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    Pessoas Mais Velhas, Direitos das

    A expressão “direitos das pessoas mais velhas” advém do reconhecimento de que o processo de envelhecimento potencia situações de vulnerabilidade que exigem uma compreensão particular do alcance dos direitos humanos quando referidos às pessoas mais velhas. O tema, contudo, não é isento de dificuldades, que advêm, desde logo, da definição de “pessoa mais velha” e passam pelo nem sempre fácil equilíbrio entre o respeito pela autonomia das pessoas mais velhas e o reconhecimento da sua vulnerabilidade.

     

    1. Envelhecimento populacional e idadismo

    A relevância que atualmente tem vindo a assumir a questão dos direitos das pessoas mais velhas está associada ao envelhecimento e ao idadismo, fenómenos que se correlacionam e que constituem desafios verdadeiramente novos nas nossas sociedades.

    Com efeito, nunca, noutra época histórica, tantas pessoas viveram tanto tempo. Se é certo que a esperança de vida possível não se alterou (embora fossem casos raros, sempre houve pessoas que atingiram idades muito avançadas), o mesmo já não se pode dizer da esperança média de vida à nascença, que teve um crescimento muito significativo ao longo do século XX. Este é um motivo de celebração, que se deve ao progresso da ciência e à ação política, que conduziram à criação de condições sociais mais favoráveis à generalidade da população. Concomitantemente, a taxa de fecundidade diminuiu em todo o mundo, e de modo acentuado nos países do Norte Global, que se confrontam com sociedades cada vez mais envelhecidas.

    A conjugação destes dois fenómenos – o aumento da longevidade e o decréscimo da natalidade – conduziu a um acelerado envelhecimento populacional. Em Portugal, o índice de envelhecimento (número de pessoas com idade igual ou superior a 65 anos por cada 100 pessoas menores de 15 anos) situava-se, em 2022, em 183,5, quando em 1992 era de 73,8. Prevê-se que o índice de envelhecimento comece a estabilizar em meados do século XXI e que, no Portugal de 2080, se situa em cerca de 300. O envelhecimento populacional é assim um dos grandes desafios do século XXI, com incidência em vários domínios, como a saúde, a segurança social e o combate à discriminação e à violência contra as pessoas mais velhas.

    Não obstante o facto de a população mais velha não ser homogénea e de a idade avançada não ser sinónimo de doença ou incapacidade, certo é que, segundo dados de 2022, em Portugal apenas 16,6% das pessoas com 65 ou mais anos avalia positivamente o seu estado de saúde (a contrastar com 61,9% das pessoas entre os 16 e os 64 anos) e 71,1% afirmaram ter uma doença crónica ou problema de saúde prolongado (entre a população com idades entre os 16 e os 64 anos foram 34,6%). Por isso, com o aumento da população mais velha, estima-se que se verifique também um incremento das necessidades de cuidados, exigindo uma reorientação dos serviços de saúde para lidar com uma população cada vez mais envelhecida e com as suas especificidades.

    Também os sistemas de segurança social necessitarão de uma adaptação a esta nova realidade, de modo a garantir a sua sustentabilidade, o que passa não só pela reforma das suas regras, mas também por uma visão mais positiva da relação das pessoas mais velhas com o trabalho. Entre outros aspetos, é necessário reconhecer as suas capacidades de aprendizagem e valorizar a sua experiência como fatores de produtividade. Mas também valorizar o importante contributo que prestam, em primeira linha, às suas famílias, mas também, e consequentemente, a toda a sociedade, enquanto cuidadores. Isto implica uma política transversal de reconhecimento do valor social do cuidado informal.

    Por fim, refira-se o desafio do combate à discriminação e à violência contra as pessoas mais velhas. A idade pode constituir-se como um fator de discriminação, sempre que alguém é tratado, injustificadamente, de modo diferente por causa da sua idade, seja ela qual for. O conjunto de crenças e atitudes discriminatórias em razão da idade chama-se idadismo – termo cunhado em 1969, no inglês ageism, por Robert N. Butler, psiquiatra norte-americano. Nas sociedades ocidentais, em que existe uma sobrevalorização da juventude e uma subvalorização da velhice, o termo usa-se, habitualmente, para referir a discriminação de pessoas mais velhas (que pode ser designada, especificamente, por “gerontismo”), embora, em bom rigor, possa também ser usado para significar a discriminação de pessoas mais jovens.

