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    Totalitarismos

    O conceito de totalitarismos é utilizado atualmente de forma frequente em artigos de opinião, notícias, reportagens e em múltiplos campos do conhecimento, nomeadamente, a História, Ciência Política, a Filosofia e a Sociologia. Assim, este conceito é simultaneamente essencial e questionável pelos vários autores que se debruçam sobre este tema.

    O termo “totalitarismo” foi oficialmente introduzido por Giovanni Amendola, em 1923, de modo a referir-se ao processo de concentração do poder social nas mãos de um Governo controlado por um indivíduo, camarilha ou grupo político com aparência formal de partido. Na sua conceção original, o totalitarismo não é radicalmente incompatível com certas formas de apoio popular expressas em termos eleitorais, embora o seja relativamente à democracia poliárquica. Stanislav Andreski, sociólogo, alargou o adjetivo “totalitário” aos instrumentos utilizados para impor o controlo do governo sobre a vida social das populações (BARREIRO RIVAS, 2019, 1).

    Posteriormente à analise dos fenómenos totalitários desenvolvidos na Europa durante a primeira metade do século XX,  C. J. Friedrich expandiu o debate ao concluir, na sua obra de 1954, que, para além de ser uma proposta sistémica para a ação política, o totalitarismo configura-se como um síndroma no qual confluem seis pontos concretos da interpretação do poder, caracterizando-se por um partido único de massas, dirigido por um líder carismático; uma ideologia oficial que serve como marco para a interpretação da realidade nacional; controlo da economia por parte do partido; controlo dos meios de comunicação de massas; controlo das forças armadas e implementação de um sistema de controlo policial com recurso frequente ao terror (Friedrich, 1954, 52-53). Estes fatores foram recuperados nas teorias de F. Neumann, concentrando-se sobretudo na importância do papel do terror e do estado policial.

    Esta enumeração de características é suscetível de ser matizada, ampliada ou reduzida, e se alguns autores tendem a substantivar a função totalitária do terror (GIDDENS, 1985, 303), outros, como Almond, recorrem ao critério dominante da burocratização racional da tirania, ao monopólio da comunicação e da violência tecnificada (BARREIRO RIVAS, 2019, 1).

    No estudo dos totalitarismos, é importante entender dois conceitos para compreender este fenómeno político. Os conceitos de poder e autoridade, ao contrário do que se pode pensar, não são automaticamente sobrepostos. O poder significa faculdade, potência legalmente atribuída, possibilidade e capacidade de fazer, implica assim uma situação de capacidade, quer jurídica quer factual, de concretizar uma determinada situação (GIL, 1989, 46-47).

    A autoridade significa, em oposição, ser gerador de qualquer coisa ou alguém, ou seja, a capacidade de conferir idealmente e no plano de valores as possibilidades e as capacidades de ser e de fazer. O papel da figura ou do momento em autoridade é detetável nos indivíduos e entidades supraindividuais genericamente indicadas como grupos. A autoridade está assim presente quando alguém suporta e aconselha, auxiliando um grupo ou indivíduo numa situação de vulnerabilidade. Este conceito surge num âmbito habitualmente respeitável, podendo ajudar a gerar e desenvolver o poder de um interlocutor (GIL, 1989, 47-48).

    Outro fenómeno essencial é o entendimento de políticas de repressão, presente nos estados totalitários. Estas políticas denominadas de “terror” são o que confere a solidez estatal, consolidando o poder dos membros dominantes do governo (GIL, 1989, 67). Face à ideia de que a tendência ao controlo social é tão antiga como a própria política, como sugerem Strauss (1968), Newmann (1957, 246) ou E. H. Carr. Outros estudiosos, como L. Shapiro (1981) e K. Loewenstein (1957, 59 e ss.), concluem, seguindo o caminho aberto por Friedrich, que os totalitarismos surgidos em princípios do século XX devêm das diversas realidades do totalitarismo fascista de Mussolini e Hitler e do totalitarismo comunista de Estaline ou Pol Pot. Estes modelos governativos e doutrinários são essencialmente diferentes das formas históricas da ditadura, a tirania e o absolutismo, pois são configurados como desenvolvimentos patológicos das democracias de massas difundidas em finais do século XIX (BARREIRO RIVAS, 2019, 2).

