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  • Pacto da Sociedade das Nações (1919)

    Pacto da Sociedade das Nações (1919)

    1. A Primeira Guerra Mundial (I GM) marcou definitivamente o curso da história da humanidade, não apenas por se ter tratado de uma guerra atroz que não conheceu limites no sofrimento provocado e nas atrocidades humanas cometidas, como também por ter mudado, de forma significativa, a geografia do continente europeu. Também teve outro efeito significativo que foi o surgimento de uma organização internacional que procurou limitar o recurso à guerra. A ideia de uma organização reguladora da ordem internacional foi uma novidade, apesar de já existirem outras experiências embrionárias, sobretudo ligadas à área das comunicações. No entanto, esta ideia seria materializada no pós-I GM, e por iniciativa do presidente norte-americano Woodrow Wilson. Em 8 de janeiro de 1918, o presidente Woodrow Wilson dirigiu-se ao Congresso norte-americano, um discurso que ficou conhecido como os “14 Pontos de Wilson”. Wilson advogou, num desses pontos, que se tornava “necessário que uma organização geral das nações seja constituída ao abrigo de pactos específicos tendo como objetivo assegurar garantias mútuas de independência política e integridade territorial tanto aos pequenos como aos grandes estados”. Assim, estava dado o primeiro impulso para o surgimento de uma organização baseada no princípio do internacionalismo universalista (CUNHA & PEREIRA, 2004, 513). Essa organização seria a Sociedade das Nações (SdN) cujo tratado fundador – o Pacto da Sociedade das Nações – se encontrava integrado na parte I do Tratado de Versalhes de 1919, que pôs fim à referida guerra. Assim, o Pacto da SdN foi redigido em fevereiro de 1919 (BROWNLIE, 1963, 55), tendo sido assinado a 28 de junho de 1919, à semelhança de todo o Tratado de Versalhes, na Conferência de Paz de Paris, e entrado em vigor a 10 de janeiro de 1920. Um facto relevante é o de que, muito embora a ideia de uma organização internacional tenha partido do presidente norte-americano, os Estados Unidos da América não se vincularam o Tratado de Versalhes, em virtude de o Senado não o ter subscrito, pretendendo regressar ao isolacionismo afirmado pela doutrina de Monroe. Em todo o caso, a SdN trouxe também uma marca de proteção dos ↗direitos humanos, muito embora esses apenas viessem a ser internacionalmente consagrados no final da década de 40 do século XX, com a adoção da ↗Declaração Universal dos Direitos Humanos. O caso do Tratado das Minorias entre os Principais Aliados e Potências Associadas e a Polónia, conhecido como Tratado das Minorias Polacas, é disso exemplo. Este tratado foi assinado a 28 de junho de 1919, no entanto ele foi imposto à Polónia. Nele, a Polónia compromete-se a proteger a vida e a liberdade de todos os habitantes da Polónia, sem qualquer discriminação de nascimento, nacionalidade, língua, raça ou religião (artigo 2.º). Mais do que isso, a Polónia ficou obrigada a conceder a nacionalidade polaca a qualquer residente habitual no seu território à data da entrada em vigor do Tratado das Minorias Polacas (artigo 3.º).
    2. A SdN tinha um conjunto de propósitos muito relevantes para a época em que foi criada. De entre eles destacam-se o respeito pelos Estados do Direito Internacional, o fomento de medidas preventivas para evitar que os Estados recorressem à guerra e a repressão dos Estados que infringissem essa regra, por meio da aplicação de sanções (CUNHA & PEREIRA, 2004, 150). Um dos aspetos mais complexos do Pacto da Sociedade das Nações reside no facto de este não proibir o recurso à guerra, mas sim limitar o direito dos estados de a ela recorrerem. Esta questão, aliás, seria definida de modo mais efetivo na ↗Carta da Organização das Nações Unidas, onde se optou por uma proibição da ameaça e do uso da força. Esta é uma diferença considerável, se observarmos que a Carta da ONU utiliza um termo força, que é mais amplo do que a guerra, proibindo não apenas o seu recurso como também a ameaça do seu uso (LOPES, 2020, 29). A opção de não proibir a guerra, mas sim apenas retardá-la, mostrou que este tratado foi uma “criatura do seu tempo” (BROWNLIE, 1963, 56).

    O Pacto da Sociedade das Nações tem um preâmbulo curto e um articulado de 26 artigos, um número muito reduzido se comparado com a ↗Carta da Organização das Nações Unidas, a organização que a vai suceder no pós-II Guerra Mundial. No preâmbulo do Pacto da SdN, as altas partes contratantes entendem que, para um desenvolvimento das relações de cooperação entre as nações com a finalidade de garantir a paz e a sua segurança, torna-se premente “aceitar certas obrigações de não recorrer à guerra”, bem como que as relações internacionais devem basear-se na justiça e na honra, assim como “observar rigorosamente as prescrições do Direito Internacional, reconhecidas de ora em diante como regra de conduta efetiva dos Governos”.