    Atualmente, já existem vários estudos que revelam a existência de estereótipos, preconceitos e práticas discriminatórias contra as pessoas mais velhas e que demonstram a natureza sistemática e estrutural de tal discriminação. Com efeito, tende a associar-se a velhice a valores negativos, como a incapacidade, a falta de predisposição para a aprendizagem e a perda de produtividade. Frequentemente, as representações das pessoas mais velhas correspondem a estes estereótipos (basta pensar no símbolo que, nos locais de atendimento prioritário, identifica as pessoas mais velhas como pessoas curvadas com uma bengala). As práticas discriminatórias em relação às pessoas idosas podem ir desde práticas manifestamente nocivas (como a violência física e psicológica), a práticas que são realizadas com uma boa intenção por parte de quem as adota (como a utilização de um discurso simplificado num tom de voz lento e alto), mas que não deixam de ser prejudicais, na medida em que traduzem um paternalismo que coarta a autonomia das pessoas mais velhas.

    Ao fenómeno do idadismo não é alheia a perceção da ameaça do envelhecimento, uma vez que um dos principais desafios que este coloca é o risco de que o encargo com as pessoas mais velhas torne os sistemas de saúde e de segurança social insustentáveis. Estes riscos podem ser mitigados por ações concretas que preparem os sistemas para uma alteração da estrutura etária da sociedade, a implicar não só políticas públicas para a terceira idade, mas uma verdadeira mudança de mentalidades. Por exemplo, o sistema de segurança social português já tem vindo a preparar-se através da imposição de regras que permitam uma diminuição gradual da taxa de substituição, prevendo-se que esta venha a situar-se em 39,9% em 2070 (em 2019, situava-se em 72,2%). Evidentemente, uma redução tão drástica do nível de pensões acarreta riscos de pobreza que só poderão ser colmatados com um prolongamento da participação no mercado de trabalho e com uma mentalidade de poupança (sendo que, para que esta exista, é também necessário que existam condições para tal).

    O idadismo é um fenómeno que perpassa toda a sociedade, podendo traduzir-se em práticas violadoras dos direitos humanos das pessoas que são “mais velhas”, como quando uma pessoa mais velha é discriminada no acesso a um emprego por causa da sua idade ou quando a sua vontade é ignorada pelos profissionais de saúde com quem interage. No entanto, o idadismo também pode provir das pessoas mais velhas, na medida em que também elas manifestem crenças discriminatórias em razão da idade. Vários estudos revelam que uma das consequências de uma visão negativa do envelhecimento é, precisamente, o seu impacto negativo no processo de envelhecimento. Por exemplo, a interiorização por parte de uma pessoa de que as pessoas mais velhas não são capazes de fazer novas aprendizagens torna mais provável que, atingindo a idade em que se considera “mais velha” essa pessoa venha a agir com base nessa crença, considerando-se naturalmente incapaz de aprender e reforçando essa crença ao mínimo sinal de dificuldade, num ciclo vicioso.

    Em suma, o envelhecimento e o idadismo são fenómenos sociais que justificam a atual necessidade – e a relevância – de compreender mais aprofundadamente quais os desafios colocados pela terceira idade em sociedades com elevados índices de envelhecimento e o modo mais eficaz de garantir os direitos humanos das pessoas quando atingem a condição de “mais velhas”.

     

    1. Quem são os mais velhos?

    Não existe, atualmente, um consenso global quanto à qualificação das pessoas como “pessoas mais velhas”, o que se explica não só pelas disparidades que existem quanto à esperança média de vida à nascença, mas também por divergências culturais.

    Assim, para as Nações Unidas, de um modo global, a terceira idade chega aos 60 anos. Esta é também a idade adotada em vários países para qualificar as pessoas como “mais velhas”, embora seja comum, nos países com uma mais elevada esperança média de vida, que essa idade seja fixada nos 65 anos. De todo o modo, parece existir uma relação entre a idade a partir da qual se considera uma pessoa “mais velha” e a idade da reforma. É também este o caso de Portugal, onde se considera que as pessoas mais velhas são aquelas que têm 65 ou mais anos de idade e a idade de reforma é, em 2024, de 66 anos e quatro meses.

    Por último, refira-se que é usual distinguir, na população das pessoas mais velhas, entre aquelas que têm entre 65 e 79 anos e aquelas que têm idade igual ou superior a 80 anos, das quais frequentemente se diz que entraram na “quarta idade”. Com efeito, existem razões para esta distinção, uma vez que nessa faixa etária se verifica um maior declínio das funções fisiológicas e uma maior prevalência de problemas de saúde associados ao envelhecimento, que vão desde as quedas às doenças neurodegenerativas.