    O que torna o terror totalitário tão poderoso é o facto da não existência da punição individual nos sistemas totalitários, por outras palavras, sempre que alguém procura opor-se ao regime totalitário terá de ter em conta que não é apenas a sua vida que coloca em risco, mas sim a de todos os indivíduos com quem tenha laços sociais ou familiares. A pena totalitária passa por eliminar completamente os vestígios dos seus opositores, sendo que todos aqueles que detenham memória da sua existência serão definidos como “indesejáveis” para a máquina totalitária. Toda a submissão e cooperação demonstrada pelas sociedades dos Estados totalitários dever-se-ia não só às tentativas de vários indivíduos que pela sua colaboração com a polícia e serviços secretos almejavam a benefícios nas suas carreiras, mas também ao pavor em serem considerados inimigos ou mesmo indesejáveis para o regime totalitário.

    Os estados totalitários ativam instrumentos pedagógicos e coercivos para impor e perpetuar a sua própria ordem e para construir um modelo antropológico para tornar homogénea a maior parte da população. É específico do totalitarismo, em relação a outras formas de governo autoritário, justamente este esforço de engenharia social e manipulação cultural que visa destruir ou reduzir as capacidades de determinação autónoma da sociedade. Um regime totalitário não se detém nem sequer perante a esfera privada, porque também esta pode ser produtora de elementos contraditórios em relação ao próprio projeto político, havendo assim uma “politização” de todas as áreas da vida social e individual.

    Todavia, este esforço de uniformização podia suscitar a intolerância, a dissensão e a oposição, não só por parte de quem não militava nem simpatizava com este modelo de regime, mas também por aqueles que resistem à vontade do regime de controlar as esferas privadas da própria vida, de planificar o seu tempo e utilizar as suas energias para os fins do Estado (CORDEIRO, 2011, 31-32).

    Tendo em atenção a definição dos limites do poder democrático, o modelo autoritário movimenta-se num plano brumoso, que deve mais aos formalismos legais do que a um controlo político independente. O papel representado pelas ideologias no processo democrático, que serve para identificar e cimentar as opções que se encontram no embate eleitoral, impulsar os debates que constroem o consenso social e vertebrar a ação de governo, é reduzido nos sistemas autoritários à formação daquilo que J. L. Talmon denominava “mente totalitária”. Esta mentalidade assenta sobre a base de um imaginário nacional culturalmente construído e mantido, articula o grupo dominante e marca a pauta de interpretação da realidade nacional. É necessário referir que, ao contrário da mobilização participativa desejada pelas democracias pluralistas e da mobilização popular impulsada pelo totalitarismo ou pelos autoritarismos que estão na sua primeira fase, os regimes autoritários já assentes tendem a desmobilizar a sociedade, fazendo o desinteresse passivo pela vida política um instrumento de consolidação do regime (BARREIRO RIVAS, 2019, 3).

    Como já foi mencionado anteriormente, durante os últimos anos, foi reforçada a linha de distinção entre o autoritarismo e o totalitarismo, mediante a consideração do terror enquanto componente estrutural do totalitarismo, que surge sempre associada à ideia da unidade nacional e da estabilidade do Estado. Deste modo, e avançando numa linha muito similar à preconizada por Neumann e Friedrich, os sistemas totalitários implantados na Europa na primeira metade do século XX surgem como formas políticas obsoletas que, apesar do desequilíbrio autoritário que o sistema de poderes institucionalizados apresenta em todo o mundo, suportam com extrema dificuldade os progressos evidentes do discurso democrático. Com efeito, sendo verdade que a tentação totalitária continua a existir, apresentada quase sempre como uma simplificação decisória exigida pela ação do governo em tempos de grandes dificuldades ou de profunda desestruturação da nação, também é verdade que o télos democrático se impôs num discurso teórico cuja aceitação é geral e que marca a profunda diferença existente entre os autoritarismos e os totalitarismos de finais do século XX, que fogem a qualquer confronto teórico com a democracia, e aqueles que assolaram a Europa e o mundo na primeira metade do século XX, com a intenção de se proporem como alternativa moral e prática ao liberalismo e ao comunismo (BARREIRO RIVAS, 2019, 4).