    O artigo 1.º do Pacto da SdN é dedicado aos membros da organização, distinguindo-se aqui entre membros fundadores – todos aqueles que era signatários do Tratado de Versalhes e cujos nomes figuravam no anexo ao Pacto – os membros convidados – sendo estes os Estados não signatários do Tratado de Versalhes, mas que pretendessem e viessem a aderir ao Pacto da SdN – e, por fim, os membros eleitos – todos aqueles não referidos nos anexos e que fossem “Estados, Domínios ou Colónias que se governe livremente”, sendo requerido que a sua admissão fosse aceite por dois terços da Assembleia. Sobre estes membros pendiam alguns requisitos específicos, tais como o facto de serem um “Estado, Domínio ou Colónia que se governe livremente” – no caso, os territórios britânicos que tinham alguma capacidade internacional – bem como darem “garantias efetivas de sua sincera intenção de observar os compromissos internacionais”, e, por último, qu??e “adote o regulamento estabelecido pela Sociedade sobre suas forças e armamentos militares, navais e aéreos”.

    O Pacto da SdN, no seu artigo 2.º, previa três órgãos da organização, a saber: a Assembleia, o Conselho e um Secretariado Permanente. A sua composição e modo de funcionamento estavam definidos nos artigos seguintes. O artigo 3.º define a Assembleia como o órgão político e deliberativo da SdN, composto por representantes dos Estados membros e com a competência para tratar de qualquer questão “que entre na esfera de atividade da Sociedade ou que afete a paz no mundo”. O Pacto não o afirma expressamente, mas a doutrina aponta a Assembleia como órgão supremo em relação aos demais órgãos (CUNHA & PEREIRA, 2004, 515). O Conselho é definido, nos termos do artigo 4.º, como um órgão composto por delegados das principais potências aliadas e associadas, para além de representantes de quatro outros membros da Sociedade. Diz o artigo 4.º que, inicialmente, estes quatro membros eram os representantes da Bélgica, Brasil, Espanha e Grécia, pelo menos até que a Assembleia procedesse à eleição dos quatro membros. Determina ainda o referido artigo que o “Conselho conhece de toda a questão que caiba na esfera de atividade da Sociedade ou que afete a paz no mundo”, o que é muito semelhante às competências conferidas à Assembleia. No entanto, o Conselho estava essencialmente vocacionado para prevenir quaisquer diferendos entre Estados, procurar a resolução pacífica das controvérsias e evitar ou, pelo menos, retardar o recurso à guerra nas relações internacionais. Neste contexto, o artigo 8.º assume especial relevância por reconhecer ao Conselho o papel central no delineamento de uma estratégia de redução dos armamentos dos estados, sublinhando a importância dessa redução para a manutenção da paz internacional. Assim, cabia ao Conselho trabalhar com cada Estado e fixar limites, relativos à detenção de armamentos pelos diferentes Estados, tendo em consideração as situações particulares de cada um. Uma vez fixados esses limites, os Estados estavam proibidos de os exceder sem o consentimento do Conselho. Relativamente ao sistema de votação da Assembleia e do Conselho, determina o artigo 5.º que estes dois órgãos devem, regra geral, adotar as decisões por unanimidade de todos os membros da Sociedade representados em reunião. Nas questões procedimentais, apenas se exige uma maioria simples dos membros representados.

    No que tange aos demais órgãos previstos, vimos o Pacto da SdN estabelecia ainda o Secretariado permanente, enquanto “instrumento técnico de trabalho” (CUNHA & PEREIRA, 2004, 516) da SdN. Era composto por um Secretário-Geral, assistido por um secretário adjunto e por subsecretários-gerais, estes alocados às várias secções da organização.

    Refira-se, ainda que, nos termos do artigo 14.º, se determinava que o Conselho se encarregaria de propor a criação de um Tribunal permanente de Justiça Internacional, com competência para conhecer todas os litígios entre Estados-Partes do Pacto da SdN, assim como para elaborar pareceres consultivos quando solicitados pela Assembleia ou o Conselho. Não sendo, portanto, um órgão da SdN, a sua existência estava prevista no Pacto que a criou. E efetivamente, em 1921, foi adotado o Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, antecessor do atual Tribunal Internacional de Justiça. Aquele Tribunal não deve ser confundido com o Tribunal especial previsto no artigo 227.º do Tratado de Versalhes para julgar o keaiser Guilherme II da Alemanha pela ofensa suprema contra a moralidade internacional e a santidade dos tratados, que não chegou a ser instituído.

