• PT
  • EN
  • Revolução Francesa de 1848

    Revolução Francesa de 1848

    A Revolução Francesa é um referente perante o qual os revolucionários de 1848 manifestam uma atitude de veneração. Poderoso mito alimentado naturalmente pela visão romântica da história. Muitos dos elementos de reatualização da Revolução persistem, ou renovam-se, nas vésperas da Revolução de 1848. Ou seja, ela seria uma continuação do movimento iniciado em 1789 e da sua missão salvacionista – a redenção da humanidade pelo povo eleito, o povo francês. A esperança revolucionária permanece e é vivificada com a revolução de 24 de fevereiro de 1848, em Paris. A imagem da Revolução perduraria, pese embora através de visões diversificadas e tendências políticas diferentes. Uns glorificam a Revolução de 1789 (Michelet), outros (Louis Blanc, Buchez) veem na ditadura jacobina de 1793-1794 o tempo áureo da democracia popular. Um denominador comum ressalta nos seus discursos – a motivação política e as preocupações de índole social. E um novo tipo de discurso político emerge com uma linguagem mais direta, mais concreta para incitar o leitor e o ouvinte. Discurso empolgado em que perdura o fascínio das imagens e as palavras do passado revolucionário. A corporização do herói, do mártir, do aristocrata, do patriota, do contrarrevolucionário no discurso, na festa e nas cerimónias era uma via prática para a inteligibilidade da mensagem política. O imaginário político revolucionário está povoado de personagens e da sua figuração. Uma dessas figuras que encarna o ideal supremo – o soldado. Personifica-se o herói militar, o homem que protege a nação, que zela pela salvação da pátria. Para alguns, a revolução desejada deveria ser pacífica e humana, devendo atingir a sua plenitude na vivência da fraternidade universal, simultaneamente sonhada e vivida no quotidiano. Mas ela não se enquadra no puro otimismo romântico. Outros incitam à revolução armada, à construção de barricadas a exemplo do que se passava em Paris. O ideal cosmopolita e universalista não era, porém, inconciliável com o patriotismo. Mitifica-se a figura do patriota, reconhecem-se as nacionalidades.

    No discurso dos revolucionários de 1848, em França, na Itália, na Polónia, na Alemanha e em Espanha e Portugal, ressalta a força transcendente da Revolução Francesa. Todavia, há uma especificidade nas conquistas conseguidas pela revolução que eclodiu em Paris em 24 de fevereiro de 1848: a abolição da pena de morte em matéria política (26 de fevereiro); o sufrágio universal (2 de março); o apelo à abolição da escravatura nas colónias (4 de março), entre outros objetivos sociais.

    A república surgia como um princípio novo, que tinha por fim a coesão dos patriotas numa grande família em que o governo do Todo era exercido por todos, na razão da sua aptidão e mérito. Propalava-se a união de todos os homens – operários, artistas, soldados…, e a libertação do povo de uma monarquia “imoral e dissipadora”. Mas a república não podia ser redutível a um mero regime político, ela era o garante da realização das reformas sociais: direito ao trabalho, liberdade de associação, de discussão, de imprensa, combate à concorrência ilimitada, universalização do sufrágio, democratização do exército.

    Atingida a almejada união, proclamada a república, no ideal de Fraternidade consumar-se-ia a união dos Povos, a democracia social.

    República era, assim, símbolo de felicidade, qual estado de paz e de harmonia. Um denominador comum subsistia em múltiplos impressos: a finalidade didática e propagandística para esclarecer as massas populares e instruí-las politicamente. Uma preocupação primordial é notória: o profícuo esclarecimento e a politização do povo.

     

    A educação

    Numa fase inicial, o ensino elementar geral facultava a todos os cidadãos a fácil apreensão das noções políticas mais essenciais, precavendo-os, assim, de influências contrárias à ideologia republicana.

    O ensino seria ministrado em escolas, em sociedades, em teatros, bem como em “circos ginásticos” onde os cidadãos poderiam aprender toda a gama de exercícios imprescindíveis a um bom equilíbrio físico. A formação intelectual e física era um objetivo essencial dos “republicanos”. Também a instrução técnica ocuparia um lugar primordial. Essa aprendizagem fazia-se em escolas especializadas de modo a permitir uma fácil iniciação em todas as artes e ofícios.

    Esclarecidas e instruídas politicamente, as massas populares exerceriam a prática do sufrágio direto e universal. Consagrar-se-ia, assim, a soberania popular. Eleitos os seus dignos representantes, proceder-se-ia à fase da consolidação do sistema republicano: garantia do direito ao trabalho, garantia de habitação, pagamento do salário segundo o sexo e a profissão, redução do horário do trabalho, proteção à terceira idade e aos órfãos, boa assistência médico-social, sólida organização judicial, formação da guarda nacional. Preconizava-se a igualdade de direitos, a garantia da liberdade de imprensa, de discussão, de associação, uma mais equitativa repartição da riqueza e um maior bem-estar social.

     

    O “governo republicano”

    Para os liberais mais radicais, definia-se um regime sem fações, que não poderia nem deveria conduzir à anarquia ou ao despotismo.

    Combater a ignorância a propagandear os ideais republicanos era também o propósito dos catecismos republicanos. Neles se definia de forma sucinta, mas precisa, os conceitos de república, governo, guarda nacional, eleições, sufrágio universal, direitos dos cidadãos.