    Configura-se, portanto, uma conceção cujos pressupostos necessários são: uma abstrata relação excludente entre poder material e poder jurídico; e a atribuição também em abstrato de valor positivo ao campo jurídico, e de negativo ao poder material. Pressupostos que implicam considerar o Estado liberal uma sorte de fim da história, portanto, racionalmente insuperável, eterno como valor prático e teórico. Deste modo, a definição de totalitarismo por oposição a liberalismo não é casual, mas resultado de uma comparação com um modelo paradigmático.

    A sociedade, o povo, são concebidos, simplesmente, como população, uma somatória de unidades iguais cujas únicas diferenças são as individuais, de capacidade pessoal e de critério e força moral. De forma que, para a análise liberal, a questão do Estado se resume na problemática da legalidade, dado que tudo se gera e resolve no jogo interindividual, ordenado por regras definidas acima do social, ficando excluída qualquer consideração relativa à problemática das classes e de sua hegemonia. Consequentemente, a crítica liberal não toma, nem poderia lógica e historicamente tomar, o liberalismo como uma forma de hegemonia de uma determinada classe, mas como a expressão real da igualdade entre os indivíduos. E, na medida em que o social é a soma dos indivíduos, o jurídico não pode deixar de ser a aparência que elide a desigualdade concreta. Analiticamente, este ocultamento é da mesma natureza daquele que o conceito de totalitarismo opera. Isto é, pelo jogo das individualidades oculta-se o jogo das classes; pela ênfase no jurídico veda-se o acesso ao real. É propriamente a isto que o conceito de totalitarismo conduz: à impossibilidade de compreender os fenómenos que precisamente julga determinar (CHASIN, 2012, 1-2).

    Confundindo manifestações históricas concretas, e reduzindo-as à sua expressão política, o conceito de totalitarismo opera simplesmente uma sorte de tautologia, ao “determinar” o fascismo, o nacional-socialismo e tantos outros eventos que ele se permite englobar e que de algum modo contrariam o perfil liberal. Não mais do que isto é afirmar que tais fenómenos traduzem monopolização do poder, utilização da violência e repressão do indivíduo (CHASIN, 2012, 3).

    A filósofa brasileira Marilena Chauí aplicou o conceito à realidade global do neoliberalismo, usando-o para identificar sociedades homogéneas. Ainda que sobre regimes formalmente democráticos e desprovidos de censura, estas tendem a contrariar, pela intervenção dos poderes político e económico, e também de uma informação manipulada ao seu serviço, a pluralidade de modos de vida, culturas, crenças e opiniões. Nestas sociedades, mesmo sem a presença declarada de uma ideologia imposta, é possível determinar escolhas, influenciar comportamentos e contrariar a diversidade, retirando inconscientemente a liberdade dos cidadãos. Mais recentemente, o regresso dos nacionalismos e a voga do populismo têm acentuado essa produção de modelos efetivamente totalitários de representação e de governo do mundo. É devido a esta ameaça que, como apontou Enzo Traverso, apesar da possível ambiguidade da aplicação do conceito de totalitarismo no domínio da História, se justifica plenamente o seu uso no da Teoria e da Sociologia Política, armando os programas democráticos que combatem as formas de uniformização do mundo, as práticas da prepotência, os sistemas imperiais e as ditaduras, mesmo aquelas que são formalmente “democráticas” (REIS & BIGNOTTO, 2012).

    Segundo Hannah Arendt na sua obra Origens do Totalitarismo, o totalitarismo é uma forma de domínio radicalmente nova porque não se limita a destruir as capacidades políticas do homem, isolando-o em relação à vida pública, como faziam as velhas tiranias e os velhos despotismos. Contrariamente, tende a destruir os próprios grupos e instituições que formam o tecido das relações privadas do homem, tornando-o estranho assim ao mundo e privando-o até de seu próprio “eu”.

