Relativismo [Dicionário Global]
Relativismo [Dicionário Global]
Por “relativismo” pode entender-se: (a) a atitude epistemológica segundo a qual não há verdades absolutas, resultando a validade de um juízo ou proposição das condições e circunstâncias do tempo ou do lugar em que são formulados – relativismo cognitivo; (b) a atitude segundo a qual não se pode dizer de nada que é bom ou mau, de modo absoluto, já que a bondade ou a maldade resultam das condições e circunstâncias do tempo ou do lugar – relativismo moral; (c) a que postula que sociedades diversas possuem códigos morais diversos – relativismo cultural (esta, porventura, uma subcategoria de (b)) –, de modo que o que é considerado correto numa cultura noutra pode ser incorreto. Qualquer uma das atitudes tipificadas pode manifestar-se de modo radical (extremo) ou moderado (mitigado), conforme se afirma que nada é verdadeiro ou falso e que nada é bom ou mau, ou que os predicados desses juízos ou proposições se reportam a certas condições ou circunstâncias de tempo ou de lugar, que restringem a respetiva amplitude.
O Homem é “a medida de todas as coisas”
Tanto quanto se sabe, foi o sofista Protágoras (século V a.C.) quem primeiramente densificou, em súmula proposicional, o relativismo cognitivo, amplamente debatido no Teeteto (quase dois terços do diálogo) de Platão – “a medida de todas as coisas” é o Homem, “das que são, enquanto são, das que não são, enquanto não são” (Teeteto, 152a) –, extraído da sua suposta obra A Verdade. Contra tal posição, Platão e Sócrates defenderam a objetividade noética, que em Platão é representada pelas ideias (fora das quais só há fantasia), atendo-se Sócrates à elaboração dum plexo de objeções contra essa forma de relativismo (desde a incoerência interna até à sua própria refutação).
Os Duplos Discursos ou o relativismo cultural
Segundo o relativismo epistemológico, a verdade e a falsidade são relativas, isto é, a verdade é relativa a uma pessoa ou a uma determinada cultura: negando a existência de verdades absolutas, só há opiniões, boas ou más, melhores ou piores, úteis ou nocivas, mas jamais verdadeiras ou falsas. Outrossim, os sofistas percecionaram que os valores não eram “naturais”, mas resultado de convenções humanas, variáveis de comunidade para comunidade. Destarte, sofistas gregos como Protágoras, Antifonte ou Hípias gizaram os prolegómenos do relativismo cultural na sua modalidade mais radical, e.g., os Duplos Discursos: “Parece decente aos Macedónios que as raparigas, antes de se casarem, se apaixonem e tenham relações sexuais com um homem, mas, quando uma rapariga já está casada, é vergonhoso; para os Gregos ambas as situações”. Outro exemplo: “Os Masságetas, depois de despedaçarem os progenitores, comem-nos, e eles consideram que não há túmulo mais belo do que ser sepultado no corpo dos próprios filhos; mas, na Grécia, se alguém fizesse isso, seria expulso da Grécia e pereceria em ignomínia por cometer atos vergonhosos e terríveis. Os Persas consideram decente que também os homens se adornem como as mulheres e que um homem tenha relações sexuais com a filha, com a mãe e com a irmã, mas os Gregos consideram essas ações vergonhosas e contrárias às suas leis” (DIELS & KRANZ, 2005, 90, 2, 12, 14-15, 289-290). Os autores concluem: “Penso que se alguém ordenasse a todos os homens que reunissem num único monte o que cada um considera vergonhoso e que, por sua vez, tomassem desse acervo o que cada um tem na conta de decente, nem uma coisa seria deixada, mas todos levariam tudo, pois nem todos têm os mesmos pontos de vista” (DIELS & KRANZ, 2005, 90, 2, 18, 290).
“Curar a presunção pelo poder da argumentação”
Se é verdade que vários filósofos da Grécia Antiga se esforçaram por refutar o relativismo dos sofistas, seja pelos efeitos nefastos para o indivíduo, seja pelos efeitos sociais nocivos, todavia, os cínicos (Diógenes) e os céticos (Pirro, em especial, mais tarde secundado por Sexto Empírico) – sucessores dos sofistas – deram novas modulações ao relativismo, como informa Diógenes Laércio (primeira metade do século III). Ora, Diógenes de Sinope, o Cínico (c. 413-323 a.C.), exilado da cidade natal, viveu a maior parte da vida em Atenas, onde perambulava com uma lanterna acesa pelas ruas, praças e mercados buscando um homem honesto. Fazendo da pobreza uma virtude, vivia num tonel de modo simples, com a roupa do corpo, uma manta dobrada, um cantil e um cajado, recusando a luxúria. Nem sequer aspirava a ser sepultado, e o seu túmulo foi dádiva de admiradores, com o epitáfio “Até o bronze com o tempo envelhece,/mas a tua glória, Diógenes, durará eternamente;/só tu ensinaste aos mortais a felicidade que se merece,/e o modo de passar a vida serenamente” (DIOGÈNE LAËRCE, 1999, VI, 78, 744). Se demandava a “revalorização dos valores”, contrapunha a vida dos animais e dos povos selvagens à civilização helénica; increpava os valores sociais adotados, defendia o amor livre e, contra qualquer forma de erudição, expressava-se por escolhas indiciadoras de autossuficiência, declarando-se “cidadão do mundo” (DIOGÈNE LAËRCE, 1999, VI, 63, 733) na esfera pública.
Já Pirro de Elis (c. 365-360-c. 275-270 a.C.), porventura o primeiro representante do ceticismo – o ceticismo antigo cobre um período de cinco centúrias (séculos III a.C. – II d.C.), com duas correntes principais (pirrónico e académico) –, arguia que a toda afirmação pode opor-se sempre uma afirmação contrária. Diógenes Laércio informa que “Pirro dizia que nada é honroso ou vergonhoso, justo ou injusto, que nada existe realmente e de um modo verdadeiro, que os homens agem apenas pelo hábito e pelas convenções, pois cada coisa não é mais isto que aquilo” (DIOGÈNE LAËRCE, 1999, IX, 61, 1100). Perante dois argumentos contrários ou ambivalentes, o melhor é suspender o juízo [epoché] e desistir de afirmar a verdade ou a falsidade de uma ou outra das teses; ao fazê-lo, descobre-se livre das inquietações, alcançando assim a imperturbabilidade (ataraxia). Daí que Sexto Empírico (séculos II-III), nas Hipotiposes Pirrónicas, esclareça que “[…] também os céticos esperavam alcançar a imperturbabilidade resolvendo a contradição entre aparências e juízos; mas, não o podendo conseguir, suspenderam o juízo; e, ao suspenderem os seus juízos, veio-lhes pouco a pouco, fortuitamente, a imperturbabilidade, tal como a sombra segue o corpo” (SEXTO EMPÍRICO, 1993, I, XII, 29, 62). E a concluir: “O cético, porque ama a humanidade, quer curar pelo poder da argumentação a presunção e a precipitação dos dogmáticos” (SEXTO EMPÍRICO, 1993, III, XXXII, 280, 333), ou seja, o médico sextiano, filantropo, além de cético.
Por sua vez, Enesidemo de Cnossos (século I a.C.), figura mediadora entre o ceticismo pirrónico e o ceticismo académico, dizia no primeiro de oito livros dos seus Discursos Pirrónicos que “Pirro não afirmava nada dogmaticamente por causa da equivalência das razões contrárias; ele atinha-se aos fenómenos” (SEXTO EMPÍRICO, 1993, IX, 106, 1136). Enesidemo, segundo Sexto (1993, I, XIV, 36-163, 64-102), condensou em 10 os modelos de argumentos – tropos ou modos – para induzir à suspensão do juízo (contra os dogmáticos), dos quais o primeiro se baseia na diversidade sensorial (os órgãos dos sentidos variam de uma espécie a outra), os seguintes aduzem circunstâncias diversas (juventude ou velhice, saúde ou doença, movimento ou repouso, etc., interferem no modo de apreensão dum mesmo objeto), até ao décimo, que releva a diversidade e variabilidade dos costumes, leis e crenças, e que assim resume: “há três tropos que englobam os dez: o derivado de quem julga, o derivado do que se julga, o derivado de ambos” (SEXTO EMPÍRICO, 1993, I, XIV, 38, 65).
