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  • Mendes, Aristides de Sousa [Dicionário Pedagógico]

    Mendes, Aristides de Sousa [Dicionário Pedagógico]

    Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, concelho de Carregal do Sal. Foi educado no seio de uma família aristocrática, católica e conservadora da Beira Alta. Era filho de Maria Angelina Ribeiro de Abranches e de José de Sousa Mendes, magistrado que chegou a exercer o cargo de juiz desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra. Aristides de Sousa Mendes tinha um irmão gémeo, César, e um irmão mais novo, José Paulo. Em 1902, Aristides e o seu irmão gémeo concluíram o curso de Direito na Universidade de Coimbra e enveredaram pela carreira diplomática. Aristides casou-se, a 18 de fevereiro de 1909, com a namorada de infância, Maria Angelina Coelho de Sousa, sua prima direita. Deste casamento nasceram 14 filhos (9 rapazes e 5 raparigas), nos três continentes onde Aristides foi cônsul, tendo dois deles morrido precocemente. Aristides ocupou diversas delegações consulares pelo mundo. Começou a sua carreira diplomática muito jovem. Em 1910, tornou-se cônsul de 2.ª classe na Guiana Britânica, passando depois a exercer funções na costa oriental de África (Zanzibar), no Brasil (Curitiba e Porto Alegre), nos Estados Unidos (São Francisco e Boston), em Espanha (Vigo), no Luxemburgo e na Bélgica. Salazar, presidente do Conselho de Ministros e ministro dos Negócios Estrangeiros, nomeou-o, a 1 de agosto de 1938, cônsul-geral de Portugal em Bordéus (França), tendo também sido responsável pelos consulados em Toulouse e Baiona. Foi em Bordéus que Aristides, com 53 anos, se apaixonou por uma jovem francesa, Andrée Cibial Rey, de 32 anos, de quem teve uma filha, Marie-Rose, em 1940. Em finais de 1949, Aristides, sem a sua esposa, que morrera um ano antes com uma trombose, e sem os filhos, maioritariamente emigrados nos Estados Unidos, viria a casar com Andrée. Em 1950, começou o processo de adoção de Marie-Rose, concluído dois anos depois. A menina ficou a viver, em França, na casa de uns tios-avós. As dificuldades financeiras avolumaram-se, não só devido aos gastos excessivos de Andrée, que delapidaram o património da família Sousa Mendes, mas também porque os recursos financeiros de Aristides eram cada vez menores. Em 1953, teve de proceder à venda da totalidade do recheio da sua propriedade, Casa do Passal, em Cabanas de Viriato, chegando a perder o imóvel e outros bens, que foram vendidos em hasta pública para pagamento de dívidas. Aristides mudou-se para Lisboa, para casa de um primo, indo muito raramente a Cabanas de Viriato. Morreu em Lisboa, a 3 de abril de 1954, de trombose cerebral e pneumonia, aos 68 anos, no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco. Não se sabe se morreu só ou na companhia de Andrée. Esta partiu, definitivamente, em abril de 1955, para França. O corpo de Aristides encontra-se sepultado no jazigo da família, em Cabanas de Viriato.