    Contudo, as pessoas mais velhas são um grupo muito heterogéneo. Por um lado, haverá quem conviva, desde jovem, com várias incapacidades, que se acentuam com o decurso do tempo, e há quem atinja uma idade extremamente avançada sem precisar de cuidados específicos e mantendo-se ativo no mercado de trabalho. Por outro lado, é preciso não ignorar a interseccionalidade em que se encontram muitas pessoas mais velhas, portadoras de outras características que exacerbam a sua vulnerabilidade, como é o caso de muitas mulheres e pessoas com deficiência.

    Face ao exposto, algumas vozes questionam a adequação de uma categorização da população a partir de um critério etário para efeitos de proteção de direitos. No fundo, a questão está em saber se a abordagem dos problemas de algumas pessoas mais velhas a partir da sua categorização (e de todas as outras que se encontrem no seu escalão etário, ainda que não vivam tais problemas) não será, em si mesma, idadista? É certo que se abona a favor dos direitos das pessoas mais velhas que tal construção não visa a discriminação, mas a proteção dos direitos das pessoas velhas. Mas não será essa também uma faceta do idadismo – o paternalismo?

     

    1. Os direitos das pessoas mais velhas: Do plano internacional ao plano nacional

    No plano internacional, foi na década de 1970 que a Organização das Nações Unidas (ONU) começou a chamar a atenção, de modo autónomo, para a questão dos direitos das pessoas mais velhas. Estes esforços culminaram, no final da década, com a adoção da resolução da Assembleia Geral n.º 33/52, que esteve na origem da realização da Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Viena, em 1982. Desta Assembleia resultou o Plano Internacional de Ação de Viena sobre o Envelhecimento, que constitui o primeiro instrumento internacional, ainda que não vinculativo, sobre o envelhecimento.

    O Plano Internacional de Ação de Viena expressa o reconhecimento pelos Estados do fenómeno do envelhecimento populacional como uma tendência de futuro e a necessidade de adoção de políticas dirigidas a lidar com os desafios desse processo. Apesar de existir uma afirmação de princípio, no preâmbulo, quanto ao gozo pleno dos direitos humanos pelas pessoas mais velhas, certo é que o Plano não foi redigido como um instrumento de direitos humanos, mas fundamentalmente como um documento orientador de políticas públicas, o que é manifesto nas recomendações dirigidas aos Estados (e.g. para adotar medidas de saúde preventivas, de modo a reduzir as incapacidades e doenças decorrentes da idade ou incluir a gerontologia nos planos de estudos das profissões de saúde). A natureza então recente da questão também explica que grande parte dos objetivos deste plano se tenham centrado na procura de uma melhor compreensão do fenómeno do envelhecimento populacional e das suas consequências.

    Decorrida quase uma década, em 1991, a ONU aprovou, pela resolução n.º 46/91, os Princípios das Nações Unidas para as Pessoas mais Velhas. Trata-se de um importante instrumento internacional, mas também sem natureza vinculativa. O conteúdo é alinhado com os direitos humanos, mas a formulação é um repto aos Estados para que, “sempre que possível”, incorporem os princípios nos seus programas nacionais. O documento identifica cinco princípios: a independência, a participação, a assistência, a realização pessoal e a dignidade.

    Quanto ao princípio da independência, refere-se à necessidade de garantir as condições de independência das pessoas mais velhas, nomeadamente o acesso a educação, formação e trabalho e o acesso a bens e serviços que permitam fazer face às necessidades de alimentação, água, habitação, vestuário e cuidados de saúde, mas também a permanência no seu domicílio pelo máximo de tempo possível.

    O princípio da participação consiste na integração das pessoas mais velhas na sociedade, nomeadamente no que se refere ao delineamento e implementação das políticas que lhes dizem diretamente respeito.

    O princípio da assistência reconhece que os cuidados às pessoas mais velhas assentam em dois pilares – a família e a comunidade – e que deve ser garantido o acesso a vários serviços que visam promover a independência e a autonomia das pessoas mais velhas, como serviços de saúde, serviços sociais e serviços jurídicos. Afirma-se, ainda, sob a égide deste princípio, que “as pessoas mais velhas devem ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e liberdades fundamentais quando residam em qualquer lar ou instituição de assistência ou tratamento”. Evidentemente, as pessoas mais velhas e todas as pessoas devem ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em qualquer contexto da sua existência, pelo que a afirmação de tal princípio, tal como formulado neste documento, é reveladora da especial necessidade de reafirmação dos direitos humanos num contexto particular de grande vulnerabilidade como é a vivência das pessoas mais velhas em instituições, reconhecendo o problema subjacente da grave violação desses direitos em tais contextos.