O “verosímil”, o “provável” e o “verdadeiro”
“Mais vale suspender todo o juízo”
Se um dos méritos memoráveis de Cícero (106-63 a.C.), nascido em Arpino, foi ter transposto a filosofia do grego para latim, um outro, e não de menor valia, foi o seu testemunho sobre a Média Academia. Recorde-se que, logo após a morte de Platão (347 a.C.), a Academia inicia uma fase cética sob a liderança de Arcesilau (315-240 a.C.) e, posteriormente, com Carnéades (219-129 a.C.) e Clitómaco (c. 187-c.109 a. C), conhecida por Nova Academia, que perfilhava o ceticismo académico, distinto do ceticismo pirrónico, tal como Sexto esclarece no início das Hipotiposes Pirrónicas: “Para quem investiga um assunto, é natural a sua solução, ou a negação de qualquer solução e consequente confissão da sua inapreensibilidade, ou a persistência na investigação” (SEXTO EMPÍRICO, 1993, I, 1, 51). Ora, Cícero, em Academica (Priora et Posteriora) (45 a.C.), escrito já no final da vida, detém-se sobre o ceticismo académico: na esteira de Protágoras, Carnéades, Arcesilau, admitia que era possível defender teses totalmente opostas com a mesma virtuosidade, infletindo para o probabilismo, doutrina que apresenta hipóteses consideradas prováveis ou possíveis, sem nenhuma certeza; ante a impossibilidade da certeza, podemos admitir o provável (pithanon, que Cícero traduz por probabile). Quando invoca o fundador da Academia Média, afirma, em Academica Posteriora, que “Arcesilau negava, portanto, que houvesse algo suscetível de ser conhecido, nem sequer aquele único conhecimento que Sócrates reivindicava para si mesmo: o saber que nada sabia” (MARCO TÚLIO CÍCERO, 2012, XII, 45, 237). Em Academica Priora, cita Clitómaco: “Os Académicos são de parecer que as coisas umas das outras porque umas parecem ser verosímeis, e outras não. Mas este facto não basta para que possa dizer-se que umas podem ser conhecidas e outras não, porquanto há muitas coisas falsas, que são verosímeis, mas nada há que, <ao mesmo tempo>, seja falso, e possa ser percecionado e conhecido” (MARCO TÚLIO CÍCERO, 2012, 103, 171).
Num silogismo, Cícero propõe uma epoché universal: “‘Se alguma vez o sábio der o seu assentimento a algo, então estará ocasionalmente a dar uma opinião; mas o sábio nunca dá uma mera opinião; logo nunca dará o seu assentimento a nada.’ Arcesilau aceitava esta conclusão, porquanto admitia como válidas a primeira e a segunda premissas. Carnéades por vezes tomava como segunda <premissa> que <o sábio> às vezes dava o seu assentimento; daqui concluía que ele também dava opiniões, o que tu, Luculo, não aceitas, e, quanto a mim, com razão” (MARCO TÚLIO CÍCERO, 2012, XXI, 67, 143). Na sequência do silogismo, Cícero retoma: “Quanto a mim, antes de mais, ainda que algo possa ser compreendido, a habituação a dar-lhe assentimento parece ser uma atitude perigosa e escorregadia. Por este motivo, e dado que é erróneo dar assentimento a uma coisa falsa ou desconhecida, mais vale suspender todo o juízo do que avançar ao acaso e cair no erro” (MARCO TÚLIO CÍCERO, 2012, XXI, 68, 143-144).
“O verdadeiro só pode reconhecer-se por sinais que o falso não possa ter”
Em Contra os Académicos, diálogo escrito logo após a sua conversão (386), S.to Agostinho (354-430) pretende refutar o ceticismo académico veiculado por Cícero – de quem Agostinho era admirador confesso –, contrapondo a essa atitude acataléptica como via para a felicidade a beata vita mediante a busca da verdade e a sua posse. Do debate travado no final do Livro I, destaca-se a definição de “sabedoria” de Licêncio, quando sustém que “a sapiência humana é aquela busca da verdade, pela qual, devido à tranquilidade da alma, se atinge a vida feliz” (SANTO AGOSTINHO, 1957, I, IX, 24, 71). Em síntese: para uns, a simples busca da verdade conduz à “vida feliz”; para outros, só a posse da verdade garante a felicidade. Cícero insistiu na impossibilidade do conhecimento, restando ao sábio a investigação aturada (SANTO AGOSTINHO, 1957, III, 7).
Na sequência dessa discussão em torno da sabedoria-felicidade, o debate Licêncio-Trigécio trata da relação entre o “provável” e o “verosímil”, que pode resumir-se: “Chamam os Académicos provável ou verosímil ao que pode levar-nos à ação sem assentimento. Quero dizer, sem julgar verdadeiro o que fazemos, e convictos de que ignoramos a verdade” (SANTO AGOSTINHO, 1957, I, XI, 26, 92). Agostinho insiste no absurdo de falar de “verosímil” desconhecendo o “verdadeiro” e da possibilidade de agir sem que o espírito tenha dado assentimento. No diálogo defende-se que é preciso saber para verdadeiramente ser-se sábio: se sim, concordamos em pensar que a verdade existe, mas raramente acessível aos sábios; se não, o sábio não pode saber nada, e então ele não pode ser sábio: “Pergunto agora se pode haver um sábio. […]. Mas se dizes que não há, não temos de investigar se ele sabe alguma coisa, mas se alguém pode ser sábio. Isto assente, deixemos os Académicos e discutamos diligente e cautelosamente. Pensaram eles que o homem pode ser sábio, mas que a ciência não é dada ao homem. Portanto afirmaram que o sábio nada sabe. Tu crês que ele reconhece a sapiência, o que é saber alguma coisa” (SANTO AGOSTINHO, 1957, III, IV, 10, 105-106).
A referência agostiniana ao platonismo patenteia a sua via: “Basta ao que pretendo que Platão julgou haver dois mundos: um, inteligível, domínio da verdade, outro sensível, que conhecemos pela vista e pelo tato. Aquele é verdadeiro, este verosímil e feito à imagem do primeiro. Do primeiro, pode gerar-se a verdade límpida e serena na alma que se conhece; do segundo, na alma dos estultos, não a ciência, mas a opinião” (SANTO AGOSTINHO, 1957, III, XVI, 37, 129). O paralelismo da relação entre o mundo inteligível e o mundo sensível de Platão com a cidade celeste e a cidade terrestre de S.to Agostinho mostra a filiação entre os dois pensamentos. Mais adiante (SANTO AGOSTINHO, 1957, III, XVIII, 42, 132), o bispo de Hipona fará a contraposição entre ratio subtilissima e divinis intellectus auctoritas, assim assimilando as contribuições da especulação filosófica helénica ao seu pensamento teológico. No final, o hiponense não deixa novamente de invocar o arpinense, o que indicou o caminho para a verdade, qual “Cícero vencedor” (SANTO AGOSTINHO, 1957, III, XIX, 45, 134). Como poderia alguém exortar à filosofia se não crê possível encontrar a sabedoria?
Entre “relativismo epistémico” e “relativismo cultural”
Nos cerca de mil anos que vão de S.to Agostinho até à segunda metade do século XV, o ceticismo antigo é votado ao olvido, ressurgindo com vigor no Renascimento – um “pirronismo renascentista” – e depois na Idade Moderna – cujo impacto foi tal que refutá-lo foi um dos principais desafios –, mercê de traduções (do grego para latim) das Hipotiposes Pirrónicas (Pyrrhoniarum Institutionum), em 1562, por Henri Estienne, e de Adversus Mathematicos, por Gentian Hervet, em 1569, tornando acessíveis essas duas obras de Sexto Empírico entre os intelectuais europeus, a que deve juntar-se quer os Academica (45 a.C.) de Cícero, quer o debate agostiniano sobre os académicos. Ora, no diagnóstico de Popkin, tal neopirronismo teve impacto em “todas as ciências humanas e na filosofia numa crise cética completa, da qual a filosofia moderna e a perspetiva científica finalmente emergiram” (POPKIN, 2003, 59). Ademais, no Renascimento tardio, a Reforma, a revolução científica (Copérnico, Kepler, Bruno) e a heterogeneidade de costumes dos povos do Novo Mundo propiciaram uma crise de rutura e de mutação com a tradição medieval, com forte impacto no pensamento europeu, mas um dos momentos mais copiosos na história do pensamento ocidental.
“A única certeza é que nada é certo”
Os Ensaios de Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) contribuíram para esse fulgor do ceticismo, já que retomam os principais argumentos da tradição cética compilados nas Hipotiposes, isto é, a “equipolência”, ou o igual peso dos diferentes pontos de vista, vertidos agora em linguagem vernácula (o francês) e dotados de vocabulário próprio nos debates acerca do conhecimento. Quais lembretes da condição humana a serem sempre presentes, Montaigne inscreveu nas 57 vigas da sua biblioteca imemoráveis sentenças, sendo de Plínio, o Antigo, a que está gravada na viga 38: “A única certeza é que nada é certo, e nada é mais lamentável ou pretensioso que o homem”.
Já na apresentação “Ao leitor” dos Ensaios – um género literário que iniciou, aliás não dogmático –, Montaigne alude aos nativos do Novo Mundo como contraponto de sua própria natureza: “Pois se eu estivesse entre essas nações que se diz ainda viverem sob a doce liberdade das primeiras leis da natureza, asseguro-te que me teria com muito gosto pintado por inteiro e totalmente nu” (MONTAIGNE, 1962, 9). Desde logo, apartando-se da escolástica, escreve: “O conhecimento das causas pertence somente àquele que tem a conduta das coisas, não a nós que delas não temos senão o sofrimento e o uso perfeitamente pleno segundo a nossa natureza, sem penetrar a sua origem e essência” (MONTAIGNE, 1962, III, 1003).
