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    Direitos e Deveres Fundamentais [da Pessoa Humana]

    1. A noção de direitos e deveres fundamentais está relacionada com o processo de constitucionalização que se difundiu no decurso dos últimos dois séculos e meio, com a proclamação em numerosos países de direitos humanos individuais inscritos em fontes jurídicas consideradas formalmente superiores às restantes, as designadas constituições, que assim deixariam de ficar dependentes da vontade, não raras vezes instável e errante, do legislador ordinário. Direitos fundamentais são então “os direitos ou as posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição” (Jorge Miranda).

    Apesar da utilização por vezes indistinta, a expressão “direitos fundamentais” respeita aos direitos das pessoas garantidos institucionalmente por uma determinada ordem jurídica, vigente num local e num momento histórico determinados, enquanto a expressão “direitos humanos” diz normalmente respeito àqueles que são válidos para todos os povos em todos os tempos, numa perspetiva jusnaturalista. Neste enquadramento, os direitos fundamentais encontram-se previstos nas constituições políticas dos diferentes países, e os direitos humanos são aqueles reconhecidos a todos os seres humanos por normas de direito internacional – incluídas em convenções, baseadas em princípios ou vigentes por costume.

    Respeitam ao núcleo essencial de direitos e liberdades reconhecidos às pessoas humanas apenas pelo facto de o serem, e, se inexistentes, nem ficaria assegurada a subsistência do indivíduo enquanto tal. Têm por base as ideias de liberdade e de igualdade de todo o ser humano, especialmente perante o Estado ou outros poderes públicos e em plano de igualdade com os restantes indivíduos. Daí que o respetivo exercício e respeito exija o cumprimento dos correspondentes deveres fundamentais, entre outras obrigações e garantias. Esta conceção jusnaturalista inspira-se em Locke e em Kant e projeta-se nas posições contemporâneas de autores como Rawls, Dworkin e Richards, que partem de um discurso filosófico, político e moral, ou neocontratualista, para enunciar os direitos considerados fundamentais da pessoa humana, assentes na justiça e em imperativos morais, que prevalecem sobre outros valores de ordenação da vida social. Visa a proteção da dignidade de cada ser humano e de todos os demais valores éticos que lhe são inerentes: justiça, liberdade e igualdade.

    Além de serem considerados essenciais, os direitos e deveres fundamentais caracterizam-se pelo carácter universal, inalienável, indivisível, bem como pela interdependência e inter-relação. São essenciais por se considerarem inerentes à conceção e à própria existência e subsistência de pessoa humana. Logo, todas as pessoas sem exceção são titulares de direitos fundamentais, não importando o lugar de residência, a nacionalidade, a cultura, as capacidades, as habilitações, a idade, o sexo. Sem embargo de diferenciações “positivas”, para promover a igualdade “real”. As suas garantias são permanentes e indisponíveis, ficando por isso vedada a renúncia e a exclusão, salvo em circunstâncias excecionais tipificadas. Estas características aplicam-se aos direitos proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 1948, e em numerosos outros instrumentos internacionais, tanto de vocação universal como regional, concluídos deste então, incluindo, no primeiro caso, a Declaração e o Programa de Ação de Viena sobre direitos humanos, de 1993, da II Conferência Mundial de Direitos Humanos.

    No continente europeu, a proteção destes direitos humanos fundamentais foi solenemente proclamada pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 1950, que em Portugal vigora apenas desde 1978 (após a adesão do país ao Conselho da Europa, em 1976). A aplicação renitente desta Convenção, incluindo por vários tribunais portugueses, devido, provavelmente, em parte, à adesão tardia do país àquela organização internacional, tornou crescentemente relevante a função desempenhada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos na definição e aplicação dos vários direitos e liberdades nela proclamados, tendo, por isso, conduzido a sucessivas revisões jurisprudenciais.

     

    1. Uma das classificações mais habituais de direitos e dos correspondetes deveres fundamentais distingue-os em “gerações”, em função da evolução histórica ocorrida no direito convencional e em especial no que respeita à força jurídica atribuída aos direitos económicos, sociais e culturais (“de segunda geração”) e à imperatividade dos deveres “positivos” do Estado na concretização dos direitos civis e políticos (“de primeira geração”), no sentido da sua aproximação.