    O princípio da realização pessoal traduz a ideia de que a existência das pessoas mais velhas não é menos aberta ao futuro do que a das pessoas mais jovens, na medida em que todos têm ainda potencial por realizar, devendo, por isso, gozar das condições que permitem o desenvolvimento desse potencial, nomeadamente o acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade.

    Sob o princípio da dignidade encontram-se duas ideias centrais: o direito a não ser sujeito a violência e o direito à igualdade e não discriminação, enfatizando-se, quanto a este último, o direito a não ser discriminado não só em razão da idade, mas também de outros fatores (como o género, a origem racial ou étnica, a deficiência e o contributo económico para a sociedade), o que revela a consciência da dimensão interseccional da discriminação experienciada pelas pessoas mais velhas.

    Em 2002, realizou-se, em Madrid, a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, da qual resultou, pela aprovação da resolução n.º 57/167 da Assembleia Geral da ONU, a Declaração Política e Plano de Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento. Este Plano de Ação identificou 18 questões, estabeleceu 35 objetivos e 239 metas para os alcançar (ainda que sem indicadores associados), em três eixos: 1) as pessoas mais velhas e o desenvolvimento, 2) a promoção da saúde e do bem-estar na velhice e 3) a criação de um ambiente propício e favorável. A monitorização e a avaliação da implementação do Plano de Ação de Madrid cabem à Comissão de Desenvolvimento Social, ocorrendo a avaliação a cada cinco anos, desempenhando as comissões regionais um papel central nesse acompanhamento.

    Foi no âmbito regional que foi proclamada, em 2017, a Declaração Ministerial de Lisboa, por ocasião da IV Conferência Ministerial da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa, que salientou os progressos feitos na região europeia (nomeadamente a disseminação do conceito de “envelhecimento ativo” como conceito central e abordagem operacional de políticas nacionais e regionais sobre o envelhecimento e o crescente envolvimento de organizações de pessoas mais velhas no desenvolvimento de políticas de promoção dos direitos das pessoas mais velhas), mas que reconheceu o muito que ainda falta alcançar, enfatizando a necessidade de incorporar a perspetiva do envelhecimento em todas as políticas, de combater o idadismo e de implementar políticas para um envelhecimento saudável e ativo.

    Não obstante todos estes passos, não existem instrumentos internacionais de cariz universal com natureza vinculativa especificamente sobre os direitos das pessoas mais velhas. É certo que a referência aos direitos humanos das pessoas mais velhas é a referência não a direitos distintos dos proclamados em instrumentos internacionais (como, desde logo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais), mas sim a uma compreensão desses direitos face às experiências vividas pelas pessoas mais velhas.

    Assim, por exemplo, o princípio da igualdade significa para as pessoas mais velhas o combate ao idadismo, o que implica o reconhecimento da discriminação em razão da idade. Note-se que os instrumentos internacionais de direitos humanos comportam, invariavelmente, uma cláusula que proclama o princípio da igualdade e da não discriminação, elencando um conjunto de categorias suspeitas que não constituem, em regra, um fundamento razoável de discriminação. É consensual que tal elenco não é taxativo; no entanto, a ausência de uma referência à idade como fator de discriminação (que é o caso) contribui para a ocultação da realidade do idadismo. Outro exemplo encontra-se no direito à liberdade, que, para as pessoas mais velhas, tem particular relevância ao nível da compreensão dos pressupostos da capacidade jurídica e do consentimento (art. 9.º do Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos), como a liberdade de movimento (art. 12.º do mesmo instrumento) que pode ser coloca em causa pelas particulares regras que se apliquem, por exemplo, numa instituição residencial para pessoas mais velhas.

    Por esta razão, muitos consideram fundamental a aprovação de uma Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas mais Velhas, projeto que tem vindo a ser discutido sob a égide do Grupo de Trabalho Aberto sobre Envelhecimento da ONU, constituído em 2010. No entanto, não existe um consenso sobre a necessidade de tal instrumento internacional, havendo quem a ele se oponha veementemente (por considerar, fundamentalmente, que radica numa atitude idadista e que os direitos humanos das pessoas mais velhas mais vulneráveis já encontram uma proteção acrescida na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) e quem entenda ser um instrumento imprescindível para atender às especificidades da vulnerabilidade das pessoas mais velhas.