Montaigne, aquando da sua “crise cética” (1576), com a leitura de Sexto Empírico, reavivou o ceticismo antigo. Nesta sequência, nega a existência de “leis naturais”, “impressas no género humano pela condição de sua própria essência” (MONTAIGNE, 1962, II, 563-564), já que seria indispensável um consenso: “Ora, esse é o único sinal plausível pelo qual eles podem argumentar, pelas leis naturais, a universalidade da aprovação. Porque o que a natureza nos tivesse verdadeiramente ordenado, nós seguiríamos sem dúvida com um comum consentimento”. Mais ainda: “E não somente toda a nação, mas todo o homem particular, ressentiria a força e a violência que lhe faria aquele que quisesse agir contra essa lei. Que me mostrem, para vermos, uma dessas condições” (MONTAIGNE, 1962, II, 564). A negação das leis naturais decorre da inexistência de uma universalidade de acordo.
A par do seu antijusnaturalismo, Montaigne insiste na oposição entre dois mundos, o europeu e o ameríndio, afastando a condenação deste, como em “Dos canibais” (sobre os indígenas do Brasil): “A esses povos podemos, pois, chamá-los de bárbaros, tendo em conta as regras da razão, mas não a nós mesmos, que os superamos em toda a espécie de barbárie” (MONTAIGNE, 1962, I, 208). Já em “Dos coches” (sobre a conquista espanhola por entre peruanos e mexicanos), ajuíza: “Tantas cidades arrasadas, tantas nações exterminadas, tantos milhões de povos trucidados, e a mais rica e bela parte do mundo devastada, e tudo pelo negócio das pérolas e da pimenta! Míseras vitórias! Nunca a ambição, nunca os ódios políticos, incitaram a tal ponto os homens uns conta os outros, a hostilidades tão horríveis e a calamidades tão miseráveis” (MONTAIGNE, 1962, III, 889). Em contraposição, “chamamos contranatureza o que acontece contra o costume; nada é somente segundo ele, seja o que for” (MONTAIGNE, 1962, II, 691). Em “Sobre a experiência” (1588), reitera: “não há qualidade tão universal nesta imagem das coisas que a diversidade e variedade” (MONTAIGNE, 1962, III, 1041).
Segundo opina o antropólogo Lévi-Strauss (1908-2009), os povos do Novo Mundo não surgem retratados do mesmo modo em “Dos canibais” (MONTAIGNE, 1962, I, 30), sobre os indígenas do Brasil (os Tupinambái), e em “Do costume” (MONTAIGNE, 1962, I, 22) e “Dos coches” (MONTAIGNE, 1962, III, 6), sobre a ruína dos impérios asteca e inca, e na “Apologia de Raymond Sebond” (MONTAIGNE, 1962, II, 12). “Montaigne faz um uso bem mais radical dos dados etnográficos”, pois “não cita para comparecer diante do tribunal da razão costumes ou crenças diversas, para os legitimar ou reconhecer-lhes apenas um valor relativo: ele serve-se deles para instruir o processo à própria razão” (LÉVI-STRAUSS, 1991, 281). O autor d’O Pensamento Selvagem (1962) vê no autor dos Ensaios um precursor do que virá a ser a teoria do “bom selvagem”, a teoria do “contrato social” e o relativismo cultural (LÉVI-STRAUSS, 2016, 80-83). Aliás, Montaigne não trata da diversidade cultural em termos de oposição ou dicotomia do eu/outro (outro, os “nativos”), mas como pluralidade de culturas, donde resulta, dum ponto de vista moral, que não são os humanos, supostamente bárbaros, que devem ser julgados, mas sem dúvida os seus usos e costumes: estes, se cruéis e violentos, devem ser condenados, seja entre os nativos do Novo Mundo, seja entre os europeus do Velho Mundo; o que se exalta ou condena são usos e costumes, contingentes e mutáveis, não indivíduos ou povos.
Na “Apologia de Raymond Sebond” (MONTAIGNE, 1962, II, 12) – apologia no título, crítica ao teólogo –, um extenso “ensaio” (a partir de questões teológicas), atípico nos Ensaios, Montaigne reitera a divisão proposta por Sexto Empírico, segundo a qual, na filosofia, há três atitudes – a dos dogmáticos (pretendem ter descoberto a verdade), a dos académicos (a verdade jamais pode ser descoberta) e a dos pirrónicos (continuam investigando) –, de modo que o múnus destes “é de abalar, duvidar e investigar, não garantir nada, nada responder” (MONTAIGNE, 1962, II, 482). O específico deste ceticismo seria a dúvida e a investigação, na referência que Montaigne toma de Sexto Empírico, pelo que os pirrónicos recorrem ao método da oposição, inoculando infindáveis contradições entre as supostas opiniões verdadeiras: “Não há uma razão que não tenha uma contrária, diz o mais sábio partido dos filósofos” (MONTAIGNE, 1962, II, 596). Segundo Montaigne, na esteira dos céticos antigos, não há “nenhuma proposição que não seja debatida e controversa entre nós, ou que não o possa ser”, dada a “infinita confusão de opiniões que se vê entre os próprios filósofos”, qual “debate perpétuo e universal no conhecimento das coisas” (MONTAIGNE, 1962, II, 545).
Note-se ainda que, na “Apologia”, Montaigne faz-se eco da não subordinação da crença à razão, radicalizando a crítica de S.to Agostinho aos céticos em Contra os Académicos: “os cristãos estão errados em querer apoiar a sua crença em razões humanas, que só se concebe pela fé e por uma inspiração particular da graça divina” (MONTAIGNE, 1962, II, 417). Por isso mesmo, “é tão-somente a fé que abraça, viva e certamente, os altos mistérios da nossa Religião”, ressalvando que “Mas isso não quer dizer que não seja um empreendimento muito belo e louvável acomodar ainda ao serviço da nossa fé os instrumentos naturais e humanos que Deus nos deu” (MONTAIGNE, 1962, II, 417-418).
De um relativismo metodológico…
A “crise pirrónica” vivida por Montaigne ao ler as Hipotiposes foi experienciada por outros filósofos posteriores, cujo fito foi também refutar o ceticismo, que prosperava em toda a parte com novos herdeiros de Pirro, como Descartes (1596-1650) no-lo transmite ao advertir o objetor, na “Resposta à sétima objeção”: “Mas que responderá ele aos Céticos, que vão além de todos os limites em duvidar? Como os refutará? […] E não me diga que esta Seita está abolida; ela está em vigor tanto quanto sempre esteve” (DESCARTES, 1673, 739).
Provavelmente, sem a pujança da dúvida cética renascentista não haveria tanta premência, em meados do século XVII, em assegurar a “certeza”, pelo que o Discurso do Método (1637) radicaliza a dúvida montaigneana. Para Étienne Gilson (1950, 126-127), como para outros (Koyré, Horkheimer, Cassirer, Descombes, Popkin), o Discurso é uma resposta direta aos Ensaios, tão familiarizado estava Descartes com a obra de Montaigne, tal é a lista de passagens dos Ensaios que ecoam no Discurso, desde a frase inicial “O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída, porque cada qual pensa ser tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar noutras coisas não costumam desejar mais do que o que têm” (DESCARTES, 1968, I, 3). Tais linhas recordam as de “Sobre a presunção” (MONTAIGNE, 1962, II, 17): “Costuma dizer-se que a partilha mais justa que a natureza nos tenha feito das suas graças é a do bom senso: porque não há ninguém que se contente com o que ela lhe distribuiu”, acrescentando (em 1895): “Não é mesmo?” (MONTAIGNE, 1962, II, 641). Gilson conclui que, se “Descartes leu o seu próprio pensamento no texto de Montaigne”, “a filosofia de Descartes foi uma luta desesperada para emergir do ceticismo de Montaigne” e que “a própria forma do Discurso do Método é suficiente para o sugerir”. E se “a primeira intenção de Descartes foi designá-lo História da Minha Mente, eis um título perfeito, para o Discurso como para os Ensaios. Na verdade, o Discurso foi mais um ‘ensaio’ escrito por Descartes como resposta aos Ensaios de Montaigne” (GILSON, 1950, 126-127).
