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    Multiculturalismo [Dicionário Pedagógico]

    A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (DUDC), que foi aprovada por unanimidade a 2 de novembro de 2001, na 31.ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), pretendeu reafirmar a cultura como um “conjunto de características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais diferenciadoras de uma sociedade ou de um grupo social, e que compreende, para além da arte e da literatura, os estilos de vida, as formas de viver em conjunto, os sistemas de valores, as tradições e as convicções” (DUDC, 2001).

    Em 20 de outubro de 2005, na sequência da 33.ª Conferência Geral da UNESCO, foi adotada a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, com o objetivo de: “a) Proteger e promover a diversidade das expressões culturais; b) Criar condições que permitam às culturas desenvolver-se e interagir livremente de forma mutuamente proveitosa; c) Incentivar o diálogo entre culturas por forma a garantir intercâmbios culturais mais intensos e equilibrados no mundo, em prol do respeito intercultural e de uma cultura de paz; d) Fomentar a interculturalidade a fim de desenvolver a interação cultural, no intuito de construir pontes entre os povos; e) Promover o respeito pela diversidade das expressões culturais e a consciencialização do seu valor a nível local, nacional e internacional; f) Reafirmar a importância dos laços entre cultura e desenvolvimento para todos os países, em especial os países em vias de desenvolvimento, e apoiar as ações realizadas nos planos nacional e internacional para que se reconheça o verdadeiro valor de tais laços; g) Reconhecer a natureza específica das atividades, bens e serviços culturais como portadores de identidades, valores e significados; h) Reiterar o direito soberano dos Estados a conservar, adotar e pôr em prática as políticas e medidas que considerarem adequadas à proteção e à promoção da diversidade das expressões culturais no seu território; i) Reforçar a cooperação e a solidariedade internacionais num espírito de parceria, a fim de, nomeadamente, aumentar as capacidades dos países em vias de desenvolvimento no que se refere à proteção e à promoção da diversidade das expressões culturais” (Convenção sobre a Proteção…, artigo 1.º).

    O multiculturalismo é um conceito controverso, uma vez que nele estão implicados os conceitos de diversidade e de integração, assim como de cidadania e nacionalidade, sendo para alguns um desafio à unidade nacional, razão pela qual afirmam como mais integrador o termo “interculturalismo”.

    Tanto o multiculturalismo como o interculturalismo são modelos de coexistência por referência ao respeito pela diversidade das expressões culturais.

    Pelo interculturalismo afirma-se a importância do diálogo entre culturas como base para a reciprocidade, coesão e solidariedade entre a maioria e a minoria. Na sua definição, o interculturalismo opõe-se, portanto, ao reconhecimento de grupos separados na esfera pública, comummente atribuído ao multiculturalismo.

    Na Europa, o Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural, em 2008, afirmou o interculturalismo como base de construção de uma identidade política europeia refletida no lema “unidade na diversidade”. Ainda assim, o multiculturalismo é na Europa vivido de modos distintos, sobretudo nos estados com muita imigração ou com fortes comunidades étnicas já resultantes dessa imigração – principalmente de origem muçulmana –, de que são exemplos mais notórios a França e a Alemanha. Nestes dois países o multiculturalismo significa o reconhecimento da diversidade e a existência de uma política que atribui o estatuto de cocidadãos aos migrantes dentro de um pluralismo respeitador das identidades e dos valores democráticos de liberdade, igualdade, fraternidade e unidade.

    O perigo do multiculturalismo é o da criação de vidas paralelas, descurando a promoção da necessária coesão e inclusão das distintas comunidades, como defende o interculturalismo. Segundo esta última perspetiva, o multiculturalismo não valoriza suficientemente o diálogo e as relações entre pessoas de diferentes origens. Ou seja, não valoriza o sentimento de confiança e de pertença mútua a uma comunidade política, levando à fragmentação da sociedade, com comunidades voltadas para dentro de si mesmas.

