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    Organização das Nações Unidas [Dicionário Global]

    A Organização das Nações Unidas (ONU), organização internacional de âmbito universal, foi oficialmente criada a 24 de outubro de 1945, data da entrada em vigor da Carta das Nações Unidas (1945). Em 2022, era composta por 193 Estados-Membros.

     

    A Carta das Nações Unidas e os direitos humanos

    A Carta das Nações Unidas, tratado internacional constitutivo da ONU, consagra várias referências a direitos humanos: no Preâmbulo: “Nós os povos das Nações Unidas, decididos a […] a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres” (2.º considerando); nos objetivos da ONU: “realizar a cooperação internacional […] promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (n.º 3 do art. 1.º); no capítulo dedicado à cooperação económica e social internacional, que reitera o objetivo do “respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos […]” (art. 55.º) e que comete o exercício desta competência à Assembleia Geral (v. ainda, art. 13.º, n.º 1, alínea b)) e, sob a sua autoridade, ao Conselho Económico e Social (art. 60.º; v. ainda capítulo X, em especial os arts. 62.º e 68.º); a previsão, no art. 68.º, da criação, pelo Conselho Económico e Social, de uma comissão para a proteção dos direitos do Homem, que se concretizou, logo no início de 1946, com a criação da Comissão de Direitos Humanos (antecedente do atual Conselho dos Direitos Humanos, criado em 2006). As referências a direitos humanos são, contudo, dispersas. A promoção e o respeito dos direitos humanos constituíam somente um dos objetivos da ONU, estreitamento ligado à manutenção da paz e segurança internacionais. O desenvolvimento do sistema universal de proteção dos direitos humanos da ONU resulta, assim, da prática dos seus Estados-Membros e dos órgãos da ONU, bem como dos organismos dos tratados de proteção de direitos humanos, posteriormente adotados no quadro da ONU.

     

    Os instrumentos jurídicos da ONU de proteção dos direitos humanos

    A Carta das Nações Unidas não contém um catálogo de direitos humanos, mas a elaboração de instrumentos de direitos humanos constitui um dos maiores sucessos da ONU.

    Na sua primeira sessão (1946), a Assembleia Geral da ONU analisou um projeto de declaração sobre direitos humanos e liberdades fundamentais e transmitiu-o ao Conselho Económico Social, “para que a Comissão dos Direitos do Homem o examine quando proceder à elaboração de uma carta internacional (Resolução 43 (I)”. Em 1948, através da sua Resolução 217 A (III), de 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Concebida como “um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as Nações”, continua a ser uma fonte de inspiração fundamental na promoção e proteção dos direitos humanos.

    Conjuntamente com o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC)] e o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ambos adotados pela Assembleia Geral, através da sua Resolução 2200A (XXI), de 16 de dezembro 1966, formam a denominada Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Human Rights). Os dois pactos, PIDESC e PIDCP,  foram adotados e abertos à assinatura, ratificação e adesão a 16 de dezembro de 1966 e entraram em vigor na ordem jurídica internacional a 23 de março de 1976.

    A ONU adotou numerosos tratados e outros instrumentos jurídicos de proteção dos direitos humanos que têm contribuído para a expansão do direito internacional dos direitos humanos. Em 2022, eram nove os principais tratados de direitos humanos que integravam o sistema internacional de proteção de direitos humanos da ONU: para além do PIDESC e do PIDCP, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias (1990), a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados (2006) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006).

    Os nove principais tratados de proteção de direitos humanos vinculam os Estados que os ratifiquem a obrigações de respeito, proteção e promoção dos direitos humanos. No âmbito de cada um destes tratados ou de um dos seus respetivos protocolos, é criado um organismo específico (em regra, designado “comité”) com competência para monitorizar a implementação pelos Estados das obrigações assumidas, bem como de controlo das violações dos direitos consagrados pelos tratados (Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais; Comité dos Direitos Humanos; Comité para a Eliminação da Discriminação Racial; Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres; Comité contra a Tortura; Comité dos Direitos da Criança; Comité para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias; Comité contra os Desaparecimentos Forçados; e Comissão para os Direitos das Pessoas com Deficiência). Os Estados estão obrigados à apresentação periódica de relatórios sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciais que adotaram para implementar os direitos consagrados nos tratados, sendo os relatórios públicos e objeto de exame pelos comités. Nos casos em que os Estados Partes tenham reconhecido a competência dos comités para esse efeito, os mecanismos de monitorização e controlo incluem, ainda, inquéritos, comunicações/queixas interestaduais e comunicações/queixas individuais (queixas de indivíduos ou grupos de indivíduos que considerem ter sido vítimas de uma violação de um direito consagrado nos tratados por um Estado parte desse tratado).