Não só o Discurso se inicia como os Ensaios, sobre o autor e a crise que o abalara, como o propósito de Montaigne, no início da “Apologia”, convergia – “propondo-me doravante não aceitar nada sem que haja interposto antes o critério e prestado particular consentimento” (MONTAIGNE, 1962, II, 416) –, próximo da primeira regra do método cartesiano, que “consistia em nunca aceitar como verdadeira qualquer coisa sem a conhecer evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção” (MONTAIGNE, 1962, III, 22). Assim, “[…] resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade – eu penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos seriam potentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava” (MONTAIGNE, 1962, IV, 39-40). Os princípios do seu método, inspirados nos seus estudos de Matemática, visavam a adquisição dum conhecimento certo e claro. Popkin caracteriza os três estádios da dúvida cartesiana, ao transitar de (1) um pirronismo parcial de duvidar da fiabilidade de nossos sentidos para (2) um pirronismo metafísico da hipótese do sonho (duvidando da realidade de nosso conhecimento), e (3) um pirronismo total da hipótese do demónio (ao duvidar da fiabilidade de nossas faculdades racionais), até finalmente descobrir o cogito, uma verdade tão subjetivamente certa que dela somos incapazes duvidar (POPKIN, 2003, 156-157).
A certeza última do cogito é uma certeza sobre a existência do pensamento e, por consequência, da própria existência: por isso, cogito ergo sum possui um estatuto epistemológico e também ontológico: epistemológico, ao estabelecer as condições de possibilidade do conhecimento; ontológico, ao estabelecer que, se pensamos, logo somos (existimos). Com a sua filosofia do cogito, da certeza clara e distinta, estabelece o argumento da existência e essência da alma, de Deus, e com Ele a garantia de existência do mundo externo, tal como fundar as verdades das proposições matemáticas – eis o escopo das Meditações Metafísicas (1641). O impacto foi decisivo: a dúvida radical cartesiana levou ao internalismo epistémico e ao cogito, e, desse internalismo, despontou (a partir de Kant) a referência ao sujeito transcendental, aquela subjetividade pura própria dos humanos enquanto sujeitos de conhecimento.
… a um relativismo doutrinal…
O relativismo de Montaigne tornara-se insustentável para dois vultos do século XVII, René Descartes, a partir da ciência, como mostrámos, mas também Blaise Pascal (1623-1662), desde a religião. Sob a pena do jansenista francês, os termos “pirrónico” e “cético” tinham quase o mesmo significado, e, nesse sentido, escreve nos famosos Pensamentos (1670, póstumo): “Que fará então o homem nesse estado? Duvidará de tudo, duvidará se está desperto, se o picam, se o queimam, duvidará se duvida, duvidará se existe? Não se pode chegar a esse ponto, e eu ponho como facto que nunca houve pirrónico efetivo perfeito” (PASCAL, 1963, 515). É que o ceticismo de Pascal não é metodológico, como o cartesiano, mas doutrinal. Para o matemático e pai da Geometria Descritiva, a dúvida era ponto de partida e provisória: “[…] eu desenraizava, ao mesmo tempo, do meu espírito todos os erros que nele, até então, se tinham podido insinuar. Não que imitasse por isso os céticos, que duvidam apenas por duvidar e afetam ser sempre irresolutos; porque, ao contrário, todo o meu intuito era conquistar a certeza e rejeitar a terra movediça e a areia, para encontrar a rocha ou a argila” (DESCARTES, III, 34). Para o matemático, inventor da “pascalina” (calculadora manual), o escopo é mostrar a radical incapacidade da razão para facultar ao conhecimento um fundamento firme e seguro, isto é, uma justificação racional aos primeiros princípios, o que aproxima Pascal do pirronismo: “As principais forças dos pirrónicos […] são: que não temos nenhuma certeza da verdade desses princípios, fora da fé e da revelação, a não ser no facto de os sentirmos naturalmente em nós. Ora, este sentimento natural não é uma prova convincente da sua verdade […]” (PASCAL, 1963, 514). Se Montaigne abrira o caminho, mostrando, na “Apologia”, como o ceticismo se pode conciliar com a fé, e que pode duvidar-se da razão deixando incólume a religião, nessa senda, Pascal, homem de fé, serve-se do ceticismo para a fé, como Montaigne, sem fé, além de que o ceticismo deste não é estritamente pirrónico, e Pascal declarou que “o pirronismo é o verdadeiro” (PASCAL, 1963, 591), porque ainda antes de Cristo.
Pascal irá esforçar-se por arrancar o Homem da sua trágica incerteza, mostrando-lhe que, além da razão, possui uma outra faculdade, um modo de conhecer pelo coração, que segue a sua própria lógica, estranho ao procedimento racional: “O coração tem as suas razões que a razão não conhece: sabemo-lo em mil coisas” (PASCAL, 1963, 552) – eis o aforisma filosófico que, depois dele, a humanidade repete, cujo modo de conhecer não é o intelectual, mas crer, amar ou querer: “É o coração que sente Deus, e não a razão. Eis o que é a fé. Deus sensível ao coração, não à razão” (PASCAL, 1963, 552). Daí que Pascal desconfie das provas da existência de Deus tal como formuladas por Descartes, filósofo que apoda de “inútil e incerto” (PASCAL, 1963, 615) e a quem censura: “Não posso perdoar a Descartes; ele bem quereria, em toda a sua filosofia, poder passar sem Deus; mas não resistiu a fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em movimento; depois disto não tem mais que ver com Deus” (PASCAL, 1963, 640).
Será que Pascal ab-roga a razão? Parece ser este um alvitre impossível para o sábio que havia nele, que, aos 12 anos, formulou as primeiras proposições da Geometria Euclidiana, aos 16 concluiu o Ensaio para as Cónicas (1640), famoso pela sua teoria da probabilidade, mais tarde redigiu o Tratado do Triângulo Aritmético (1654), que, como físico experimental, publicou vários escritos sobre o vácuo, nos legou o ainda célebre Princípio de Pascal, refez as experiências de Torricelli de 1646, etc. No “Prefácio” para o Tratado do Vácuo (1647), se é a autoridade que releva em vários domínios, sustém: “O mesmo não ocorre nos assuntos que caem no domínio dos sentidos e do raciocínio: aí a autoridade é inútil; só a razão tem condições para conhecer. As suas competências estão separadas: naquele caso uma levava vantagem; aqui, por sua vez, a outra reina” (PASCAL, 1963, 230). Como físico, admoesta, no Tratado do Peso da Massa de Ar (1648), que “[…] reconheçam que os experimentos são os verdadeiros mestres que é preciso seguir na física” (PASCAL, 1963, 259). Eis o lema do cientista e do filósofo: “Dois excessos: excluir a razão, só admitir a razão” (PASCAL, 1963, 524).
…a um relativismo radical
Na viragem para o século XVIII, o pirronismo reaparece na trajetória noética do irlandês George Berkeley (1685-1753), embora dele se venha a afastar com o seu imaterialismo, patente no Tratado do Conhecimento Humano (1710) e nos Três Diálogos entre Hilas e Filonous (1713), elaborados, em grande medida, à luz do ceticismo exposto nos verbetes sobre Zenão e Pirro do Dicionário Histórico e Crítico de Pierre Bayle (1647-1706), onde ergue devastadores desafios céticos ao cartesianismo, ao novo racionalismo de Leibniz, e a qualquer atitude próxima, a par da sua intransigente defesa da tolerância religiosa, que faz Bayle ir dum peculiar racionalismo a um pirronismo exacerbado, qual herdeiro de Montaigne e precursor de Hume, ou um elo nessa corrente que liga Montaigne a Hume (BRAHAMI, 2001, 119-121).
Sobre o problema da essência e da existência do mundo exterior, o ceticismo defendia que os sentidos somente nos revelam a aparência, e não a essência, dos objectos; quer dizer, as qualidades sensíveis não pertencem propriamente ao objeto, são somente impressões sentidas pelo sujeito. Também para Descartes tais “qualidades secundárias” (som, cor, cheiro, sabor, calor) são também subjetivas, mas as “qualidades primárias” (forma, resistência, movimento, extensão) inerem aos próprios objetos. Ora, Berkeley vai mais longe que Descartes: não só as qualidades secundárias são apenas realidades subjetivas, sem existência independente do espírito humano, como subjetivas são também as “qualidades primárias”, não existindo, tal como as secundárias, fora de nosso espírito; então, o modo como o mundo exterior se nos revela por intermédio dos nossos sentidos reduz-se a aparências subjetivas, impressões ou ideias (noções quase equivalentes). Ao invés de Descartes, não existe substância material como substrato dessas qualidades, pelo que Berkeley admite um idealismo radical (cujo influxo chegou ao pensamento inglês e germânico), segundo o qual a matéria não existe, ou existe apenas uma maneira subjetiva: “[…] todos os corpos de que se compõe a poderosa máquina do mundo não subsistem sem um espirito, e o seu ser é serem percebidas ou conhecidas” (BERKELEY, 1958, 6, 24). Esta tese, arguida no seu Tratado, de que esse est percipi, ou de que não há uma realidade para além do que é percebido, é a estratégia capaz de eliminar o ceticismo.