    O contexto histórico

    Quando Aristides chegou a Bordéus, nos inícios de 1939, a Europa estava em contagem decrescente para a Segunda Guerra Mundial. Uma vaga autoritária e ditatorial, de características fascistas, submergiu a Europa. Contrariando as disposições dos tratados de Saint-Germain-en-Laye e de Versalhes, de 1919, a Alemanha, liderada por Adolf Hitler, havia anexado, em 1938, a Áustria, perante o imobilismo da França e da Inglaterra, e inicia uma vaga de ofensivas sobre a região dos Sudetas e da Checoslováquia. O imperialismo alemão pretendia constituir a “Grande Alemanha” e a conquista de territórios da Europa Central e Oriental forneceria aos alemães o tão necessário “espaço vital”, que permitiria a prosperidade do seu povo. Segundo Hitler, aos alemães competiria o domínio do mundo, se necessário à custa da submissão e/ou eliminação dos “povos inferiores”. Entre esses povos estariam os ciganos, os eslavos e, principalmente, os judeus. Culpados pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e pelas crises económicas que se lhe seguiram, os judeus tornar-se-iam o alvo preferencial da barbárie nazi. Ao longo dos anos 30, o regime hitleriano boicotou-lhes as lojas, interditou-lhes o acesso ao funcionalismo público e às profissões liberais, privou-os da nacionalidade alemã (Leis de Nuremberga); o casamento e as relações sexuais entre arianos e judeus foram proibidos, punindo-se, com severidade, os infratores; em 1938, realizou-se a liquidação das empresas judaicas e o confisco dos seus bens, ficando esse mesmo ano marcado pela triste e célebre “Noite de Cristal”, em que lhes destruíram sinagogas e lojas; o segregacionismo foi levado ao extremo – os judeus deixaram de poder exercer qualquer profissão e de frequentar lugares públicos, passando a ser identificados pelo uso obrigatório da estrela de David. Por fim, a Alemanha encontrou a “Solução Final” ao construir os campos de concentração e de extermínio, para onde eram enviados não só opositores ao regime, como ciganos, homossexuais e outros considerados “parasitas”, mas, sobretudo, judeus, cujo final seria a morte nas câmaras de gás. Para fugir do perigo nazi, milhares de alemães não arianos encheram as estradas e rumaram à Holanda, à Bélgica e à França, durante a década de 30. Contudo, estes países também acabariam por se envolver na Segunda Guerra Mundial e deixariam de ser lugares seguros. O conflito iniciou-se a 1 de setembro de 1939, após a Alemanha ter invadido a Polónia, tendo os Aliados reagido com declaração de guerra à Alemanha, a 3 de setembro de 1939.

    O governo português, com o início da Segunda Guerra Mundial, recuperou a Aliança Inglesa como um dos grandes pilares da diplomacia portuguesa. Apesar da alegada neutralidade adotada por Portugal, o governo de Salazar praticou uma política ambígua em relação aos dois blocos em conflito. Assim sendo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português apertou as restrições na concessão de vistos, com especial atenção à possibilidade de entrada, em território nacional, de indivíduos “subversivos”. Dois meses volvidos sobre o início do conflito, Salazar enviou às diversas representações diplomáticas a Circular n.º 14 (de 11 de novembro de 1939), que continha critérios muito restritos no que concerne à concessão de vistos, e que proibia a sua emissão, sem consulta prévia, ao MNE.

    Não se conhece qualquer discurso ou reflexão de Salazar em que haja preconceitos antijudaicos ou antissemitas. Porém, no seio do MNE português e da polícia política, conhecem-se documentos que veiculam alguns preconceitos e, obviamente, os judeus eram uma das categorias visadas pela legislação restritiva imposta pela Circular n.º 14; num ofício enviado ao MNE português, a 22 de abril de 1940, a PVDE pedia aos cônsules portugueses na Holanda que, antes de solicitarem autorização para visar passaportes, verificassem se os requerentes eram ou não judeus, o que evidencia o suposto preconceito.

    De um conflito periférico e limitado ao Centro Leste da Europa, a Segunda Guerra Mundial rapidamente se propagou a todo o continente, tendo a Alemanha invadido a Dinamarca e a Noruega, depois o Luxemburgo, os Países Baixos, a Bélgica e, por fim, a França. Perante a progressiva chegada de refugiados em condições infra-humanas, Sousa Mendes insistiu em pedir autorização para conceder vários vistos. Porém, foram todos recusados. O MNE português emitiu a Circular n.º 23, no dia 14 de junho de 1940, determinando, a partir de então, que os consulados deveriam remeter diretamente os pedidos de concessão de vistos para a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado.