    Durante longo tempo, correspondente à mencionada “primeira geração”, apenas foram considerados como verdadeiros direitos fundamentais os direitos civis e políticos (direito à vida, à liberdade, à privacidade…), à luz das conceções liberais tradicionais típicas das democracias ocidentais, baseadas na não-ingerência do Estado na vida dos indivíduos.

    Na “segunda geração”, passaram a ser também abrangidos entre os direitos fundamentais os direitos económicos, sociais e culturais, cuja realização exige ações do Estado. Daí a referência a “direitos a prestações” públicas, para satisfação de necessidades básicas das pessoas: direito à educação, à saúde, à segurança social, a um padrão de vida digno.

    Na “terceira geração”, pretende-se ir mais além, para incluir os direitos coletivos, de solidariedade, ou “difusos”, como o desenvolvimento, a paz e um ambiente saudável, cujos titulares não são os indivíduos mas os grupos ou comunidades, destinando-se à construção de um futuro coletivo melhor num contexto ampliado de solidariedade. Estes direitos não são ainda reconhecidos, em geral, pelo direito internacional convencional, com exceção da Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, de 1981, que proclama, por exemplo, inovadoramente, o direito do povo à existência, à paz e à segurança (nos seus arts. 19.º a 24.º).

    A estas três gerações de direitos humanos fundamentais, tem sido proposto o acrescentamento de uma “quarta geração”, atinente à manipulação genética, biotecnologia e bioengenharia.

    São utilizadas com frequência outras distinções úteis de direitos fundamentais, incluindo as seguintes: (ii) direitos individuais e institucionais, que são os protegidos no âmbito de certa instituição; (iii) direitos universais, comuns e particulares, pressupondo os segundos a nacionalidade e os terceiros a integração numa certa categoria (crianças, mulheres, trabalhadores); (iv) direitos e garantias, representando os primeiros os bens protegidos e as segundas os instrumentos para assegurar a fruição daqueles; (v) direitos formalmente constitucionais e direitos só materialmente fundamentais, i.e., sem acolhimento na Constituição; e (vi) direitos, liberdades e garantias, de um lado, e direitos económicos, sociais e culturais, de outro, incidindo os primeiros sobre uma situação de igualdade entre indivíduos, visando a libertação e proteção (“defesa”) face ao poder, e tendo os segundos por objetivo a igualdade, a “libertação da necessidade”, partindo de situações desiguais e de carência.

     

    1. Conexas com as classificações dos direitos fundamentais emergem as suas funções, em especial as (i) de não discriminação, (ii) de defesa ou liberdade, (iii) de prestação social, e (iv) de proteção perante terceiros (iv) (Gomes Canotilho).

    A função de não discriminação pretende assegurar o tratamento igual de todos os indivíduos, quanto aos direitos civis e políticos e também quanto aos direitos sociais, económicos e culturais.

    A função de defesa da pessoa humana e da sua dignidade é especialmente relevante no caso dos direitos, liberdades e garantias, ou “direitos civis”, perante os poderes públicos, quer numa vertente negativa como positiva. Na vertente negativa, os direitos fundamentais proíbem objetivamente a ingerência dos poderes públicos na esfera jurídica individual. Na vertente positiva, o titular dos direitos fundamentais dispõe de instrumentos que impeçam que o Estado prejudique ou continue a prejudicar os seus direitos.

    A função de prestação social traduz-se na faculdade de usufruir bens económicos, sociais ou culturais (educação, saúde, segurança social, património cultural) providos pelo Estado. Independentemente do alcance preciso do dever do Estado de concretizar estes direitos, inclui a definição e execução de políticas económicas e sociais através de instituições, serviços e transferências financeiras (subsídios, bolsas).

    Por fim, a função de proteção perante terceiros obriga o Estado a adotar medidas para assegurar o exercício dos direitos pelos titulares, impedindo perturbações ou lesões por terceiros. Fala-se a este propósito de “aplicação horizontal” dos direitos fundamentais.

     

    1. Encontramos antecedentes dos direitos (e deveres) fundamentais da pessoa humana desde a Antiguidade, quando se distinguia já o indivíduo dos poderes públicos, e as liberdades daquele perante estes, representando tais liberdades a participação na vida pública da polis.

    Desde então, no período da liberdade dos modernos, foi especialmente influente o cristianismo, com a sua conceção própria da pessoa humana, cuja realização assenta nas liberdades.

    Numa fase histórica posterior, nos séculos XV e XVI, emergiram os direitos estamentais, específicos de grupos, corporações e ordens, prenúncio do Estado moderno.