No século XVIII, David Hume (1711-1776), nascido em Edimburgo, radicaliza a lógica dos argumentos céticos (colhidos em Sexto e em Descartes) a epílogos extremos, reacendendo o pirronismo, pois “Hume, ele mesmo, realmente manteve o único ponto de vista pirrónico ‘consistente’” (POPKIN, 1951 385), sendo até o seu empirismo mais dogmático que o pirronismo, do qual se distancia (a outros atribuindo a argumentação, como se não fosse um deles).
Se Berkeley, na crítica à metafísica cartesiana, pusera em questão a existência da substância material, o filósofo escocês continuará o empreendimento do filósofo irlandês, que estava a meio caminho, ampliando-o à substância espiritual. Com base no sensualismo de Locke, contesta a teoria das ideias inatas, esteio do sistema de Descartes, pois todas as nossas ideias, mesmo as mais abstratas, são derivadas da experiência sensível, e dela somente, e em vão procuraríamos na nossa mente uma ideia que não tivesse por origem uma ou várias impressões (sensações externas e internas), como salienta na Investigação sobre o Entendimento Humano (1748): “a dúvida cartesiana, se alguma vez fosse possível a uma criatura humana atingi-la (na realidade, não é), seria inteiramente incurável, e nenhum raciocínio nos poderia introduzir num estado de certeza e convicção acerca de qualquer matéria” (HUME, 2020, 160). Outrossim, “as causas e os efeitos podem-se descobrir, não pela razão, mas pela experiência” (HUME, 2020, 35): se estabelecemos entre dois factos uma relação de causa e efeito, é por termos anteriormente observado a mesma conexão: “tendo achado, em muitos casos, que quaisquer duas espécies de objetos – chama e calor, neve e frio – estiveram sempre combinados, se a chama ou a neve se apresentarem de novo aos sentidos, a mente é levada pelo costume a esperar o calor ou o frio” (HUME, 2020, 55) Não é, pois, por um raciocínio lógico ou em virtude de um princípio inato em nosso espírito que percebemos uma conexão entre dois factos: é por uma espécie de instinto ou de reflexo do hábito que somos levados a isso. Ao defender ainda que o ser-em-si é inacessível, demole todo o edifício metafísico.
Na esteira das objeções de Berkeley à existência de uma substância material, Hume observa que somos “levados, por um instinto ou predisposição natural, a depositar fé nos sentidos; e que, sem qualquer raciocínio ou mesmo quase antes do uso da razão, supomos sempre um universo externo, que não depende da nossa perceção, mas existiria, ainda que nós e todas as criaturas sensíveis estivéssemos ausentes ou fôssemos aniquilados” (HUME, 2020, 161), uma crença, portanto, que não depende de prova racional. Se isso não chega, “mediante que argumento se pode demonstrar que as perceções da mente devem ser causadas por objetos exteriores, totalmente diferentes delas, embora com elas se parecendo (se isso é possível), e que não podiam surgir ou da energia da própria mente, ou da sugestão de algum espírito invisível e desconhecido, ou de uma outra causa ainda mais incógnita para nós?” (HUME, 2020, 162). E mais: como as “qualidades sensíveis” (som, cor, cheiro, calor) não existem nos objetos, há que admitir o mesmo para as “qualidades primárias”, já que estas não se separam daquelas: “uma extensão, que não é nem tangível nem visível, não consegue possivelmente conceber-se” (HUME, 2020, 164). Se Berkeley, ao menos, admitia a existência de uma substância espiritual, Hume não reconhece nem a realidade da matéria, nem a do espírito: de modo análogo à nossa experiência externa, a interna manifesta-se-nos por uma série de estados de consciência, de factos psicológicos (ideias, sentimentos, desejos), e jamais apreendemos um “eu substancial” autónomo e suporte desses fenómenos: este é apenas ficção de nossa imaginação. Então, somente percebemos fenómenos, além dos quais não é possível supor a realidade de uma substância qualquer, doutrina peculiar que contradiz, simultaneamente, o materialismo, o espiritualismo e, consequentemente, o dualismo cartesiano.
Entretanto, a questão da identidade pessoal tão explanada no Tratado da Natureza Humana (1740) é silenciada na Investigação, o que mostra a perplexidade humeana: mesmo que considere a ideia de “eu” como ficção, Hume confessa, no “Apêndice” ao Tratado, que “há dois princípios que não posso tornar consistentes, nem está no meu poder renunciar a qualquer deles. São eles: todas as nossas perceções distintas são existências distintas, e a mente nunca apreende qualquer conexão real entre existências distintas”. Assim, se lhe é difícil dar uma explicação para a identidade pessoal consonante com o seu empirismo, não encontra outra saída que a teoria que ele demoliu (um “eu” anterior à experiência e que acompanha as nossas experiências), pelo que acaba por “solicitar o privilégio dos céticos e confessar que esta dificuldade é demasiado árdua para o meu entendimento” (HUME, 2001, 727). O “Apêndice” retrata um Hume que se debate entre a explicação com base no associacionismo e a insatisfação perante as teorias conhecidas, incluindo a sua.
Uma conceção noética revolucionária
Sem dúvida, o empreendimento kantiano impôs-se, demarcando-se do ceticismo, mas não se livrando do labéu de cético mui sofisticado. Após ensinar alguns anos a metafísica de Leibniz e de Wolff na Universidade de Königsberg, Immanuel Kant escreve: “Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa uma orientação inteiramente diversa” (KANT, 1988, 17). Esta nova via, nunca até então trilhada na Filosofia, foi integrativa: Kant não vai dum dogmatismo para mais um tipo de ceticismo, mas, serenamente e com profundeza, investiga sobre a capacidade do espírito humano, dando o tom logo a abrir a Crítica da Razão Pura: “A razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades” (KANT, 2001, AVII, 3).
Kant observa que, a partir de Hume, a posição do empirismo desemboca num problema insolúvel, tais eram as premissas noéticas, pois ter a experiência como critério de verdade, como referência, não equivale a depender ou resultar da experiência: “Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência” (KANT, 2001, B1, 36). O erro estava em pressupor a razão como imediata e completamente regulada pelos objetos da sensibilidade; se quisermos, não podemos afirmar que tudo se esgota no que nos é dado a conhecer pela experiência, mas podemos defender que tudo o que nos é dado pela experiência é cognoscível por categorias lógicas.
Uma “revolução copernicana”, eis o epíteto de Kant para o seu itinerário, tal como Copérnico fizera na Astronomia (“Prefácio”, 2.ª ed., 1787): se “até hoje se admitia que o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos”, doravante “os objetos deveriam regular-se pelo nosso conhecimento” (KANT, 2001, B XVI, 19, 20). O enfoque dum papel ativo da mente na estruturação da realidade é-nos hoje tão familiar que não divisamos o alcance da inovação de Kant: se, ao querer transpor os seus limites, o espírito humano se iludiu, mostra pacientemente como ele não alcança o ser-em-si sem pôr em questão a existência dos objetos, distanciando-se, portanto, com redobrado cuidado, quer do idealismo de Berkeley, quer de Hume: “O idealismo consiste na afirmação de que não existem outros seres exceto os seres pensantes; as restantes coisas, que julgamos perceber na intuição, seriam apenas representações nos seres pensantes, a que não corresponderia, na realidade, nenhum objeto exterior”. E prossegue: “Eu, pelo contrário, afirmo: são-nos dadas coisas como objetos dos nossos sentidos e a nós exteriores, mas nada sabemos do que elas possam ser em si mesmas”, pois “conhecemos unicamente os seus fenómenos, isto é, as representações que em nós produzem, ao afetarem os nossos sentidos”; por isso “admito que fora de nós há corpos, isto é, coisas que, embora nos sejam totalmente desconhecidas quanto ao que possam ser em si mesmas, conhecemos mediante as representações que o seu efeito sobre a nossa sensibilidade nos procura, coisas a que damos o nome de um corpo, palavra essa que indica apenas o fenómeno deste objeto que nos é desconhecido, mas, nem por isso, menos real. Pode a isto chamar-se idealismo? É precisamente o seu oposto” (KANT, 1988, 58).
Portanto, nada mais nada menos que uma conceção noética revolucionária. O mundo tal qual nos aparece, e tal qual a ciência no-lo faz conhecer com as suas definições, classificações e leis, não é uma imagem da realidade em si: é uma construção do nosso entendimento a partir dos dados sensíveis (eles mesmos “modelados” pelas formas do espaço e do tempo) e, no que ao entendimento concerne, das categorias. Aqui, reencontra-se o fenomenismo cético: o espírito pode alcançar apenas os fenómenos, o mundo em si é-lhe inacessível; todavia, há que enfatizar a profunda originalidade: para o cético, o sujeito limita-se a registar passivamente as sensações separadas; na ótica kantiana, o entendimento, mediante as categorias, opera uma racionalidade no mundo dos fenómenos, suscetível de ser objeto de uma verdadeira ciência, com carácter de objetividade: e as estruturas do espírito são as mesmas em todos os humanos, pois nestes há uma idêntica conceção da natureza e suas leis. Ora, para Kant, foi “David Hume o filósofo que, entre todos, mais se aproximou deste problema, embora estivesse longe de o determinar com suficiente rigor e de o conceber na sua universalidade”, uma vez que “deteve-se apenas na proposição sintética da relação do efeito com suas causas” (KANT, 2001, B 19, 49), não atentando que, “pelo seu raciocínio, também não poderia haver matemática pura, visto esta conter, certamente, proposições sintéticas a priori; o seu bom senso, por certo, tê-lo-ia preservado dessa afirmação” (KANT, 2001, B20, 50).