    Ao nível regional, os direitos humanos das pessoas mais velhas encontram uma proteção acrescida em algumas regiões. Destaque-se a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 2015. De salientar, também, o facto de, no art. 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e ao contrário do que sucede noutros instrumentos, a idade constar entre os fatores proibidos de discriminação. Além disso, o art. 25.º, inserido no título III (“Igualdade”), refere-se especificamente aos direitos das pessoas mais velhas, reconhecendo o seu direito a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural.

    Internamente, é de salientar a atenção dada, desde logo ao nível constitucional, aos direitos das pessoas mais velhas, nomeadamente no art. 72.º da Constituição da República Portuguesa. Do texto constitucional decorre que a concretização dos direitos das pessoas mais velhas à segurança económica e às condições de habitação e convívio familiar e comunitário depende do respeito, nessa concretização, pela sua autonomia pessoal (dimensão esta introduzida na revisão constitucional de 1997) e pela garantia de que as pessoas mais velhas não ficam, nas soluções que sejam encontradas, isoladas ou socialmente marginalizadas. Enfatiza-se, ainda, a referência à incorporação de medidas de natureza económica, social e cultural tendentes a um envelhecimento ativo, que promova a sua realização pessoal. Curiosamente, a redação original deste artigo formulava-se como uma imposição de atuação ao Estado (“O Estado promoverá…”) e não como uma enunciação de direitos das pessoas mais velhas, o que só veio a acontecer com a revisão constitucional de 1982 (“As pessoas idosas têm direito…”).

    Com efeito, várias têm sido as medidas tomadas ao nível legislativo, em Portugal, para dar resposta às situações de vulnerabilidade em que as pessoas mais velhas poderão, eventualmente, encontrar-se. A título ilustrativo, recorde-se o recente regime jurídico do maior acompanhado, aplicável às situações em que alguém (o chamado beneficiário) se encontra impossibilitado de exercer os seus direitos ou de cumprir os seus deveres de modo pleno, pessoal e consciente (seja por razões de saúde, deficiência ou comportamento), e que – ao contrário do anterior regime da interdição e da inabilitação – se centra na promoção da autonomia do beneficiário e na sua participação no processo que conduz à adoção de medidas de acompanhamento.

    No entanto, o caminho ainda é longo na realização dos direitos humanos das pessoas mais velhas. Subsistem dificuldades tanto no plano social (recorde-se, e.g., que nos últimos anos têm vindo a aumentar as notícias de crimes contra pessoas mais velhas) como no plano normativo (há quem, e.g., chame a atenção para a inconstitucionalidade – por violação do princípio da igualdade – da norma que estabelece o crime de violência doméstica, por considerar como vítima as pessoas menores de idade, ainda que o ofensor não coabite com elas, mas já não as pessoas idosas nas mesmas circunstâncias).

    Em suma, na realização dos direitos das pessoas mais velhas, nem tudo (e, certamente, nem mesmo o essencial) dependerá da legislação. Grande parte das violações dos direitos humanos das pessoas mais velhas tem na sua raiz um pensamento e uma atitude discriminatórios. Por isso, o essencial é a desconstrução de estereótipos e a consciência de que a todos é devido o mesmo respeito pela sua dignidade em todas as fases da vida.

    Bibliografia

    Impressa

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    MARQUES, S. (2011). Discriminação da Terceira Idade. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.

     

    Digital

    Estatísticas APAV – Pessoa Idosas Vítimas de Crime e de Violência 2013-2020, https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Pessoas_Idosas_Vitimas_Crime_Violencia_2013-2020.pdf (acedido a 08.10.2023).

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    Modalities for the Fourth Review and Appraisal of the Implementation of the Madrid International Plan of Action on Ageing, 2002, https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N19/388/42/PDF/N1938842.pdf?OpenElement (acedido a 08.10.2023).

    Portugal: Country Fiche on Pensions Ageing Report 2021, https://economy-finance.ec.europa.eu/system/files/2021-05/pt_-_ar_2021_final_pension_fiche.pdf (acedido a 08.10.2023).

    “Projeções de população residente 2018-2080”, https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=406534255&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt (acedido a 06.10.2023).

    Report of the World Assembly on Aging, https://www.un.org/esa/socdev/ageing/documents/Resources/VIPEE-English.pdf (acedido a 07.10.2023).

     

    Autora: Miriam Rocha

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