    É claro que se divulgavam também folhetos antirrepublicanos, que consideram que a igualdade de direitos seria um “despotismo autorizado pelo forte contra o fraco”.

    Outros folhetos de tendência claramente democratizante, alguns clandestinos, defendem o exercício da democracia numa república federativa. Nessa literatura socializante que comungava das doutrinas utópicas de Saint-Simon, Fourier, Owen, Pierre Leroux, Louis Blanc, Cabet e Proudhon estabelece-se uma estreita relação entre a política e a economia. A república democrática seria, portanto, a única forma de governo capaz de conciliar a liberdade com a autoridade, a ordem com o progresso. Ela faria vingar a justiça universal. O seu ideal cosmopolita e universalista não era incompatível com o patriotismo. Na organização internacional subsistia o reconhecimento das nacionalidades.

    A república é definida como o reino da justiça, em que se praticam as virtudes evangélicas – a filantropia e a tolerância. A república democrática seria, portanto, a única forma de governo capaz de conciliar a liberdade com a autoridade, a ordem com o progresso. Para os mais radicais a república faria vingar a justiça universal.

    A linguagem figurativa, alegórica e simbólica é também uma constante em 1848. As alegorias móveis e fixas são sugestivas: o patriota, a emancipação dos povos, a república. Os símbolos e alegorias são uma constante na imprensa, nas estampas, nas sociedades secretas (Maçonaria e Carbonária Lusitana), também espelhados no teatro, no drama social, em toda a literatura socializante. É com esse germe de universalidade e ecumenismo, na base de um sincretismo religioso, que as revoluções de 1848 conferem alento à fraternidade, à tolerância, à solidariedade. O objeto desta “religião nova” é, em suma, a humanidade. Os demo-republicanos dão relevância primacial ao povo. O povo, torturado como Cristo, é a humanidade em busca da justiça e da fraternidade. A libertação coletiva dos oprimidos, pese embora definida por um vocabulário messiânico, tem um sentido acentuadamente laicizante. Logo, a redenção, na liturgia dos socialistas utópicos e revolucionários de 1848, é uma autorredenção pela conquista da emancipação humana. Ou seja, a força libertadora do jugo da tirania, da oligarquia, da opressão capitalista. Para os mais radicais não bastava a revolução das ideias, mas impunha-se a revolta armada.

    Em Portugal, os ecos revolucionários foram manifestos no discurso e só episodicamente nos escassos surtos armados.

    Após a guerra civil de 1846-1847 não havia uma base social de apoio a uma revolução como a que eclodira em França e em outros países europeus.

    Os demoliberais portugueses da década de 1840-1850 assimilaram o espírito evangélico do Romantismo social, as doutrinas dos socialistas utópicos e propagandearam os princípios da Revolução de 1848. Almejava-se a revolução social. António Pedro Lopes de Mendonça (jornalista e político), José Maria do Casal Ribeiro (jornalista e político), Francisco de Sousa Brandão (engenheiro civil e jornalista), Custódio José Vieira (jornalista e advogado), Marcelino de Matos (jornalista e advogado), entre outros, comungavam da esperança republicana e busca da felicidade do homem. Na república entretecem-se o social, o moral e o político.

    Para os liberais mais radicais, como os setembristas, prevalecia o ideário revolucionário assente em princípios ecuménicos e universalistas. Porém, se uns propunham uma “revolução social” pacífica, para outros, impunha-se a revolta armada.

    Folhas clandestinas e anónimas como O Regenerador. Jornal do Povo, A Alvorada, O Republicano, A Fraternidade, A República. Jornal do Povo, à semelhança dos revolucionários franceses, estimulavam o povo lusíada a pegar em armas, a construir barricadas, fazendo a apologia persistente da república como único regime capaz de operar a regeneração social pela realização prática dos princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

    Portugueses residentes em Paris em fevereiro de 1848 e estudantes e professores da Universidade de Coimbra apoiaram a revolução. Portugueses e espanhóis uniram-se então numa estratégia comum: a regeneração social no âmbito da monarquia e em prol da União Ibérica a que subjaz o movimento emancipalista e unionista e federalista de 1848.

    A eclosão do movimento revolucionário francês de 24 de fevereiro de 1848 marcara a hora da “ressurreição do povo”, a hora suprema das nacionalidades e do sonho da Santa Aliança dos Povos.

    Bibliografia

    AGULHON, M. (1979). Marianne au Combat. L’Imagerie et la Symbolique Républicaines de 1789 a 1880. Paris: Flammarion.

    BÉNICHOU, P. (1977). Le Temps des Prophètes. Doctrines de l’Âge Romantique. Paris: Gallimard.

    RIBEIRO, M. M. T. (1990). Portugal e a Revolução de 1848. Coimbra: Livraria Minerva.

    RIBEIRO, M. M. T. (1987). “O Cristianismo Social de 1848”. Revista de História das Ideias, 9, 481-494.

    RIBEIRO, M. M. T. (2011). “Movimentos revolucionários de 1848: A memória da Revolução”. In J. Hermann et al. (coords.). Memória, Escrita da História e Cultura Política no Mundo Luso-Brasileiro (174-200). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.

     

    Autora: Maria Manuela Tavares Ribeiro

    Autor:
    Voltar ao topo
    a

    Display your work in a bold & confident manner. Sometimes it’s easy for your creativity to stand out from the crowd.