    Mais tarde, o pensamento jusnaturalista de John Locke, no século XVIII, baseado em direitos universais inerentes à natureza humana e oponíveis aos poderes públicos, dará lugar à proclamação de alguns dos principais enunciados de direitos fundamentais, resultantes de movimentações sociais, como o Bill of Rights, de 1776, nos Estados Unidos da América, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em França. São da mesma época as conceções religiosas de unidade da humanidade e de igualdade de todos os seres humanos perante o divino.

    Começam então a surgir instrumentos jurídicos nacionais destinados a garantir a proteção dos direitos fundamentais, com a sua proclamação em leis fundamentais – as constituições – e ulterior efetivação mediante uma jurisdição especializada com mecanismos próprios, como o habeas corpus e a tutela direta através de figuras como o “amparo”.

    Esta fase caracteriza-se pela distinção apontada antes entre os direitos civis e políticos (“direitos, liberdades e garantias”), de um lado, e os direitos económicos e sociais, de outro, reflexo de contrastes políticos, económicos e sociais, nos séculos XIX e XX.

    Numa fase mais recente, concretizou-se e propagou-se a internacionalização dos direitos fundamentais (já reconhecidos internamente por alguns países), sobretudo desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a criação de mecanismos jurisdicionais ou quase jurisdicionais internacionais de proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

    A evolução histórica dos direitos fundamentais da pessoa humana centra-se, sem dúvida, no Ocidente, o que não deixou de levantar interrogações quanto à sua universalidade. A relevância de aspetos como a dignidade da pessoa humana e de direitos coletivos em diferentes tradições não ocidentais, do Corão muçulmano ao confucionismo chinês e a culturas africanas, não elimina algum distanciamento face ao individualismo subjacente à proteção dos direitos fundamentais típica da civilização ocidental.

    De qualquer modo, as diferenças de perspetivas e algum eventual relativismo cultural não devem prejudicar a universalidade dos direitos fundamentais, revelada e comprovada pela sua consecutiva proclamação pelos diversos Estados do mundo, quer em fontes jurídicas internas de hierarquia cimeira (constituições ou leis fundamentais), reforçadas por outros atos legislativos, instituições e mecanismos específicos, quer através da adesão e subsequente vinculação crescente a instrumentos de direito internacional sobre direitos humanos.

    O atual sistema internacional de proteção dos direitos humanos ancora-se na Carta das Nações Unidas, de 1945, cujo art. 1.º, n.º 3, se refere ao objetivo de resolver os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural e humanitário através da cooperação entre os Estados, “promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.

    À Carta das Nações Unidas, seguiu-se a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, tendo a Comissão de Direitos Humanos da organização iniciado a preparação de um texto a aprovar como tratado internacional com força jurídica vinculativa compreendendo normas de direitos humanos e medidas para a sua concretização e proteção.

    As divergências quanto à inclusão de diferentes categorias de direitos fundamentais num único instrumento internacional obrigatório levaram à elaboração de dois tratados, um sobre direitos civis e políticos e o outro sobre direitos económicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovados em dezembro de 1966, entraram em vigor na ordem internacional em 1976 (após o depósito dos respetivos instrumentos de adesão ou ratificação).

    Entretanto, tinham sido também aprovados outros instrumentos jurídicos internacionais sobre direitos humanos em domínios específicos, como os direitos dos trabalhadores, sobretudo no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, e o chamado direito internacional humanitário, com as quatro Convenções de Genebra de 1949, que abrangem, além da proteção do direito à vida, a proibição da tortura e o direito a um julgamento justo.

    Perante as numerosas convenções internacionais sobre os direitos humanos na atualidade, e após uma evidente preocupação com a garantia dos direitos fundamentais de todas as pessoas, sem distinção, seguiu-se a preocupação com a proteção de direitos de certos grupos, considerados vítimas de violações graves de direitos humanos, que, nessa medida, podem necessitar de proteções particulares (casos das crianças, mulheres, migrantes e deficientes).

     

    1. O fortalecimento do sistema internacional de direitos humanos e do respetivo cumprimento, tanto de vocação universal como também de âmbito regional, foi acompanhado do desenvolvimento e da consolidação de um número crescente de sistemas nacionais com idênticas finalidade, tendo por fonte principal as constituições, em articulação cada vez mais estreita com o sistema ou sistemas internacionais congéneres, envolvendo assim vários níveis (internacionais e interno ou internos) de proteção da dignidade da pessoa humana.