    Os comités adotam comentários gerais ou recomendações, que interpretam as normas dos tratados que monitorizam com vista à sua implementação pelos Estados. Não obstante a sua não vinculatividade, a prática conforme dos Estados, bem como a invocação dos comentários por comités, por tribunais nacionais e tribunais internacionais, tem contribuído para a formação de normas costumeiras.

     

    Os principais órgãos da ONU e os direitos humanos

    Os seis principais órgãos da ONU – Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Económico e Social, Conselho de Tutela, Tribunal Internacional de Justiça e Secretariado (art. 7.º, n.º 1, da Carta das Nações Unidas – desempenham importantes funções em matéria de direitos humanos. Não se inclui aqui o Conselho de Tutela, atendendo a que suspendeu as suas funções em 1994.

    A Assembleia Geral, constituída por todos os membros das Nações Unidas (art. 9.º, n.º 1), debate qualquer assunto no âmbito dos direitos humanos (art. 10.º), promove estudos e adota recomendações e declarações de promoção de proteção dos direitos humanos (art. 13.º), aprova resoluções que adotam tratados de proteção de direitos humanos, examina os relatórios anuais dos organismos específicos dos tratados de proteção dos direitos humanos (comités) e examina relatórios de ordem geral e sobre a situação de países específicos no domínio dos direitos humanos.

    O Conselho de Segurança é constituído por 15 membros, cinco dos quais são membros permanentes (China, Estados Unidos da América, França, Reino Unido e Rússia) e dispõem de direito de veto em questões não procedimentais (arts. 23.º e 27.º). sendo o principal responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais (art. 24.º), as decisões do Conselho de Segurança são vinculativas para os Estados-Membros da ONU (art. 25.º). Apesar de a Carta não lhe atribuir competências específicas em matéria de promoção e proteção dos direitos humanos, a progressiva expansão do conceito de “ameaça à paz”, com a caracterização de violações graves de direitos humanos e de direito internacional humanitário como uma ameaça à paz (ex-Jugoslávia, Ruanda, República Democrática do Congo…), suscetível de desencadear uma ação ao abrigo do capítulo VII da Carta (ação em caso de ameaça à paz, rutura da paz ou ato de agressão), tem possibilitado uma crescente atuação do Conselho de Segurança contra violações graves, sistemáticas e maciças de direitos humanos. A criação, pelo Conselho de Segurança, do tribunal ad hoc para a ex-Jugoslávia (resolução 827(1993), mandato de 1993-2017) e do tribunal ad hoc para o Ruanda (resolução 955(1994), mandato de 1994-2015), para punir os responsáveis por crimes internacionais cometidos nos respetivos territórios, foi igualmente justificada com o seu “contributo para a restauração e manutenção da paz”.

    O Conselho Económico e Social é constituído por 54 membros (art. 61.º). Órgão com competências em matéria de direitos humanos consagradas na Carta das Nações Unidas (v. supra), coordena um complexo sistema de órgãos subsidiários (art. 68.º), composto por comissões regionais, comissões funcionais (como, por exemplo, a Comissão sobre o Estatuto das Mulheres), órgãos ad hoc e peritos, para a proteção dos direitos humanos.

    O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o órgão judicial da ONU, é um tribunal permanente universal, composto por 15 juízes independentes (art. 3.º, Estatuto do TIJ). Possui competência consultiva e contenciosa, mas não tem competência para apreciar queixas/comunicações de indivíduos. Somente os Estados podem ser partes nos litígios perante o TIJ. Inicialmente concebido como um “Tribunal de Estados soberanos”, tem vindo a assumir um papel significativo no sistema de proteção de direitos humanos – entre outros casos, destacamos o caso Obligation to prosecute or extradite (2012), no qual se reconhece a proibição da tortura como norma de jus cogens, obrigações erga omnes dos Estados.

    O Secretariado é constituído pelo secretário-geral e pessoal da ONU (art. 97.º). O secretário-geral da ONU não é um órgão autónomo da ONU, mas tem assumido crescente relevo político. Caracterizado como “porta-voz dos interesses dos povos e do mundo, em particular dos mais pobres e vulneráveis”, preside ao “Chief executive board for coordination”, que reúne os responsáveis das agências, fundos e programas da ONU e tem os direitos humanos no centro da agenda.