    O fenómeno totalitário revela-se eficaz em criar, por via do terror, as condições para promover um isolamento e impotência nas populações. Sobre esta temática, Arendt faz questão de distinguir entre solidão e isolamento. Nas palavras da autora, enquanto o isolamento diz apenas respeito ao desligamento existente entre o homem e a vida política, a solidão reporta ao total abandono não só da vida política, mas de toda a vida humana. A solidão constitui a essência do governo totalitário. Mas o domínio totalitário como forma de governo é novo, no sentido em que não se contenta com esse isolamento, e destrói também a vida privada. Um dos aspetos que distingue os sistemas totalitários das tiranias reside no facto de que enquanto as tiranias assentam no governo de um contra todos, onde os adversários se encontram perfeitamente identificados, no caso totalitário todos são controlados pelo movimento e todos podem ser inimigos uns dos outros, caso os seus líderes assim o entendam. Trata-se de uma forma de autoalienação onde o indivíduo, afastado do contacto com os outros, procura acima de tudo demonstrar a sua total lealdade para com o movimento e a sua causa.

    Os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados. Distinguem-se dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalienável de cada membro individual. Na lógica totalitária, essa expectativa de lealdade incontestável não se pode esperar de indivíduos que não estejam completamente isolados, assim, desprovidos de outros laços sociais, de família, amizade, camaradagem, estes só adquirem o sentido de terem lugar neste mundo quando participam num movimento comum, ao pertencerem ao partido. Esta lealdade é possível dada a mutabilidade ou mesmo a inexistência dos programas políticos dos movimentos totalitários. Exceto no que toca à sua ambição de domínio mundial, os sistemas totalitários optam por não se comprometer com qualquer programa político, para que possam não só atingir o maior número de potenciais aliados, mas também como forma de evitar eventuais mudanças de opinião dentro das suas fileiras.

    Enquanto elemento organizador de toda a estrutura e como motor responsável pelo movimento, a figura do líder é insubstituível. Esta é outra razão pela qual o líder nunca é contestado dentro do movimento, pois os seus elementos têm em consciência o facto de que sem o líder todo a estrutura desabará de imediato. A suprema tarefa desta personagem é personificar a dupla função que caracteriza cada camada do movimento, agir como a defesa mágica do movimento contra o mundo exterior e, ao mesmo tempo, ser a ponte direta através da qual a sua doutrina se liga a esse mundo. Cada elemento no sistema totalitário recebe as suas ordens como a “vontade direta do líder”, assim sendo, cada funcionário representa o líder na execução das suas funções. Em oposição, nas tiranias é impensável esta relação de identificação entre tirano e subordinados, mesmo que seja apenas com os seus atos, no caso totalitário, há uma completa identificação entre líder e subordinados enquanto representantes diretos do líder.

    As falhas e as críticas que podem surgir das ordens dadas, que no caso das tiranias seriam utilizadas para tornar os subordinados responsáveis em bodes expiatórios, no caso totalitário não se podem vir a verificar. O líder totalitário detém todas as explicações para as ordens dadas, de maneira que os seus funcionários não podem ser apontados como responsáveis diretos pelas suas ações enquanto funcionários do movimento. A lealdade que a elite demonstra para com o líder assenta na compreensão, não de que se trata de um verdadeiro profeta ou um talismã, mas sim da peça motriz por detrás de todo o movimento.

    Esta consciência da importância do líder para o movimento por parte da elite é também ela um dos motivos que permitiram aos movimentos totalitários governar ininterruptamente. Por outras palavras, a função desempenhada pelo líder do movimento totalitário revela-se como fator imprescindível para o bom funcionamento do sistema. Contrariamente a outros sistemas políticos despóticos onde poderia existir uma sucessão, dado que o poder é exercido pelas elites, sendo que o “governante” ocupa apenas o lugar representativo do poder, no sistema totalitário não pode existir sucessão, dado que todo o modelo organizacional, quer da ideologia quer da própria estrutura, assenta e é moldado em função do chefe de governo e depende, no que toca à consistência do mundo fictício por este criado, da sua infalibilidade, sem a qual todo o mundo totalitário desmorona. A sobrevivência dos movimentos totalitários assenta não só na capacidade que o líder possui de construir um novo mundo capaz de suprir a realidade, mas fundamentalmente na sua habilidade em evitar a estagnação do sistema totalitário, pois a estabilidade representa a maior ameaça para o mundo do totalitarismo. Por estes motivos, verificamos que em regimes onde o líder teve de abandonar as funções, nomeadamente pelo seu falecimento, os seus sucessores conseguem subir na hierarquia e estabilizar o seu poder através do uso da figura do seu predecessor original e da memória a este associada, configurando esta para se afirmar como o novo governante ideal. Este acontecimento é observável, por exemplo, no governo da URSS, onde os líderes originais, Lenine e Estaline, eram fulcrais nos debates políticos e medidas governativas décadas após as suas respetivas mortes.