    O mesmo sucedeu em Portugal, com a Constituição portuguesa de 1976, em vigor (cujo texto foi revisto em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005), que contém um extenso “catálogo aberto” de direitos fundamentais e prevê que os preceitos destes sejam “interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem” (art. 16.º).

    Apesar de distribuídos por quase toda a lei fundamental, importa especialmente a parte I, relativa aos “Direitos e deveres fundamentais das pessoas” (arts. 12.º a 79.º), bem como a parte II, respeitante à “Organização económica” (arts. 80.º a 107.º), após um preâmbulo e um frontispício no qual são enumerados os princípios fundamentais (arts. 1.º a 11.º).

    No (§4.º do) Preâmbulo, inalterado desde a aprovação do documento pela Assembleia Constituinte, declara-se a vontade popular “de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”.

    Apesar de também atenuadas por sucessivos processos de revisão constitucional, pelo decurso do tempo e dos tempos e ainda pelo não menos significativo e transversal ato de adesão do país às Comunidades Europeias, presentemente União Europeia, continuam relevantes as referências dos primeiros artigos, incluindo objetivos de justiça económica e social.

    Afirma-se logo no art. 1.º que Portugal é uma república soberana “baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e emprenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Os traços concretos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária dependem, é certo, de diversas, sucessivas e (desejavelmente) consistentes opções políticas. De qualquer modo, essa disposição torna inadmissíveis os atos – políticos, legislativos, administrativos ou materiais – que atentem injustificadamente contra “uma sociedade livre, justa e solidária” ou contra a realização da “democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (mencionada no art. 2.º). A desconformidade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas com o disposto na Constituição prejudica a sua validade jurídica (cf. n.º 3 do art. 3.º).

    Os fins gerais do Estado consistentes na construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” e da “democracia económica, social e cultural” serão alcançados, antes de mais, através das “tarefas fundamentais do Estado”, enumeradas no art. 9.º, em especial nas alíneas d) – “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”; e) – “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território”; f) – “Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”; g) – “Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos do Açores e da Madeira”; e h) – “Promover a igualdade entre homens e mulheres”, cuja concretização depende das decisões políticas e da verificação das condições económicas e financeiras que a viabilizem.

     

    1. A proclamação de um catálogo de direitos e deveres fundamentais das pessoas contribui decisivamente para a afirmação do quadro jurídico conformador da justiça económica, social e cultural, mas a sua concretização depende igualmente de vários outros desenvolvimentos infraconstitucionais que os tornem efetivos a todas as pessoas, em função também da disponibilidade e da afetação dos recursos materiais e financeiros necessários para esse efeito.

    Note-se que nem sempre a arrumação por títulos e capítulos da Constituição impõe uma precedência ou distinção de grau e menos ainda de regime aplicável, com exceção da divisão basilar entre, por um lado, os direitos, liberdades e garantias, enunciados no título II (arts. 24.º a 57.º), além dos “direitos fundamentais de natureza análoga” àqueles (cf. arts. 17.º e 18.º) e, por outro lado, os restantes direitos fundamentais. Os direitos económicos, sociais e culturais encontram-se enumerados no título III (arts. 58.º a 79.º).

    Entre os direitos, liberdades e garantias pessoais, a Constituição abrange os direitos à vida (art. 24.º), a integridade pessoal (art. 25.º), outros direitos pessoais (art. 26.º), a liberdade e segurança (art. 27.º), o habeas corpus em caso de prisão ou detenção ilegal (art. 31.º), o asilo (art. 33.º), a inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34.º), a utilização da informática (art. 35.º), a constituição de família, casamento e filiação (art. 36.º), a liberdade de expressão e informação (art. 37.º), a liberdade de imprensa (art. 38.º), a liberdade de consciência, de religião e de culto (art. 41.º), a liberdade de criação cultural, de aprender e ensinar (arts. 42.º e 43.º), a deslocação e a emigração (art. 44.º), o direito de reunião e manifestação (art. 45.º), a liberdade de associação (art. 46.º) e de escolha de profissão e acesso à função pública (art. 47.º), os direitos de participação política, incluindo o direito de sufrágio, de petição e de ação popular (arts. 48.º a 52.º) e os direitos específicos dos trabalhadores, incluindo liberdade sindical e direito à greve e proibição do lock-out (arts. 53.º a 57.º).