    Mas será possível aproximar os dois conceitos? Há quem afirme ser isso possível, concebendo o interculturalismo como promotor de uma cidadania intercultural, sendo então a diversidade uma vantagem. Mas levantam-se problemas quanto ao que seja o papel da identidade nacional e da cultura local, bem como quanto às distinções jurídicas entre cidadão e imigrante, nacional e não nacional.

    O debate sobre o multiculturalismo ganhou relevo sobretudo após o 11 de Setembro de 2001 e as guerras no Iraque e na Síria, tendo como alvo evidente a população muçulmana. O conceito passou, assim, da esfera política e cultural para a esfera do valor da segurança e da ameaça às fronteiras, aos direitos humanos, à solidariedade nacional e à prosperidade económica ocidental.

    A escola e a religião tornaram-se por excelência os dois horizontes emergentes do debate multiculturalismo/ interculturalismo. Em França, o caso da proibição do uso de lenço na cabeça por jovens de religião islâmica mostrou as fragilidades da educação intercultural e situou a laicidade como valor fundamental, a par do respeito pelas liberdades individuais, com ênfase na emancipação das mulheres.

    Enquanto o multiculturalismo se concentra no nível nacional, pondo em causa a identidade nacional, o interculturalismo valoriza o plano local, pela proximidade facilitadora do diálogo e interações diversas entre grupos. Contudo, o que a realidade social das grandes cidades mostra é a segregação de alguns grupos e a consequente existência de tensão entre comunidades, numa mostra clara do fracasso das políticas de integração. Se daqui se pode concluir pelo fracasso do multiculturalismo, não se pode com clareza afirmar o sucesso do interculturalismo.

    O problema apresenta-se hoje com uma outra natureza, que decorre da maior mobilidade e desenvolvimento das tecnologias de comunicação. Os migrantes e as minorias, interagindo e intensificando as relações entre o país de partida e o país de acolhimento, foram modelando os conceitos de território, de cidadania, de solidariedade e de identificação transnacional. A dupla cidadania possibilita múltiplas filiações, suscitando cada vez mais cuidados e atenção, na ligação das questões da identidade e participação às questões da segurança e da colaboração entre os países de origem e os países de acolhimento.

    Entretanto, o nacionalismo étnico e cultural vai proliferando pela Europa, alimentando – com o discurso sobre o fracasso do multiculturalismo e a ameaça dos migrantes à soberania nacional – o regresso ao nacionalismo protetor das fronteiras territoriais e da identidade nacional. Em simultâneo, surgem identidades ligadas a comunidades não territoriais junto dos mais jovens, que aí descobrem um refúgio, uma causa e uma razão de ser para ações violentas. Estas comunidades, expressando-se sobretudo em termos religiosos e por meios virtuais, levam os mais jovens à rejeição de qualquer identidade nacional. Um dos desafios da globalização é, hoje, o de encontrar fontes de equilíbrio entre o multiculturalismo e o interculturalismo.

    Bibliografia

    Impressa

    CARVALHO, A. D. (2014). Educação e Encontro de Pessoas e Povos. Porto: Afrontamento. 

    OLIVEIRA, D. & SEQUEIRA, R. M. (2012). A Interculturalidade na Escola e as Narrativas de Expressão Oral. Lisboa: Lidel.

    Digital

    CONSELHO DA EUROPA (2008). Livro Branco sobre o Diálogo Intercultural “Viver Juntos em Igual Dignidade”, https://www.coe.int/t/dg4/intercultural/Source/Pub_White_Paper/WhitePaper_ID_PortugueseVersion2.pdf (acedido a 21.02.2024).

    Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, https://unescoportugal.mne.gov.pt/images/Comunica%C3%A7%C3%A3o/convencao_sobre_a_proteccao_e_a_promocao_da_diversidade_das_expressoes_culturais.pdf (acedido a 21.02.2024).

    Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/decl-diversidadecultural.pdf (acedido a 21.02.2024).

    Autores

    Agrupamento de Escolas de Redondo (ano letivo 2022-2023).

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