2020).

    Bibliografia

    Impressa

    JAIN, S. (2003). Encyclopaedia of Indian Women through the Ages: Period of Freedom Struggle. New York, NY: Gyan Publishing House.

    WALTZ, S. (2002). “Reclaiming and Rebuilding the History of the Universal Declaration of Human Rights”. Third World Quarterly, 23 (3), 437-348.

    Digital

    AWASTHI, S. (2018, 22 de janeiro). “Hansa Jivraj Mehta: Freedom Fighter, Reformer; India Has a Lot to Thank Her For”. The Indian Express, https://indianexpress.com/article/gender/hansa-jivraj-mehta-freedom-fighter-reformer-india-has-a-lot-to-thank-her-for-5034322 (acedido a 03.02.2024).

    CHATTERJEE, D. (2020, 10 de dezembro). “Human Rights Day: Here’s How Hansa Mehta, Lakshmi Menon Made India Proud”. NDTV.com, https://www.ndtv.com/india-news/human-rights-day-2020-hansa-mehta-and-lakshmi-menon-the-indian-women-gave-shape-to-human-rights-declaration-at-un-2336655> (acedido a 03.02.2024).

    GOPAL JAYAL, N. (2022, 12 de setembro). “Hansa Mehta: An Early Indian Feminist”. South Asia@LSE, https://blogs.lse.ac.uk/southasia/2022/09/12/hansa-mehta-an-early-indian-feminist (acedido a 03.02.2024).

    “Hansa Jivraj Mehta”, https://www.constitutionofindia.net/members/hansa-jivraj-mehta (acedido a 03.02.2024).

    OHCHR (2018). “The Role of Women in Shaping the Universal Declaration of Human Rights”, https://www.ohchr.org/en/stories/2018/03/role-women-shaping-universal-declaration-human-rights (acedido a 03.02.2024).

    UNITED NATIONS (2018). “Human Rights Day – Women Who Shaped the Universal Declaration”, https://www.un.org/en/observances/human-rights-day/women-who-shaped-the-universal-declaration (acedido a 03.02.2024).

     

    Como citar:

    Santos, J. (2022). “Mehta, Hansa”. In J. E. Franco, P. Jerónimo, S. M. Alves-Jesus, T. C. Moreira (coords.). Dicionário Global dos Direitos Humanos. [https://dignipediaglobal.pt/dicionario-global/mehta-hansa] [ISBN: 978-989-9012-74-5]

    Escrito por -

    Joana Filipa da Silva Santos nasceu a 7 de agosto de 2001. Completou a licenciatura em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2022) e uma pós-graduação em Criminologia na instituição Cognos (2023). Atualmente, está a frequentar o Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa, especializando-se em Relações Internacionais. Estagiou como investigadora no Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta, contribuindo para o projeto Madeira Global: Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira, e tendo participado ativamente em múltiplos congressos internacionais, como “Direitos Humanos: História, Atualidade e Utopias em Contexto de Globalização”, “Independências, Escravidão, Imigração e Brasilidade” e “Guerra e Paz na Era da Globalização”. É autora do livro O príncipe das papoilas, publicado em 2023, e investigadora no projeto Dignipédia Global. O seu foco abrange História, Arqueologia e Ciências Políticas.

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