    Entre novembro de 1939 e junho de 1940, diversas famílias pediram vistos a Sousa Mendes, tendo este, em cumprimento da Circular n.º 14, pedido autorização ao MNE português. Esses pedidos resultaram indeferidos ou sem resposta. Mesmo assim, o cônsul concedeu alguns vistos, nomeadamente a Arnold Winitzer, um judeu austríaco prestes a ser internado num campo de detenção francês, e ao médico espanhol Eduardo Neira Laporte, exilado em França, o que lhe valeu séria reprimenda hierárquica. Muitos outros vistos foram passados por Sousa Mendes, sendo que, entre novembro de 1939 e abril de 1940, a média de vistos concedidos foi de 20 por dia, e, em finais de maio de 1940, subiu para 160 vistos por dia. A partir do dia 14 de junho, dia em que Paris foi ocupada pelos alemães, essa média volta a subir. Franceses e milhares de famílias oriundas de países europeus, ocupados ou em guerra, fugiam dos bombardeamentos, lançavam-se às estradas, de comboio ou de carro, de bicicleta ou a pé e rumavam ao Sul de França, na tentativa de conseguirem sair do Continente. Deu-se, então, início ao maior movimento de deslocação de pessoas da história da Europa. O número de refugiados perto do consulado português não parava de aumentar. A capitulação da França, a 17 de junho de 1940, coincide com um grave episódio de esgotamento nervoso de Aristides, supostamente, devido à enorme tensão vivida com o aumento desmesurado de número de refugiados à porta do consulado de Bordéus, sem que o MNE português desse provisão aos seus pedidos de visto. Aristides chegou a abrir as portas da sua residência oficial, no Consulado, para acolher os refugiados mais fragilizados. Católico convicto e abatido pelo drama humano, o cônsul de Bordéus optou por obedecer à sua consciência, ou seja, decidiu contrariar as ordens recebidas de Portugal e começou a passar vistos a todos, independentemente da sua religião, raça ou orientação política. A apoiar o cônsul na emissão dos vistos estiveram, além do secretário do consulado, José Seabra, a esposa, Angelina Sousa Mendes, o filho, José António, e o genro, Jules D’Aout, incumbidos de receber e preparar os documentos, que Aristides Sousa Mendes teria apenas de assinar. O rabino Chaim Kruger encarregou-se de espalhar a notícia pela cidade de que o cônsul português passaria vistos a todos os que o solicitassem. Com o agravamento da situação, devido ao corte de comunicações e à aproximação dos alemães, Sousa Mendes chegou mesmo a dar ordem aos consulados de Toulouse e Baiona para que concedessem vistos de trânsito gratuitos em todos os passaportes. Aristides, sabendo que os consulados portugueses de Baiona e Hendaia tinham obedecido ao governo português e suspendido a emissão de vistos, dirigiu-se pessoalmente a essas cidades para reverter a situação. A 24 de junho, o MNE português ordena a Aristides que abandone o consulado e exige o seu regresso imediato a Portugal. Sousa Mendes terá emitido, fora do consulado, vários milhares de vistos de valor legal questionável, consistindo apenas numa simples declaração de autorização de entrada em Portugal, mas em papel comum ou em bilhetes de identidade. Entretanto, Sousa Mendes terá protagonizado um dos gestos maiores pelo qual é recordado em diversos testemunhos: terá conduzido, pessoalmente, um largo número de refugiados, fazendo-os passar nos postos de menor importância ou onde sabia que o controlo e comunicações eram mais débeis.

    Não se sabe ao certo quantos vistos foram atribuídos, uma vez que os dos consulados de Baiona e Hendaia não foram registados e, além disso, os vistos eram, por vezes, coletivos, e as crianças eram incluídas nos passaportes dos pais, sendo difícil contabilizá-las. O total poderá ter ascendido às dezenas de milhares; só a judeus poderão ter sido concedidos cerca de 10 mil, que, assim, puderam escapar ao extermínio alemão, contrariando as ordens expressas de António de Oliveira Salazar. A sua decisão de conceder vistos sem olhar a credos nem a religiões foi interpretada como uma afronta ao Governo português e a desobediência custar-lhe-ia caro. A 4 de julho de 1940, Aristides foi alvo de um processo disciplinar e Salazar, que não tolerava desobediências dos seus representantes diplomáticos, ainda que fosse por questões humanitárias, por despacho, no dia 30 de outubro de 1940, decide que Aristides ficaria na situação de inatividade, com direito a metade do vencimento, durante um ano, findo o qual deveria ser aposentado. Ora, nem mesmo essa situação lhe foi concedida, conforme se pode verificar no Anuário Diplomático de 1954 (ano da sua morte), onde consta que o mesmo se encontrava, naquela data, a aguardar passagem à situação de reforma. Sousa Mendes fez tudo para reverter a decisão, inclusive, pediu clemência ao chefe de Estado, mas os esforços encetados foram em vão.

     

    O reconhecimento

    Aristides foi um exemplo de coragem e humanismo. Sentiu que era essencial salvar o que entendia estar ao seu alcance salvar e optou pela dignidade da pessoa humana. Lutou contra a arbitrariedade dos regimes totalitários. Debateu-se contra a discriminação e defendeu, heroicamente, a liberdade e a fraternidade. Salvou pessoas, independentemente de credos ou raças, desobedeceu às ordens do Estado português, porque era uma pessoa consciente e não queria ser cúmplice da barbárie e do persistente atentado contra os direitos humanos. Aquilo com que foi confrontado continua a ser uma realidade, ainda hoje, sendo, por isso, imperioso que este cidadão não seja votado ao esquecimento e sirva de inspiração para que outros, no futuro, protejam a inviolabilidade da vida humana.