    Ao contrário do que se pode pensar, os “totalitarismos” não são um fenómeno exclusivo à Europa de Leste e outras partes do mundo “pouco desenvolvidas”, nem se originou repentinamente nos meados século XX. O desenvolvimento deste pensamento político e ideológico é uma configuração das tradições fundamentais seculares do espetro político que foram desenvolvidas e adaptadas para os totalitarismos modernos.

    No exemplo de Portugal, o pensamento monárquico português do início do século XX refletia também a crescente ameaça vinda dos sectores radicais, do republicanismo e do anarco-sindicalismo. A crise política do final da monarquia, marcada pela violência do radicalismo, favoreceu a instituição de uma nova cultura política, caracterizada por valores conservadores, com os quais se esperava operar o “ressurgimento nacional” e a renovação da instituição monárquica. Quando se fundou em 1903, o Partido Nacionalista de Jacinto Cândido ambicionava reformar a monarquia a partir do topo, de forma “pacífica e ordeira”, reforma que seria consumada pelo “poder do Estado”.

    Os diferentes movimentos de natureza militar em que estiveram envolvidos Mouzinho de Albuquerque, Aires de Ornelas, Paiva Couceiro e Vasconcelos Porto, entre 1899 e 1910, constituem talvez indicadores suficientemente fortes para se presumir a emergência de uma mentalidade reformista autoritária, a enunciar o sentido das novas conceções ideológicas que se afirmaram no Congresso Nacional, de 1910. O Congresso pautou-se pela afirmação da unidade moral da nação, o culto da tradição nacional e do heroísmo, a recristianização social e o Estado forte. Aí se prescreveu uma sociedade hierárquica, a vocação imperial e o antiparlamentarismo como soluções para a crise política e moral da nação enferma (CORDEIRO, 2011, 45).

    A partir do golpe militar de 1926, a imprensa fomenta um novo papel fundamental na política, sobretudo pelo seu papel relevante no triunfo do movimento militar do 28 de Maio (1926). Na verdade, esta sucessão de eventos em Portugal depois de 1926, na teoria de Fernando Rosas, assemelhava-se à tendência que atravessa vários outros países europeus economicamente periféricos e de liberalismo oligárquico, em que o desenlace da crise do sistema liberal desembocou em soluções autoritárias e de tipo fascista, como no caso espanhol e italiano. A debilidade que se verificava na economia associada à segmentação das classes dominantes conduziu à adoção de uma solução de tipo autoritário, antidemocrática no plano político e corporativista no plano social.

    É neste contexto que, em 1928, se afigurou a adequada personalidade de Salazar. Perante a crise política, económica e social que assolava Portugal há vários anos, António Salazar rapidamente subiu na hierarquia política, principalmente pelo seu sucesso como ministro das Finanças, encantando o povo sob a aura de um académico de excelência na área da economia política (CORDEIRO, 2011, 76-78).

    Salazar procura estar próximo da imprensa, fazendo declarações pontuais e concedendo algumas entrevistas, com o objetivo de consolidar uma imagem de governante exemplar. Com a conquista do primeiro saldo orçamental positivo, Salazar ganha a força de que ainda carecia para impor a sua política económico-financeira ao país. A imprensa, que até então apenas não podia criticar o Governo, é agora transformada num instrumento privilegiado de propaganda do Estado. Com a utilização da imprensa como instrumento de propaganda, Salazar consegue consolidar a imagem de um homem de Estado, que será fundamental para legitimar as Bases da União Nacional em finais de julho de 1930. O jornal que mais contribui para a criação desta primeira imagem do Professor de Coimbra é o Novidades (CORDEIRO, 2011, 84 e 86 ).