    Entre os direitos e deveres económicos, encontramos os direitos ao trabalho (art. 58.º), dos trabalhadores (art. 59.º), dos consumidores (art. 60.º), de propriedade privada (art. 62.º) e a liberdade de iniciativa económica privada, cooperativa e autogestionária (art. 61.º); entre os direitos e deveres sociais, os direitos à segurança social (art. 63.º), à habitação (art. 65.º), à proteção da saúde (art. 64.º), a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.º), à proteção da família (art. 67.º), à proteção da paternidade e maternidade (art. 68.º), à proteção das crianças (art. 69.º) e dos jovens (art. 70.º), à proteção dos cidadãos portadores de deficiência (art. 71.º) e das pessoas idosas (art. 72.º); e, entre os direitos e deveres culturais, os direitos à educação com igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolar (arts. 73.º, 74.º e 75.º), à cultura e à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural (arts. 73.º e 78.º), e ainda os direitos à ciência e ao acesso ao ensino superior (arts. 73.º e 76.º) e à cultura física e ao desporto (art. 79.º).

    Os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias das pessoas, e aos direitos fundamentais de natureza análoga, aplicam-se (e por isso podem ser invocados) “diretamente” e vinculam tanto entidades públicas como privadas; a lei não os pode restringir senão nos casos expressamente previstos na própria Constituição, tais restrições devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses protegidos pela mesma lei fundamental, e ainda ter carácter geral e abstrato, não serem retroativas e não diminuírem a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceituado no texto fundamental (cf. os arts. 17.º a 19.º da Constituição).

    Aos restantes direitos fundamentais, incluindo os direitos económicos, sociais e culturais em geral, não é aplicável aquele regime especialmente reforçado, previsto para os direitos, liberdades e garantias, dependendo a respetiva efetivação da adoção de medidas apropriadas através das políticas públicas (e.g., de emprego e de formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores, em relação ao direito ao trabalho, ou de organização de um serviço nacional de saúde universal e geral, em relação ao direito à saúde, e de uma política de habitação em relação ao direito à habitação, e assim sucessivamente).

    A efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais em cada momento histórico fica, assim, condicionada à verificação de requisitos materiais, técnicos, económicos, financeiros e institucionais que permitam a satisfação das pretensões abrangidas no conteúdo dos referidos direitos, incumbindo aos dirigentes políticos e administrativos a missão e a tarefa de contribuírem ativamente para aquele objetivo, com a brevidade possível.

     

    1. Entre os direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, em relação aos quais é aplicável o regime específico destes, incluem-se os direitos e garantias dos administrados, enunciados no art. 268.º da Constituição. Todos os sujeitos particulares ou “administrados” têm o direito de ser informados pela Administração Pública – ou seja, por todos os serviços, entes ou organismos públicos, nacionais, regionais ou locais –, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, devendo os atos administrativos ser notificados aos interessados, incluindo fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses protegidos, nos termos da Constituição e da lei, designadamente o Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro).

    Além do direito de informação procedimental, atribuído aos interessados em cada um dos procedimentos que decorram nos serviços públicos, a Constituição reconhece também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, ou seja, à informação contida nos diversos suportes existentes, em papel ou eletrónicos, em todos os serviços públicos, independentemente de quem os tenha reunido e seja responsável pela sua organização e guarda, com exceção daqueles que ponham (e enquanto ponham) em risco a segurança interna e externa, a investigação criminal e a intimidade das pessoas, conforme disposto na Constituição e nas leis (em especial no Regime de Acesso à Informação Administrativa e Ambiental e à Reutilização dos Documentos Administrativos, aprovada pela lei n.º 26/2016, de 22 de agosto).

    A lei fundamental portuguesa garante ainda aos particulares a proteção efetiva dos seus direitos ou interesses protegidos quando se relacionem com a Administração Pública, incluindo o respetivo reconhecimento, a impugnação dos atos administrativos que os lesem, a determinação da prática de atos administrativos devidos, a adoção de medidas cautelares adequadas, bem como a faculdade de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses protegidos.