    Outros organismos e entidades relevantes de proteção dos direitos humanos: em especial, o Conselho de Direitos Humanos

    O Conselho de Direitos Humanos foi criado, pela Resolução da Assembleia Geral 60/251, de 2006, como órgão subsidiário da Assembleia Geral, tendo substituído a Comissão dos Direitos Humanos (v. supra). Composto por 47 membros, eleitos pela Assembleia Geral, é considerado o mais importante órgão da ONU em matéria de promoção, monitorização e proteção de todos os direitos humanos. Os seus mecanismos de controlo (alguns herdados da extinta Comissão de Direitos Humanos, v. Resolução 60/251, §6) incluem, entre outros, i) comunicações/queixas, apresentadas pelas vítimas, familiares das vítimas ou organizações internacionais; ii) procedimentos especiais (procedimento ex 1235), peritos independentes mandatados para a avaliação de direitos humanos numa perspetiva temática (como, por exemplo, o relator especial para os direitos das pessoas com deficiência) ou relativamente a um Estado em concreto (como, por exemplo, o relator especial sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão); e iii) o mecanismo de revisão periódica universal, que avalia as obrigações e os compromissos de todos os Estados-Membros da ONU, a cada quatro anos e meio.

      No quadro da ONU, têm sido criados múltiplos organismos e entidades com competências em matéria de direitos humanos, como sucede com a Organização para a Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas (UNESCO), a Organização Mundial de Saúde (OMS), bem como o Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF) ou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

     

    A responsabilidade de proteger

    Nos parágrafos 138 e 139 das Conclusões da Cimeira mundial da ONU de 2005, os chefes de Estado e de governo reconheceram a responsabilidade individual de cada Estado de proteger as suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Assumiram que a comunidade internacional tem a responsabilidade coletiva de proteger (R2P), encorajando e auxiliando os Estados a exercer a sua R2P, bem como a adotar uma ação coletiva, através do Conselho de Segurança e de acordo com a Carta das Nações Unidas, quando os meios pacíficos de resolução de controvérsias se revelem inadequados e o Estado falhe manifestamente a proteção da sua população. As Conclusões da Cimeira Mundial de 2005 foram adotadas através da resolução da Assembleia-Geral da ONU 60/1, de 24 de outubro de 2005. A responsabilidade de proteger reforça a soberania dos Estados ao afirmar que a responsabilidade de proteger cabe primariamente a si, mas relativiza o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados ao reconhecer a responsabilidade da comunidade internacional de atuar coletivamente quando o Estado não proteja a sua população.

    Portugal e a ONU

    Portugal tornou-se membro da ONU a 14 de dezembro de 1955, em sessão especial da Assembleia Geral. A declaração de aceitação por Portugal das obrigações constantes da Carta das Nações Unidas foi depositada junto do secretário-geral a 21 de fevereiro de 1956 (data da entrada em vigor para Portugal). Portugal integrou o Conselho de Segurança, como membro eleito não permanente, nos biénios 1979-1980, 1997-1998 e 2011-2012. Foi, igualmente, membro eleito do Conselho Económico e Social das Nações Unidas no triénio 2015-2017 e no triénio que expirou em dezembro de 2023. Diogo Freitas do Amaral foi presidente da Assembleia-Geral na 50.ª sessão (1995-1996). António Guterres desempenhou as funções de alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (2005-2015) e foi designado secretário-geral das Nações Unidas para um mandato de cinco anos, que se iniciou em 2017. Portugal é um membro ativo e participa nas principais agências e programas especializados da ONU. Portugal foi membro da Comissão de Direitos Humanos em 1979-1981, 1988-1993 e 2000-2002. Após a substituição desta Comissão pelo Conselho de Direitos Humanos, Portugal foi eleito por um triénio, que expirou em 2017.

    Portugal é Estado Parte dos principais tratados de proteção internacional dos direitos humanos, com exceção da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias, tendo aceitado a jurisdição dos organismos dos tratados a que se encontra vinculado.

    Bibliografia

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    COT, J. P. et al. (eds.) (2005). La Charte des Nations Unies – Commentaire Article par Article (3.ª ed.). Paris: Economica.

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    SIMMA, B. et al. (ed.) (2012). The Charter of the United Nations: A Commentary (3.ª ed.). Oxford: Oxford University Press.

    UNITED NATIONS (1947). “Part one – The United Nations, I. origin and evolution of the United Nations”. In Yearbook of the United Nations: 1946-47 (1-50). New York: United Nations.

    VOLGER, H. (ed.) (2010). A Concise Encyclopedia of the United Nations (2.ª ed.). Leiden: Martinus Nijhoff.

    WEISS, T. G. & DAWS, S. (2020). The Oxford Handbook on the United Nations (3.ª ed.). Oxford: Oxford University Press.

    Autora: Ana Isabel Soares Pinto

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