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    Resistência, Direito de

    De um ponto de vista teórico, a resistência pode ser considerada ativa ou passiva. O direito de resistência passiva é admitido pelos pensadores cristãos desde a época medieval; já o direito de resistência ativa é tratado como algo perturbador. O direito de resistência assenta no pensamento agostiniano, segundo o qual a lei injusta não é lei, portanto, não deve ser obedecida. Também João de Salisbúria, no século XII, na obra Policraticus, defende que um tirano pode ser morto já que é um opressor das leis. A resistência ativa às políticas do tirano representa uma oposição aos seus crimes. No século XIII, S. Tomás de Aquino recupera a discussão, dizendo que a resistência à tirania deve ser cautelosa, operada apenas sem casos extremos e recorrendo à autoridade do papa. Noutros casos, todavia, S. Tomás defende que para manter a ordem social se deve suportar o tirano (CALAFATE, 2012, 153-155).

    Em De Legibus, no Principatus Politicus e no De Iuramentu Fidelitatis, Francisco Suárez observa que, uma vez atribuído o poder a um soberano pelo povo, não pode este reclamar mais da sua liberdade de decisão. No entanto, há casos fixados pelo Direito Natural em que se justifica que a comunidade conteste a soberania. A tirania nasce do título ilegítimo de aquisição do poder ou da administração injusta de governo. Nestes casos, aplica-se a doutrina do poder de resistência apenas quando a tirania é pública e comprovada (CALAFATE, 2012, 155-156)

    O Diário da República, em Portugal, define o direito de resistência como “um direito defensivo, em que o ordenamento legitima juridicamente que um cidadão possa incumprir uma ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias ou repelir pela força, num contexto defensivo, um ato de agressão sempre que não possa recorrer à autoridade pública”. Está previsto no art.º 21.º da Constituição da República Portuguesa, abrangendo o domínio dos direitos, liberdades e garantias. Esse é um direito imediatamente aplicável, sem necessidade de mediação da lei ordinária, atento o disposto no n.º 1 do art.º 18.º da Constituição. O direito de resistência é oponível tanto perante poderes públicos como perante sujeitos privados. Pode envolver uma atitude de abstenção (incumprir passivamente uma ordem) ou uma conduta ativa (resistência a uma agressão física ilegítima ou a uma violação de domicílio). Excetuando a desobediência hierárquica (o n.º 3 do art.º 271.º da Constituição determina que o inferior hierárquico pode fazer cessar o dever de obediência a uma ordem que envolva a prática de um crime), a Constituição não determina as modalidades do exercício do direito de resistência. É considerado um direito de uso extraordinário e raro, uma vez que se submete ao princípio da proporcionalidade, ou seja, se for banalizado compromete o funcionamento do Estado de Direito democrático. Deste modo, o direito constitucional tem uma natureza atípica, já que é uma realidade constitucional na qual são identificados gestos que indicam “enfrentamento, por ação ou omissão, do ato injusto das normas jurídicas, do governante, do regime político e também de terceiros, fundado em razões jurídicas, políticas ou morais” (BUZANELLO, 2005, 19-20).

    O direito de resistência pertence a um domínio da política e do jurídico, em correlação, já que opera num sistema de princípios que se estende a todo o sistema jurídico. O direito de resistência relaciona-se com o direito constitucional, já que este dispõe acerca dos limites do poder político e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Deste modo, funciona como um mecanismo de autodefesa da sociedade, na garantia dos direitos fundamentais e no controle dos atos públicos, operando na manutenção do pacto constitucional por parte do governante (BUZANELLO, 2005, 20).

    No sistema constitucional brasileiro, há o reconhecimento do direito de resistência através da objeção de consciência (Constituição da República Federativa do Brasil, art.5.º, VIII c/c, art. 143, § 1.º), da greve política (art. 9.º) e do princípio da autodeterminação dos povos (art. 4.º, III). A resistência constitucional apresenta-se sob o aspeto formal, com os direitos políticos e civis consignados na Constituição, e sob o aspeto material, com os direitos materialmente constitucionais, como os princípios implícitos (BUZANELLO, 2005, 20, 22).

    Bibliografia

    Impressa

    BUZANELLO, J. C. (2005). “Em torno da Constituição do direito de resistência”, Revista de Informação Legislativa, 42 (168, out.-dez.), 19-27.

    CALAFATE, P. (2012). Da Origem Popular do Poder ao Direito de Resistência. Doutrinas Políticas no Século XVII em Portugal. Lisboa: Esfera do Caos.

    SALISBURY, J. de (1984). Policraticus. Ed. de M. A. Ladero; trad. de M. Alcalá. Madrid: Editora Nacional.

    SUÁREZ, F. (1974). De LegibusCorpus Hispanorum de Pace. Ed. de L. Pereña & V. Abril. Madrid: CSIC.

    SUÀREZ, F. (1978a). Defensio Fidei IIIPrincipatus Politicus. Corpus Hispanorum de Pace (vol. II). Introd. e ed. de E. Elorduy & L. Pereña. Madrid: CSIC, Madrid.

    SUÁREZ, F. (1978b). De Iuramento FidelitatisCorpus Hispanorum de Pace (vol. XIX). Ed. de L. Pereña et al. Madrid: CSIC.

     

    Digital

    Constituição da República Federativa do Brasil (1988), https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm (acedido a 25.02.2024).

    Diário da República, “Direito de resistência”, https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/direito-resistencia (acedido a 25.02.2024).

     

    Autora: Fernanda Santos

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