    Em geral sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, dispõe o art. 20.º da Constituição que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, acrescentando-se que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura procedimentos judiciais caracterizados pela “celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

     

    1. Quanto à organização económica do país (parte II da Constituição), que baliza o exercício das atividades económicas em geral, assenta nos seguintes princípios (art. 80.º): (a) subordinação do poder económico ao poder político democrático; (b) coexistência do sector público, do sector privado e do (“terceiro”) sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; (c) liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista; (d) propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo; (e) planeamento democrático do desenvolvimento económico e social; (f) proteção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; e (g) participação das organizações representativas dos trabalhadores e das atividades económicas na definição das principais medidas económicas e sociais. Este enunciado geral de princípios ajuda a descortinar as grandes linhas pretendidas para a organização da economia, que, todavia, serão influenciadas sobretudo pelas formas como serão concretizadas, através da ordem jurídica ordinária e da governação, e pelas relações de prevalência, concorrência e subordinação entre aqueles e outros princípios.

    Uma leitura rápida do texto constitucional neste domínio poderia levar-nos a concluir que o sector de propriedade de meios de produção preponderante é, ou deveria ser, o “terceiro sector”, cabendo ao sector privado uma posição meramente residual, em relação ao sector público e ao sector cooperativo e social, em face das exigências de subordinação do poder económico (privado) ao poder político (alínea a)), o mesmo sucedendo quanto à liberdade de iniciativa (privada) e de organização empresarial (alínea c)), ou seja, quanto ao empreendedorismo económico e social dos privados, face à propriedade pública dos recursos naturais e também dos meios de produção, “de acordo com o interesse coletivo”, com planeamento democrático do desenvolvimento económico e social, bem assim da proteção do “terceiro sector”.

    Na verdade, o modo e as regras de organização económica dependem essencialmente de uma sucessão de decisões dos órgãos legislativos, governativos e administrativos do Estado e de outros entes públicos em concretização daqueles princípios gerais, que se alteram com o decurso do tempo e se projetam nas revisões constitucionais (assim, nas duas primeiras revisões, em 1982 e em 1989, foram introduzidas alterações económicas de fundo, de sentido liberalizador).

    O cumprimento dos princípios fundamentais de organização económica deve atender às incumbências prioritárias do Estado no campo económico e social, enumeradas no art. 81.º da Constituição: (a) “promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável; (b) promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal; (c) assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público; (d) promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior; (e) promover a correção das desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas e incentivar a sua progressiva integração em espaços económicos mais vastos, no âmbito nacional ou internacional; (f) assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral; […] (i) garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores; […] (l) assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país; (m) adotar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional; (n) adotar uma política nacional da água […]”.

    Independentemente das alterações e ajustamentos dos princípios de organização económica e social, em função da evolução do regime político e económico e, sobretudo, da adesão de Portugal às Comunidades e à União Europeia, saliente-se a circunstância de ser nítida a desatualização de algumas das referências que permanecem no texto constitucional, por influência do período revolucionário que antecedeu imediatamente a sua aprovação, em 1976.

     

    1. Um momento determinante de revisão material (mas não formal) da parte económica da Constituição portuguesa ocorreu com a adesão do país às Comunidades Europeias (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA) e Comunidade Económica Europeia (CEE), antecessora da atual União Europeia (UE)), a 1 de janeiro de 1986, que implicou a aceitação sem reservas de toda a ordem jurídica comunitária europeia, desde os tratados constitutivos (de Paris, de 1951, de Roma, de 1957, e de todos os que os alteraram, incluindo o Tratado de Lisboa, de 2007) até ao direito secundário ou derivado, dimanado das respetivas instituições (regulamentos, diretivas).

    O núcleo essencial do Direito da União Europeia continua a ter natureza económica, abrangendo as célebres “quatro liberdades” de circulação de bens e de factores de produção entre os Estados- Membros, baseada na eliminação de todas as barreiras fronteiriças à livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais no interior do “Mercado Interno” europeu, em resultado da integração dos vários espaços económicos nacionais.

    No entanto, a partir do Ato Único Europeu, de 1986, e do Tratado da União Europeia, de 1992, a “construção europeia” expandiu-se gradualmente, embora muito assimétrica e desfasadamente, para vários outros domínios, além do estritamente económico.

    A viragem económica de fundo portuguesa com o ato de adesão às Comunidades Europeias seria inevitável, sobretudo nos casos de Estados com regimes políticos e económicos tradicionalmente pouco abertos ao exterior, como Portugal – sujeito até há menos de 12 anos antes a um regime político e também económico fechado, profundamente alterado na altura (desde 1974), mas não no sentido da abertura e da liberalização económica, não obstante alguma experiência pontual de cooperação e integração económica internacional, ensaiada sobretudo com a participação do país na Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), desde a data da sua criação, em 1960, com resultados económicos muito positivos (taxas de crescimento económico historicamente mais elevadas).

