Aquino, Tomás de [Dicionário Global]
Aquino, Tomás de [Dicionário Global]
Tomás de Aquino (1225-1274) nasceu em Roccasecca (Lácio, Itália), oriundo de uma família nobre de condes. Destinado a uma vida monástica, escolheu a Ordem dos Dominicanos, opção determinada pelo amor ao conhecimento e ao estudo. É um dos máximos expoentes da Escolástica. Trabalhou incansavelmente para criar as condições para a coexistência entre a religião cristã e a filosofia aristotélica, pois, para si, a Teologia (ordem salvífica) e a Filosofia (ordem cósmica) buscam uma solução unívoca.
Durante o Concílio de Trento, o Aquinate foi santificado e proclamado Doutor da Igreja. Entre as suas obras mais importantes, está a Suma Teológica, que expõe a doutrina sagrada com clareza para a formação dos principiantes. Trata-se de uma obra não descritiva, dividida em três partes: a Deus em si mesmo, enquanto causa da criatura racional; ao caminho da criatura racional para Deus; e a Cristo, que nos leva a Deus.
Tomás foi um homem medieval. Mas reconhece-se-lhe o mérito de ter contribuído para uma virada cultural que caracterizará o humanismo. De fato, Doctor Humanitatis é o nome que lhe foi atribuído, uma vez que estava sempre pronto a recolher os valores de todas as culturas (cf. Alocução de João Paulo II aos participantes do VIII Congresso Tomístico Internacional, 13/09/1980; Ensinamentos, III, 2, 609).
Na introdução ao seu I Fondamenti della Persona in San Tommaso d’Aquino, Giovanni Emidio Palaia (2014) evidencia as razões do título – Doctor Humanitatis – atribuído ao Aquinate por João Paulo II: a afirmação da dignidade da natureza humana; a sua concepção da restauração e da elevação do Homem a um nível superior de grandeza em razão da Encarnação do Verbo; a exata formulação do caráter perfectivo da graça como princípio-chave na visão do mundo e da ética dos valores humanos, desenvolvida na Summa; e a importância atribuída pelo Angélico à razão humana no conhecimento da verdade e no tratamento das questões ético-sociais.
Para Aquino, a dignidade humana é o primeiro fundamento da sociedade e de todos os direitos inalienáveis da pessoa. Por sua vez, a dignidade humana tem um fundamento metafísico na realidade positiva do ser que nela se individualiza e encontra a sua justificação na concepção da ordem e da hierarquia dos valores que se vincula às exigências metafísicas do ser. Estar à altura da própria natureza, isto é, no comportamento, na conquista e na obtenção dos fins, é reportar-se à dimensão ética da dignidade do Homem. A dignidade humana deve ser reconhecida pelos outros, respeitada e promovida na vida social. Neste caso, trata-se da raiz dos direitos do Homem. Tratemos, então, da dimensão metafísica da dignidade humana em S. Tomás de Aquino.
Para o Aquinate, a dignidade humana se fundamenta na realidade do seu ser. Ela deriva do fato de o Homem ser criado à imagem e semelhança de Deus. O fundamento da dignidade humana consiste na sua realidade pessoal. Como ser vivo, com uma estrutura específica, espiritual e corporal, o Homem é um confim entre o mundo espiritual e material e daí deriva a sua dignidade especial. Sendo livre, o Homem se encontra a caminho para o fim último, para o bem total, conforme à sua natureza. Só o Homem é capaz de ser feliz, porque é capax Dei.