Como afirma já quase no final da Crítica da Razão Pura, “Hume é talvez o mais subtil de todos os céticos e, sem contradita, o mais notável no que respeita à influência que o método cético pode ter para provocar um exame profundo da razão” (KANT, 2001, A764, B792, 612). Daí que “o método cético, em si mesmo, para as questões da razão, não é satisfatório, mas preliminar, serve para lhe despertar a cautela e indicar-lhe os meios sólidos que possam assegurar-lhe a legítima posse” (KANT, 2001, A769, B797, 615). Por isso mesmo Kant foi um dos maiores filósofos da Modernidade, havendo quem afirme que se pode fazer uma filosofia contra Kant ou a favor de Kant, mas nunca sem Kant.
Também Hegel (1770-1831) se ocupou do ceticismo, mormente no período de Iena, na sua polémica com Schulze, e a filosofia de Kant parecia-lhe uma “forma imperfeita de ceticismo”: ao mesmo tempo que nega o conhecimento da realidade, afirma um conhecimento fenomenal da natureza. Se lemos, na Fenomenologia do Espírito (IV, B), uma secção dedicada ao ceticismo, contudo, este lateja em toda a obra, pois não só a constituição de cada uma das figuras da consciência emerge das contradições de figuras anteriores, como se negam a si mesmas nas figuras subsequentes: “O ceticismo, incidindo sobre todo o âmbito da consciência fenomenal, torna o espírito capaz de examinar o que é a verdade, enquanto leva a um desespero relativamente às representações, pensamentos e opiniões pretensamente naturais” (HEGEL, s.d., 70). Se apressadamente houve quem lesse o idealista alemão como o instaurador dum novo dogmatismo metafísico, ele próprio considera essa sua obra como “ceticismo que se aniquila e realiza a si mesmo” (der sich vollbringende Skeptizismus, “Introdução”, § 78).
“A força e a liberdade, […], demonstram-se através do ceticismo”
Não se olvide que Nietzsche (1844-1900), desde a sua juventude, lia também Diógenes Laércio, Sexto Empírico, Montaigne ou Pascal, cujos ecos povoam os seus escritos. Em “Porque sou perspicaz?” – no Ecce Homo –, é peremptório: “[…] vinde cá, livros agradáveis, espirituosos, reverenciados! Serão livros alemães?… Tenho de remontar seis meses atrás para me apanhar com um livro nas mãos. E o que era? Um excelente estudo de Victor Brochard, Les Sceptiques Grecs, […]. Os céticos, único tipo honroso no meio do bando tão equívoco e até multívoco dos filósofos!…” (NIETZSCHE, 1997b, 143-144). Assim, especificamente em “Nós, os sábios” – em Para além do Bem e do Mal –, há pelo menos 10 aforismos onde “ceticismo” ou “cético” surge pelo menos 25 vezes, tipificando várias modalidades, sendo comum a todas “gostar de suster as suas virtudes com uma nobre contenção e dizer com Montaigne: ‘O que é que eu sei?’, ou, com Sócrates: ‘Só sei que nada sei’” (NIETZSCHE, 1996b, 146). O “eu’” montaigneano, mais que sujeito do conhecimento, é um sujeito de desconhecimento que nos convida ao “desassossego da pergunta”.
Não admira que, quando Cosima Wagner, no Natal de 1870, presenteou Nietzsche com os Ensaios de Montaigne, o tenha encomiado como “livro europeu” (NIETZSCHE, 1968, 342). Montaigne alcançara a perfeição por sua “perenidade vivaz”, mas também pelo seu “ceticismo ousado e alegre” (NIETZSCHE, 1982, 36 [7], 284), ao serviço do “espírito livre”. O mestre dos aforismos exclama: “‘A alma que aloja sabedoria deve ainda, para sua saúde, tornar são o corpo”: eis o que disse Montaigne, a cujas palavras dou hoje prazenteiramente o meu assentimento, alguém a quem, neste domínio, não falta experiência” (NIETZSCHE, 1982, 40 [59], 394). Precursor de Foucault, e do próprio Nietzsche, Montaigne exaltou a corporalidade e muitas das nossas paixões e sensações. Nietzsche chega a afirmar nas Considerações Intempestivas (“Schopenhauer como educador”): “Não conheço senão um escritor que, por honestidade, eu coloco tão alto senão mais do que Schopenhauer: é Montaigne. Na verdade, pelo facto de que tal homem tenha escrito, o prazer de viver nesta terra foi aumentado” (NIETZSCHE, 1988, III, 2, 27).
Lemos também afirmações opostas: “[…] todo e qualquer pendor cético constitui, em princípio, um enorme perigo para a vida. Nenhum ser vivo teria perdurado se não tivesse sido criado e fortemente incrementado o pendor oposto: o de preferir afirmar a suspender o seu juízo, o de preferir errar e fantasiar a aguardar, o de preferir concordar a negar, o de preferir julgar a ser justo” (NIETZSCHE, 1996a, III, 129). Fustiga um outro tipo de ceticismo que prevaleceu em França na década de 80 do século XIX, de pseudofilosofia, com o fautor do positivismo, Augusto Comte, uma filosofia oposta à sua – uma espécie de ceticismo que enleva a rejeição da Filosofia e a deificação da ciência –, “a grande sugadora de sangue, a aranha cética” (NIETZSCHE, 1996a, III, 149).
Todavia, no título A Gaia Ciência, de Nietzsche, ecoa o que Montaigne escreveu (1588) sobre a sabedoria (ou ciência), que é “ousada, graciosa, verde, alegre e ingénua” (MONTAIGNE, 1962, 795), acrescentando (1595): “Eu amo uma sabedoria alegre [gaye] e civil [civile]” (MONTAIGNE, 1962, 822). E apregoa noutro escrito: “Não nos deixemos enganar: os grandes espíritos são céticos. Zaratustra é um cético. A força e a liberdade, provenientes do vigor e da exuberância do espírito, demonstram-se através do ceticismo”. E mais adiante: “Um espírito que queira coisas grandes, que queira também os meios para tanto, é necessariamente cético” (NIETZSCHE, 1997a, 85, 86). Com o seu ceticismo, tornou-se quer o crítico mais contundente do Iluminismo e da “Modernidade”, pejada de ilusões, inculcadas por uma esfusiante ideologia do progresso e do racionalismo científico – liberdade, democracia, justiça, felicidade –, quer um dos filósofos precursores da “pós-Modernidade”.
A controvérsia em torno da Modernidade
“A incredulidade nas metanarrativas”
Imbuída de relativismo e de adversão à “razão iluminista” é a nova corrente do “Pós-Modernismo”, um conceito ambíguo e polissémico que faz parte duma rede de “pós” – sociedade pós-industrial, ou pós-capitalista ou pós-histórica, pós-Estruturalismo, etc. –, segundo o qual a “verdade” é uma questão de contexto ou de perspetiva, na esteira do “perspetivismo” nietzschiano. Surgiu no final da década de 1970, foco de forte polémica, e teve como próceres iniciais Jean François Lyotard (1924-1998), Richard Rorty (1931-2007), Gianni Vattimo (n. 1936), Fredric Jameson (n. 1934), para nos atermos aos principais.
Segundo Vattimo (entrevista ao semanário Expresso, 30 de maio de 1987), “temos de encontrar uma terceira via. […] Habermas não critica suficientemente a filosofia das Luzes; pensa que, se o programa das Luzes, de Kant, não se realizou, foi apenas por uma falha da humanidade dos séculos XIX e XX: culpa do capitalismo, da sociedade de exploração. Nem suspeita que é porque há algo no programa da modernidade que não funciona”. Lyotard define o “‘pós-moderno’ como a incredulidade nas metanarrativas”, tais como “a dialética do Espírito, a hermenêutica do sentido, a emancipação do sujeito racional ou trabalhador, o desenvolvimento da riqueza”, reservando o termo “moderno” “à ciência que a elas se refere para se legitimar” (LYOTARD, 1979, 7). Assim, deparamos com um conceito pluralista, pontualista, antieuclidiano da razão, propondo um pluralismo irredutível dos jogos de linguagem e o carácter local de todos os discursos, acordos e legitimações (LYOTARD, 1979, 96-97), em contraposição com o conceito que Habermas projetou da razão em termos de teoria do consenso, a qual, desde a perspetiva de Lyotard, mais não é que o último grande intento por um pensamento reconciliador, totalizante, do idealismo alemão (ou da tradição marxista), isto é, o desenvolvimento de uma nova meta-narrativa.