    A reabilitação da imagem de Aristides de Sousa Mendes foi um processo lento e repleto de obstáculos. O reconhecimento do seu papel histórico só aconteceu a título póstumo. O Yad Vashem, entidade que, em Israel, vela pela memória do Holocausto, declara Aristides de Sousa Mendes de “gentio virtuoso”, plantando uma árvore em sua memória na Floresta dos Mártires e outorgando a Joana de Sousa Mendes (filha), a título póstumo, a Medalha de Ouro dos Justos (o único português que a detém). Em Portugal, já em pleno regime democrático, foi reconhecida a nobreza da sua atitude e, por decisão do Presidente da República, Mário Soares, em 1987, uma vez mais, postumamente, foi-lhe atribuído o título de Oficial da Ordem da Liberdade. Em 1988, por votação unânime da Assembleia da República, Aristides Sousa Mendes foi reintegrado na carreira diplomática, sendo promovido a embaixador. Só em 1995 Portugal lhe presta homenagem nacional e o Presidente da República, Mário Soares, concede-lhe, a título póstumo, uma das mais altas condecorações nacionais: a Grã-Cruz da Ordem de Cristo.

    De modo a melhor divulgar o gesto de Aristides, foi decidido pela sua família, com o apoio de várias entidades, criar a Fundação Aristides de Sousa Mendes, no ano 2000. Esta fundação tem como principais objetivos recuperar a Casa do Passal (que pertenceu a Aristides), em Cabanas de Viriato, a fim de nela instalar uma casa-museu, centro de exposições, biblioteca e arquivo, com o intuito de divulgar o Ato de Consciência de Aristides. Mais recentemente, em 2017, foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. O Livro de Registo de Vistos (concedidos por Aristides de Sousa Mendes entre os dias 14 e 21 de junho de 1940) é, desde 2017, um dos bens inscritos no Registo da Memória do Mundo pela UNESCO. Pertencente ao Arquivo Histórico Diplomático, este livro é um dos registos mais impressivos da fuga de milhares de refugiados na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial. Através da Resolução da Assembleia da República n.º 47/2020, de 24 de julho, o Parlamento decidiu homenagear, reabilitar e perpetuar a memória de Aristides de Sousa Mendes, enquanto homem que desafiou a ideologia fascista, evocando o seu exemplo na defesa dos valores da liberdade e dignidade da pessoa humana, concedendo-lhe honras de Panteão Nacional. O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa presidiu à cerimónia e reconheceu o seu legado como determinante para a mudança no curso da História de Portugal e na projeção de Portugal no mundo. Por último, em 2021, a câmara alta do Congresso dos Estados Unidos, o Senado, aprovou, por unanimidade, uma resolução, homenageando o cônsul português, no âmbito da celebração dos 80 anos da desobediência às instruções dadas pelo então Presidente do Conselho, Salazar, ao emitir vistos a refugiados durante a Segunda Guerra.

    Propostas de estratégia de ação pedagógica

    – Visitar o museu que está a ser fundado na Casa do Passal, antiga residência de Aristides Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, em Viseu;

    – Pesquisar sobre outras pessoas que tenham tido um papel semelhante na salvação das vítimas do Holocausto e sobre a forma como atingiram esse objetivo;

    – Pesquisar sobre outras ações de resistência ao domínio nazi;

    – Elaborar uma pequena apresentação digital sobre a pesquisa realizada e divulgá-la na turma.

    Bibliografia

    Impressa

    NINHOS, C. (2021). O Essencial sobre Aristides de Sousa Mendes. Lisboa: INCM.

     

    Digital

    DUARTE, J. M. (2003, 8 de setembro). “Salazar, Sousa Mendes e os judeus”. Público, https://www.publico.pt/2003/09/08/jornal/salazar-sousa-mendes-e-os-judeus-205101 (acedido a 06.10.2023).

    MVASM – Museu Virtual de Aristides Sousa Mendes, http://mvasm.sapo.pt/BC (acedido a 06.10.2023).

    Professora: Maria Clara da Silva Pinheiro de Carvalho

    Alunas: Ana Cristina Moreira Alves, Carolina Coimbra Correia, Daniela Monteiro da Silva

    Ilustrações

    Alunas: Beatriz Carvalho dos Santos, Rita Valente Pereira

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