    Os Estados-Membros das Comunidades e da União Europeia sujeitam-se à aplicação uniforme da ordem jurídica comunitária, que se concluiu dever prevalecer (à luz do princípio do primado) sobre as fontes de direito nacional, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, com sede no Luxemburgo, competente para decidir sobre a interpretação dos tratados e sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

    Nas Comunidades Europeias, a proteção dos direitos fundamentais tornou-se prioridade tardiamente, por se ter entendido durante muito tempo que o respetivo âmbito se restringia estritamente ao campo económico.

    Os direitos humanos só passaram a ser considerados explicitamente como objetivo das Comunidades e da União Europeia com o Tratado de Maastricht, de 1992. Depois, o Tratado de Amesterdão, de 1997, condicionou a adesão de novos Estados-Membros ao respeito efetivo pelos direitos fundamentais e o Tratado de Nice, de 2000, estabeleceu um mecanismo de prevenção em caso de risco de violação grave dos direitos fundamentais por parte de um Estado-Membro, bem como um mecanismo de sanção para situações de violação grave e persistente dos mesmos – de aplicação difícil, como se viria a constatar mais recentemente.

    Os direitos fundamentais protegidos pela União Europeia incluem direitos civis, políticos, económicos e sociais, derivam da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Carta Social Europeia, de 1996, das tradições constitucionais dos Estados-Membros e de outros tratados internacionais de que a organização ou os seus Estados-Membros sejam partes contratantes e foram codificados na Carta dos Direitos Fundamentais da União (proclamada em dezembro de 2000, em Nice, pelo Conselho, pela Comissão e pelo Parlamento Europeu).

    A Carta, que chegou a integrar a parte II do projeto de tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa, de 2004 – que não entrou em vigor na sequência dos referendos em França e nos Países Baixos, que o rejeitaram –, só se tornou vinculativa a 1 de dezembro de 2009, por força do Tratado de Lisboa, de 2007. Neste último previu-se ainda a adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de concretização difícil.

    A vigência e concorrência de diferentes níveis de ordenação jurídica dos direitos e deveres fundamentais (por um lado, tendo por base tratados de vocação universal, celebrados geralmente no quadro da ONU, por outro, tratados de âmbito regional, à escala continental ou infracontinental, no âmbito de organizações de mera cooperação, como o Conselho da Europa, ou de integração, como a União Europeia, além do plano interno), bem como de diferentes instituições encarregadas da respetiva fiscalização, comporta dificuldades de articulação não apenas de ordem substancial, mas igualmente, e também complexas, de ordem institucional e processual.

     

    1. O desenvolvimento e a consolidação de múltiplos enunciados de direitos e deveres fundamentais da pessoa humana em diferentes níveis de ordenação jurídica, de que resultam dificuldades de interpretação e de articulação, não implicam, como apontado, o cumprimento estrito e imediato, ou “automático”, do que foi proclamado, mais ou menos solenemente, uma contradição que se tende a evidenciar no domínio dos direitos económicos, sociais e culturais.

    Nada impede que um país significativamente menos desenvolvido proclame exatamente o mesmo catálogo de direitos económicos, sociais e culturais adotado em países mais prósperos. Todavia, o grau e a qualidade de concretização desses direitos inevitavelmente divergirão, porventura radicalmente, num e noutros países, designadamente, mas não apenas, quanto aos direitos económicos, sociais e culturais.

    A efetivação e o exercício dos direitos e deveres fundamentais, por todos e para todos, apenas possível através da provisão pública abundante de uma multiplicidade de bens e serviços, só se poderá cumprir havendo disposição dos recursos financeiros bastantes para o efeito, além de outras condições, designadamente técnicas e institucionais, também necessárias, ainda assim insuficientes, por si, para viabilizar uma mudança estrutural e temporalmente sustentada.

    Muitas das prestações públicas exigidas para o cumprimento pleno dos direitos económicos, sociais e culturais só poderão ser providas à generalidade das pessoas nas sociedades mais prósperas, com condições técnicas, institucionais e materiais que o permitam e com capacidade para manter sustentavelmente no decurso do tempo níveis elevados de produção e rendimentos, “sem riscos” de degradação das condições alcançadas por um “Estado social” numa economia de mercado, ou Estado com “economia de mercado social”.

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    Autor: José Renato Gonçalves

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