    De uma maneira geral, verificamos que, numa primeira fase, há uma onda geral de entusiasmo com Salazar, numa segunda etapa, Salazar sente necessidade de consolidar a imagem criada, e num terceiro período, está já enraizada no pensamento deste ministro a noção de que a imprensa é um poderoso instrumento de propaganda. Nesta fase, a censura prévia é elevada à categoria de meio indispensável a uma obra de reconstrução e saneamento moral e permite um agravamento da repressão sobre a imprensa, que pode explicar, pelo menos parcialmente, a conversão d’O Comércio do Porto ao salazarismo. É neste período que a Direção-Geral dos Serviços de Censura à Imprensa (DGSCI) repõe (através da circular de 28 de agosto de 1931) as 19 diretivas que desde 1926 vinham regulando as relações com a imprensa e que agora obrigam os jornais a valorizarem Salazar, assim doutrinando subliminarmente a população portuguesa (desempenhando, nesta fase, a função propagandista do futuro Secretariado de Propaganda Nacional) (CORDEIRO, 2011, 89-91).

    Em conclusão, o conceito de totalitarismos não é facilmente definido, podendo possuir diferentes características, consoante os autores e áreas de estudo, tal como se pode apresentar de múltiplas maneiras, consoante a nação que a implementa. Resumidamente, podemos considerar que um governo totalitário se concentra no controlo do monopólio de todas as áreas de uma nação, seja no controlo social, jurídico e político/económico, usufruindo de um líder carismático para implementar a sua ideologia, aplicando recorrentemente métodos de violência e censura a qualquer possível ameaça. O desejo de estruturação política e receio às várias ondas de flutuação entre períodos de estabilidade e crise financeira, típica dos sistemas liberais-capitalistas, assim como o sentimento de desejar pertencer a um movimento uno e comunitário provoca o crescimento da adesão a movimentos extremistas liderados por um líder carismático que frequentemente distorce factos de modo a criar uma narrativa propicia à adesão da sua doutrina política. Verificando-se, atualmente, a nível internacional uma verdadeira ameaça à continuação da democracia e liberdade de discurso.

    Bibliografia

    Impressa

    ARENDT, H. (2017). As Origens do Totalitarismo. Trad. R. Raposo. (3.ª reimp.). São Paulo: Companhia das Letras.

    BIGOTTE CHORÃO, J. (dir.) (2007). Enciclopédia Polis: Antropologia, Direito, Economia, Ciência Política. (vol. 1). São Paulo: Verbo.

    CORDEIRO, Carlos (coord.) (2011). Autoritarismos, Totalitarismos e Respostas Democráticas. Ponta Delgada/Coimbra: Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da Universidade dos Açores/Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra.

    GIDDENS, A. (1985). A Contemporary Critique of Historical Materialism – The Nation-State and Violence. (vol. 2). Berkeley and Los Angeles: University of California Press.

    GIL, F. (1989). Encliclopédia Einaudi: Estado-Guerra. (vol. 14). Lisboa: INCM.

    FRIEDRICH, C. J. (1954). Totalitarism: Proceedings of a Conference held at the American Academy of Arts and Sciences, March 1953. Cambridge, MA/London, UK: Harvard University Press.

     

    Digital

    BARREIRO RIVAS, X. L.. (s.d.). Dicionário de Filosofia Moral e Política. Instituto de Filosofia da Linguagem, https://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/wp-content/uploads/2019/07/Totalitarismo.pdf (acedido a 14.03.2024).

    CARVALHO REIS, P. & BIGNOTTO, N. (2012). “Totalitarismo: Um novo regime (a)político?”. Revista Estudos Filosóficos, 9, https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/art3_rev9.pdf (acedido a 14.03.2024).

    CHASIN, J. (2012). “Sobre o conceito de totalitarismo”. Verinotio-Revista On-Line de Filosofia e Ciências Humanas, 15 (8), https://www.verinotio.org/conteudo/0.86711455403558.pdf (acedido a 14.03.2024).

     

    Autora: Joana Santos

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