    III. O artigo 10.º do Pacto da SdN tem uma especial relevância na economia do documento, na medida em que determina que os Estados parte se comprometem a respeito a integridade territorial dos outros Estados e a sua independência política. A formulação adotada era vista como demasiado vaga e entendida como uma obrigação moral e não como uma proibição geral do recurso à força (BROWNLIE, 1963, 62). No caso de um Estado infringir a independência ou integridade de outro Estado, cabia ao Conselho agir em conformidade para assegurar o cumprimento desta obrigação. Por outro lado, o artigo 11.º dedica-se às ameaças à ↗paz e expressa que qualquer ameaça ou guerra, indistintamente de afetar, ou não, um Estado-Parte, é do interesse de toda a Sociedade e que esta deverá agir em conformidade para garantir a manutenção da paz. Este reconhecimento é muito relevante, pois transfere para um interesse coletivo aquilo que até então estava restrito aos estados em conflito. Por outras palavras, a guerra passou a ser um assunto do interesse mundial. O Pacto da SdN trouxe ainda outra inovação na arena internacional e que é a obrigação de os membros da Sociedade submeterem à – arbitragem, a um processo judiciário ou ao exame do Conselho qualquer questão ou diferendo suscetível de derivar numa rutura da paz (artigo 12.º). Para além dessa submissão a uma destas três vias de resolução do diferendo, os Estados comprometiam-se a, em situação alguma, recorrer à guerra “antes de expirado o prazo de três meses depois da decisão arbitral ou judicial ou do relatório do Conselho” (artigo 12.º). Na prática, o Pacto da SdN procurou retardar o recurso à guerra, sem nunca a proibir. Esta falta de arrojo do Pacto, muito embora tenha sido um aspeto muito positivo, constituiu também uma das suas grandes fragilidades. Assim, em caso de uma situação que constitua uma rutura à paz, os Estados devem submeter a questão à arbitragem ou à decisão judicial nos termos do artigo 13.º. Caso não seja possível ou não exista um consenso, então os Estados devem submeter o caso para apreciação do Conselho, o qual procurará a resolução do diferendo (artigo 15.º). No entanto, também aqui o Pacto mostrou uma grande fragilidade, na medida em que, por um lado, caso o Conselho não seja capaz de resolver a divergência, então deverá produzir um relatório, o qual deve ser votado por “unanimidade ou por maioria de votos” – o que por si demonstra a grande dificuldade de um consenso – e no qual deve apresentar soluções. Por outro lado, o parágrafo sete do artigo 15.º dispõe que “caso o Conselho não consiga fazer aceitar o seu parecer (…) os membros da Sociedade reservam-se no direito de agir como julgarem necessário para a manutenção do direito e da justiça”. Desta forma, o Pacto permitia que os Estados-membros recorressem à guerra em circunstâncias concretas, violando o espírito do artigo 10.º que garantia a integridade territorial e independência política (BROWNLIE, 1963, 62). O artigo 15.º abriu, assim, a possibilidade de recurso à guerra em legítima defesa, que seria sempre admissível à luz dos princípios gerais de Direito internacional. No artigo 16.º afirmava-se que será considerado como tendo cometido um ato de guerra contra todos os membros da Sociedade, o Estado membro que não respeitar as disposições do Pacto e recorrer à guerra. Nestes casos, previa-se a aplicação de contramedidas que passavam pelo rompimento de relações comerciais e corte de comunicação com os cidadãos do Estado infrator. Cabia ainda ao Conselho deliberar sobre a questão, podendo tomar medidas que impusessem mesmo a expulsão do Estado infrator, votada por, depreende-se, unanimidade de todos os membros.

    IV. As fragilidades do Pacto da SdN ditaram a inoperância e irrelevância da organização face às violações da integridade territorial nos anos que se seguiram à entrada em atividade da Sociedade. Os casos mais flagrantes deram-se após a invasão italiana da Abissínia – atual Etiópia –, em 1935, tendo o imperador Haile Selassie requerido a ação do Conselho da SdN sem que este tenha sido capaz de debelar a agressão italiana. De igual forma, a invasão japonesa do território chinês da Manchúria, iniciada em 1931, mostrou a ineficácia da organização em fazer respeitar a integridade territorial de um Estado e um dos seus princípios fundamentais. De todas as vezes que o Conselho foi convocado para se pronunciar acerca da violação do artigo 10.º do Pacto da SdN, este procurou sempre evitar deliberar ao abrigo desse artigo, o que pode ser interpretado como, por um lado, resultado de os termos do artigo serem excessivamente vagos e de difícil interpretação e aplicação, e por outro lado, que o artigo 10.º não tinha relevância para os membros do Conselho (BROWNLIE, 2000, 66). Em todo o caso, a SdN foi incapaz de garantir a manutenção da paz com os resultados que conhecemos, isto é, o escalar dos nacionalismos que derivaram numa nova guerra na Europa e que alastrou ao mundo inteiro: a II Guerra Mundial. Em 20 de abril de 1946, o Tratado de Versalhes deixou de ter efeitos e a Sociedade das Nações, que já se encontrava praticamente defunta, foi dissolvida, dando lugar, em definitivo, à Organização das Nações Unidas.

    Bibliografia

    CUNHA, Joaquim da Silva & PEREIRA, Maria de Assunção do Vale, Manual de Direito Internacional Público, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2004.

    BROWNLIE, Ian, International Law and the Use of Force by States, Oxford: Oxford University Press, 1963.

    LOPES, José Azeredo, “Uso da Força e Direitos Internacional”, in LOPES, José Azeredo (coord.), Regimes Jurídicos Internacionais, volume I, Porto: Universidade Católica Editora, 2020, 8 – 211.

     

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