Segundo S. Tomás (Sum. Theol., I, q. 29, a. 3), a pessoa é “aquilo que de mais perfeito [perfectissimum] se possa encontrar em toda a natureza”, porque somente a natureza humana constitui, no universo, um fim em si, enquanto todas as outras coisas estão ordenadas àquela. A pessoa é um conjunto de unidade substancial de corpo/matéria e espírito. Logo, o seu fundamento é metafísico-espiritual. O ser humano, por sua natureza, é um animal racional e social. A sociedade não é, porém, o seu fim, mas o meio para realizar a sua vocação/dignidade à vida eterna. O fim da sociedade é realizar a felicidade da pessoa, seja na sua dimensão social, seja na sua dimensão sobrenatural. De acordo com o que é, faz ou possui, tudo é destinado à sua vida verdadeira: viver no coração de Deus. Acima de tudo, deve ser respeitado o valor absoluto da vida e da pessoa humanas. Os valores humanos são naturais, irrenunciáveis, inalienáveis, para todos os homens. Por isso, sendo conaturais à pessoa humana, devem ser respeitados acima da raça, língua ou religião. A propriedade não é um princípio absoluto, mas relativo à vida. Aquilo que cada um possui não é seu, mas pertence àquele que daquilo precisa. Por isso, se uma pessoa se encontra na necessidade de arriscar a vida, pode se apropriar daquilo que precisa para sobreviver, não cometendo um furto. Além disso, a propriedade pessoal tem uma função social porque, por natureza, é feita não para ser acumulada, mas para ser compartilhada.
A recuperação da socialidade e do respeito pelo bem comum só pode existir na medida em que os princípios e os valores da pessoa são reconhecidos e respeitados como parâmetros das regras do jogo, que, segundo Tomás de Aquino, permitem governar as coisas terrenas segundo as razões eternas.
Outro aspecto fundamental é o valor da corporeidade na vida do Homem. Partindo do dado bíblico, Tomás dá valor e dignidade a tudo o que Deus criou: o cosmos e a natureza, a beleza e a inteligência, a fé e a razão. Tudo é considerado manifestação de Deus e da sua vontade de bem e de verdade difundida e refletida em cada partícula criada, sobretudo no Homem, que é o seu guardião e testemunha, levando a harmonizar o Homem a Deus e à natureza inteira.
É preciso declarar que não é possível tratar da dignidade do Homem sem a luz divina, porque ela é um brilho que deriva daquele divino. Ora, se para nos aproximarmos racionalmente do conhecimento de Deus é útil o conhecimento das suas criaturas, maximamente o é o conhecimento do Homem, cuja alma intelectiva é, para S. Tomás, imaterial e imortal (Summa contra Gentiles, 1.II, cap. LXXXV e LXXXVII). Por isso, conhecer o Homem significa conhecer um ente único em toda a criação (Summa contra Gentiles, 1.II, cap. L). O Homem representa a unidade substancial de elementos físicos, finitos e criaturais e de outros não físicos e não mortais que foram revelados por Deus à humanidade, per viam fidei.
A propósito, escreve Weisheipl (1999, 256-257): “Pertence à própria natureza da alma, segundo São Tomás, animar o corpo; mesmo quando ela é separada da matéria após a morte, a sua natureza ainda é a de informar a matéria à qual está ligada”. Isso depende do fato de a alma intelectiva humana “ocupar uma posição única em toda a criação: ela é ao mesmo tempo a forma substancial pela qual o Homem é racional e um hoc aliquid imaterial, do qual participa também o corpo. Por causa da sua materialidade, a própria dignidade humana só pode ser reconhecida partindo do reconhecimento e do respeito de ambos os aspectos, bem como da consciência da unidade substancial, em cada pessoa, de alma e corpo, de forma e matéria, unidade indissolúvel em vida, mas da qual resta um traço também após a morte, e sobre a qual, segundo Tomás, pode ser útil refletir também para explicar a copresença no Homem do desejo de conhecer Deus e, ao mesmo tempo, a sua debilidade racional em relação a tal tarefa.
Bibliografia
Impressa
PALAIA, G. E. (2014). I Fondamenti della Persona in San Tommaso d’Aquino. Chieti: Solfanelli.
TORRELL, J.-P. (2005). Saint Thomas Aquinas: The Person and His Work. Trad. De R. Royal (ed. revista). Washington, DC: The Catholic University of America Press.
WEISHEIPL, J. A. (1994). Tommaso d’Aquino: Vita, Pensiero ed Opere. Milano: Jaca Book.
Digital
THOMAE DE AQUINO (s.d.). Corpus Thomisticum. Opera Omnia, https://www.corpusthomisticum.org/iopera.html (acedido a 30.01.2024).
Autor: Everaldo Cescon