Também neste enfoque, e utilizando termos de Kuhn, Rorty afirma estarmos numa época de “filosofia revolucionária”, inaugurada “pelos três filósofos mais importantes do nosso século”: Dewey, Wittgenstein e Heidegger (RORTY, 1988, 16 ss.). Estes são os pensadores da crise da Modernidade, da crise dum modelo de filosofia sistemática e construtivo (epistemológico) e da implementação dum discurso edificatório, conversacional, hermenêutico; em suma: moderno. Ora, “a palavra conhecimento não pareceria ser digna de disputa se não fosse a tradição kantiana de que ser um filósofo é possuir uma ‘teoria do conhecimento’, e a tradição platónica de que a ação que não se baseia no conhecimento da verdade de proposições é ‘irracional’” (RORTY, 1988, 276). Por isso, põe em causa “o conhecimento de todas as coisas pelas últimas causas”, isto é, o discurso centrado na pesquisa da verdade, e preconiza, em ordem à edificação (educacional), o discurso centrado na conversação. Ao questionamento da importância da epistemologia, a posição rortyana desenvolve a tentativa de desmitologização da pessoa, que é consequência da conceção da dualidade mente-corpo, após prosseguir “uma verdade sem correspondência com a realidade”, “um mundo sem substâncias nem essências”, “uma ética sem princípios” (RORTY, 1999, 23, 47, 72), como axiomas dessa metafilosofia.
Na obra de Rorty pressente-se um conjunto de aporias, pois, desde logo, a nossa era não faz rutura como a que Rorty assinala. Outras ruturas e descontinuidades mais incisivas ocorreram ao longo da história da filosofia, e, por outro lado, só no horizonte duma tradição – que Rorty posterga – se poderá ilustrar uma rutura. É possível continuar a falar de tradição filosófica por referência ao que torna possível qualquer tomada de posição filosófica futura, mesmo a mais antifilosófica. Não somos inscientes de uma tradição filosófica, raiz plural de diferentes problemas e soluções na filosofia. Sem essa tradição, atitudes como a de Rorty não se poderiam ter verificado: nada surge do vazio. Deste modo, opor-se a um conceito de epistemologia como horizonte do conhecimento objetivamente fundado não significa – como supõe Rorty – inscrever-se numa perspetiva a-epistemológica; significa até o contrário: só a partir do espaço epistemológico em geral pode ter algum sentido o pragmatismo rortyano. Por outro lado, se a filosofia edificatória é conversação e hermenêutica – como quer Rorty –, carece necessariamente de um subsolo comum que dê sentido a essa “conversação”.
“Tem a coragem de te servires do próprio entendimento”
Entrementes, Michel Foucault (1926-1984), que rejeitou a conexão das Luzes com a liberação e o Humanismo – “as ‘Luzes’ que descobriram as liberdades também inventaram as disciplinas” (FOUCAULT, 1975, 224) –, e a História nada assinala de relevante em que fôssemos “maiores”, focaliza a atenção em Kant e na Resposta à Pergunta: “O Que É o Iluminismo?” (1784), onde este é definido como “a saída” [Ausgang] do homem da sua menoridade”, sendo esta “a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem” (KANT, s.d., 11). Acresce que “tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem”. E Kant prossegue: “Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo” (KANT, s.d., 11). E explica: “a preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio [naturaliter maiorennes], continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida” (KANT, s.d., 11). E Kant exemplifica: “Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar” (KANT, s.d., 11-12). Exproba-se, pois, com veemência, o estado da vontade em que se aceita a autoridade de alguém; aliás, como anota Kant, “é tão cómodo ser menor” (KANT, s.d., 12) quando é mister fazer uso da razão. Então, mais que uma tarefa, tal “saída” é uma obrigação.
Adorno já alcandorara o escrito de Kant ao limiar dum projeto emancipador: “Considero que este programa […] é ainda hoje muito atual. A democracia repousa na formação da vontade de cada indivíduo particular, tal como se sintetiza na instituição das eleições representativas. Para evitar um resultado irracional, é necessário pressupor o valor e a capacidade de cada um se servir do seu próprio entendimento. Se abrirmos mão disto, todos os discursos sobre a grandeza de Kant são mera retórica […]” (ADORNO, 1998, VIII, 115). Aliás, Kant já assinalara: “Mas, para esta ilustração [Aufklärung], nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão” (KANT, s.d., 13) em todas as questões.
Foucault sugere que cada um dos exemplos remete para as três Críticas, a nível do conhecimento (Critica da Razão Pura, 1781), da moral (Critica da Razão Prática, 1788) e da estética (Critica da Faculdade de Julgar, 1790), já que maioridade corresponde à crítica (FOUCAULT, 1984, 565-566). Ademais, salienta que “Aufklärung é definida pela modificação da relação preexistente entre a vontade, a autoridade e o uso da razão” (FOUCAULT, 1984, 564). Um ano antes, salientara que “[…] com esse texto sobre a Aufklärung vê-se a filosofia – e penso […] que é a primeira vez – a problematizar a sua própria atualidade discursiva: atualidade que ela interroga como acontecimento”, do qual “ela tem de dizer o sentido, o valor, a singularidade filosófica, e na qual ela tem de encontrar ao mesmo tempo a sua própria razão de ser e o fundamento do que ela diz” (FOUCAULT, 1994b, 680). Se Kant, com o seu texto, enfatiza a “atualidade da crítica”, justificando com o mesmo passo também a sua própria obra, Foucault, com os seus vários textos sobre Aufklärung, segue trajetória similar.
Esta é a atitude (ethos) inédita da Filosofia na qual Foucault se reconhece: “‘O que é a nossa atualidade? […]’ Não se trata de uma analítica da verdade, mas do que poderia chamar-se uma ontologia do presente, uma ontologia de nós mesmos”. Eis o dilema: “pode-se optar por uma filosofia crítica que se apresentará como uma filosofia analítica da verdade em geral, ou então por um pensamento crítico que tomará a forma de uma ontologia de nós mesmos, de uma ontologia da atualidade; é esta forma de filosofia que, de Hegel à Escola de Frankfurt, passando por Nietzsche e Max Weber, fundou uma forma de reflexão na qual tenho tentado trabalhar” (FOUCAULT, 1994b, 687-688) – crítica que não é transcendental (como a kantiana), mas “genealógica na sua finalidade e arqueológica no seu método”, pelo que “esta ontologia histórica de nós mesmos deve desviar-se de todos esses projetos que pretendam ser globais e radicais” (FOUCAULT, 1984, 574), incidindo sobre o que o nosso “presente” reclama de (maioridade) liberação, propondo: “É preciso tentar fazer a análise de nós mesmos enquanto seres historicamente determinados, até certo ponto, pela Aufklärung” (FOUCAULT, 1984, 572), pelo que a tarefa da Filosofia não é pensar sobre o permanente e eterno, mas diagnosticar o presente; então, afasta-se duma visão otimista das Luzes que reviva valores universais (um pouco como Habermas), qual epítome da “Modernidade” destituída de relevância para Foucault, tal como a “pós-Modernidade”, na qual não se divisa sequer qual “o tipo de problemas visados por este termo que seja comum a quem designamos por pós-modernos” (FOUCAULT, 1994a, 446-447).
A Modernidade: Um Projecto Inacabado
Precisamente Jürgen Habermas (n. 1929), cuja obra aprofunda a democracia e a política deliberativa no âmbito da esfera pública, esforça-se por mostrar que “a Modernidade é um projeto inacabado” – título do discurso proferido quando aquando da atribuição do Prémio Theodor W. Adorno (Frankfurt, setembro de 1980), desenvolvido depois n’O Discurso Filosófico da Modernidade (1985). A Modernidade é vista, na esteira de Adorno, como projeto emancipatório, não somente como “saída da menoridade” culpada, mas como superação das “filosofias da consciência” e da subjetividade – a conceção cartesiana é o alvo principal. Portador da herança iluminista, opera a passagem ao modelo comunicativo, visando também refutar os pós-ilustrados (Pós-Modernismo), que apoda de “conservadores” ou “irracionalistas”. Eles “fundamentam com uma postura modernista um antimodernismo implacável”: “em França, esta linha vai de Georges Bataille a Derrida, passando por Foucault”, e “sobre todos paira, naturalmente, o espírito de um Nietzsche ressuscitado nos anos 70” (HABERMAS, 2017, 72)
Tal viragem a um processo discursivo, relegando um sujeito solipsista que aparentava ser um mestre satisfeito consigo mesmo, é uma “atividade comunicativa” cujo escopo é estabelecer a compreensão mútua no quadro de uma comunicação não tortuosa: tal passo pressupõe que o sujeito é um “sujeito dialógico”, envolto na intersubjetividade mediada pela linguagem. Porém, não se trata de capacidade para manipular um amplexo de regras normativas específicas duma língua, nem de argúcia argumentativa, mas, no lastro de Chomsky, de competência comunicativa como “faculdade de discussão”, ou seja, de troca de argumentos: “provar” (do latim probare) é ao mesmo tempo uma experiência linguística e um trabalho de justificação. Aliás, n’O Discurso Filosófico da Modernidade, explica a mundividência pressuposta na Teoria do Agir Comunicativo, que escrevera quatro anos antes, e fá-lo articulando metodicamente também as críticas aos depreciadores do projeto iluminista, que eles pretendem rejeitar quando mais nele estão imersos. Essa razão, supraindividual mas sem preceder os indivíduos, busca dar conta das esferas da sociedade moderna fragmentada: “Esta racionalidade comunicacional faz lembrar as antigas conceções do logos na medida em que comporta as conotações da força não coercivamente unificadora, geradora de consenso, de um discurso cujos participantes ultrapassam as suas opiniões, a princípio limitadas subjetivamente, a favor de um acordo racionalmente motivado, conceções a princípio marcadas pela parcialidade subjetiva. A razão comunicacional expressa-se num entendimento descentrado do mundo” (HABERMAS, 1990, 291).
Para responder aos céticos, Habermas esforça-se por explicar as razões pelas quais a “verdade” não é nem adequatio da coisa e do intelecto, nem uma visão em Deus graças ao lumen naturale, nem, tão pouco, o “evidente”, o “eficaz” ou o “útil”; nem é haurida do lado da sensação (ancorada pelo hábito), nem do lado da conjugação de intuições sensíveis e categorias do entendimento. O problema da verdade resolve-se pela linguagem e ação, melhor, pela arguição, com a qual as pretensões à validade são legitimadas. Assim, um enunciado é dito verdadeiro quando a pretensão à validade que exprime é justificada, e a instância da prova da verdade é a argumentação. Se Lyotard considera o “consenso” apenas um estágio particular da discussão, para Habermas ele é o objetivo da legitimação do saber. Pra, para Lyotard, o fim é outro, o paralogismo; e os diagnósticos do pós-ilustrado francês seriam, segundo Habermas, mais um cadinho da pujante Modernidade, de que os pós-modernos afinal seriam filhos, porventura sem o saberem.
“Para estudar o Homem é preciso aprender a lançar a vista ao longe”
A controvérsia acerca do relativismo cultural surgiu, de modo reiterativo, ao longo dos tempos e das várias correntes – uma questão que assedia desde sempre as sociedades, e hoje mais intensamente. Se, por um lado, o relativismo cultural se opõe em grande parte ao “etnocentrismo”, em geral o relativismo moral contradita o “universalismo ético”, quando é mister, no século XXI, conjugar as diversidades culturais adotando uma perspetiva que legitime a aceitação de princípios tendencialmente universais.
Nesta sequência, também Habermas, sobre o relativismo cultural – questão versada no livro A Inclusão do Outro (1996) –, sustém que “os direitos coletivos apenas podem fortalecer um grupo na sua autoafirmação cultural se, ao mesmo tempo, garantirem aos membros individuais a margem de manobra de que necessitam em termos realistas para tomarem uma decisão refletida entre a apropriação crítica, a revisão ou a recusa”, e, portanto, “para a apropriação de uma tradição em condições de dissensão” (HABERMAS, 2015, 217-218). As lutas pelo reconhecimento só detêm legitimidade se todos os grupos tiverem acesso à esfera pública, com voz ativa, podendo argumentar, sem ninguém ser marginalizado ou excluído. De facto, a realização progressiva da dignidade humana foi reconhecida ao longo da História, embora sob denominações diferentes. Assim, o direito à educação, a expressar as próprias opiniões, a igualdade de oportunidades, a não discriminação racial ou sexual, a obrigação de proteger crianças e anciãos, e outros direitos e obrigações expressos em sucessivas declarações de direitos, exprimem uma ideia universal de justiça, em cuja gestação todos os povos são bem-vindos (ROCHA, 2001, 203-204). Neste contexto, falar de ética é sobretudo refletir acerca da justiça, isto é, dos princípios, das condições e dos conteúdos suscetíveis de definir uma sociedade justa; por isso a justiça é um bem transcultural, no reconhecimento e respeito pela dignidade e integridade de cada um e na rejeição de situações de pobreza, dominação e violência.
Tal como defendeu Ernest Gellner, importa atender ao imperativo antropológico das “necessidades humanas básicas”, que pressupõem requisitos como o nutrimento, a saúde, a alfabetização, a igualdade formal (não obstante, uma “desigualdade fluída”), a mobilidade social (GELLNER, 1998, 29 ss.). Ora, os bens básicos são condição necessária para a realização de qualquer plano de vida, para a atuação do indivíduo como agente moral, sem os quais não é possível uma vida condigna. Como tal, devem constituir uma “reserva vedada” a quaisquer negociações ou concessões: uma decisão para os reduzir é prima facie ilegítima, e uma sociedade que os viole dir-se-á que é injusta. Assim, as autoridades nacionais e de grupos étnicos devem facultar o gozo dos direitos relativos à satisfação de tais necessidades, o que pode levar, por vezes, por exemplo, à imposição da obrigação de escolaridade (não dependente de consentimento das crianças ou dos pais) ou ao cumprimento de princípios elementares de sanidade (GARZÓN VALDÉS, 1993, 51-52) – as denominadas “medidas paternalistas”.
Com tais pressupostos, afirmamos que a defesa ou a conservação de identidades ou diferenças culturais é eticamente aceitável sempre que e quando não contradiga alguma dessas características que integram semanticamente o conceito de “justiça”. Assim, uma cultura que reconheça a escravatura, que pratique o infanticídio ou o geronticídio, que degrade a situação da mulher, que admita a tortura, não pode merecer o respeito dos povos, nações ou indivíduos. Por outro lado, são precisamente as diferenças culturais que podem enriquecer, com seus costumes peculiares, a noção de justiça. Mas a justiça ou a dignidade da pessoa só existe se forem respeitados certos princípios universais – universalizáveis –, a par de costumes que respondem a necessidades ou circunstâncias múltiplas – não universalizáveis.
Se a justiça é transcultural, isso não obsta à conservação das diversidades culturais: o justo não é negociável; a fome e a tirania devem ser erradicadas onde quer que existam; os demais bens ou fins que não fazem dano nem impedem o exercício destes direitos fundamentais, e que são fonte de felicidade, podem e devem ser prosseguidos (CAMPS, 1993, 90 ss.). Se este critério nos demarca do relativismo, é porém um critério de difícil aplicação: primeiro, as fronteiras entre os deveres da justiça e os bens da felicidade não são tão claras como pode parecer à primeira vista; segundo, os conteúdos da justiça têm-se historicamente ampliado; terceiro, se a justiça é prioritária – como julgamos –, divergem os modos de a impor, e há que escolher aqueles que menos afetem a preservação dos bens culturais.
Em suma, afirmamos o seguinte: todos os valores só podem realizar-se no âmbito de uma cultura particular; esta compreende quer valores vigentes consensuais (moral positiva), quer a projeção de valores disruptivos da moral vigente (moral crítica); num enfoque intercultural, a comunicação entre culturas torna possível o reconhecimento, no âmbito de cada cultura particular, de valores transculturais realizados em diferentes culturas (ROCHA, 2001, 208 ss.). Não deve confundir-se relativismo com pluralismo cultural; este reconhece como positiva a constelação de culturas, que podem coexistir de maneira pacífica, uma vez que aceitam normas universalmente válidas – os direitos humanos. Outrossim, uma cultura não é uma maneira uniforme de vida coletiva, estabelecida de uma vez para sempre, mas está transida de conflitos, entre o que é aceite por uma maioria e o que uma minoria propõe. Quer dizer, toda a cultura contém a possibilidade de atitudes e crenças disruptivas das vigentes; não há, pois, uma moral vigente sem a possibilidade de dissidência dessa moral.
Na Antiguidade helénica, com Protágoras e outros, com Montaigne no Renascimento, aprende-se a lição de relativizar o etnocentrismo, essa posição pela qual uma cultura, uma classe ou um grupo, quaisquer que eles sejam, têm a tendência para identificar com o seu próprio código a essência humana em geral. Lévi-Strauss, na senda de Rousseau, autor d’O Olhar Distanciado (Le Regard Éloigné) (1983), ilustra bem a posição do antropólogo: observa sociedades afastadas da sua e, depois, em retorno, vê a sua de um ponto de vista distanciado: “Quando se quer estudar os homens, é preciso olhar perto de si, mas para estudar o Homem é preciso aprender a lançar a vista ao longe; primeiro observar as diferenças, para descobrir as propriedades” (LÉVI-STRAUSS, 1973, 47).
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Autor: Acílio da Silva Estanqueiro Rocha