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    Osório, Ana de Castro [Dicionário Global]

    Escritora, pedagoga, feminista e ativista republicana portuguesa (Mangualde, 18.06.1872 – Lisboa, 23.3.1935), de nome Ana Osório de Castro, que vem a alterar, invertendo a ordem dos apelidos. Filha de Mariana Osório de Castro Cabral Albuquerque, proveniente de uma família culta e aristocrática, e de João Baptista de Castro, ilustre bibliófilo, notário e magistrado, é a mais nova de quatro irmãos: Alberto Osório de Castro (1868-1946), juiz e poeta, João Osório de Castro (1869-1939), juiz e escritor, e Jerónimo Osório de Castro (1871-1935), destacado na carreira militar.

    Lutou por ideais, num ambiente privilegiado em matéria de informação e cultura, fazendo florescer a sua atividade enquanto escritora desde cedo, já residente em Setúbal, onde conhece Francisco Paulino Gomes de Oliveira (1864-1914), poeta e membro do Partido Republicano Português (PRP), com quem vem a casar. Ao longo da sua vida, destacou-se pela sua intervenção social, cultural e política, tendo uma atividade multifacetada. Dedicou-se, desde cedo, à atividade jornalística, tendo feito parte da direção de diversos periódicos, designadamente de Sociedade Futura (1902), O Jornal dos Pequeninos (1907-1908), A Mulher e a Criança (1909-1910) e A Semeadora (1915-1918), desempenhando ainda um papel relevante no jornal setubalense O Radical (1910-1911).

    A alfabetização, a par da defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, designadamente o direito ao voto, à educação e ao trabalho, ocupou um lugar central no seio das suas preocupações, traduzidas na redação do primeiro manifesto feminista português, Às Mulheres Portuguesas, em 1905. Neste, dirigiu-se sobretudo às mulheres do seu país, “que tão insuficientemente são educadas para serem as companheiras e as mães do homem moderno” (OSÓRIO, 1905, 10), exortando-as à educação e ao trabalho como forma de libertação, assumindo-a como responsabilidade moral que lhes cabe, de forma particular, na medida em que integra o papel da educação da infância, logo, crucial para um futuro promissor.

    Em 1907, filiou-se na Maçonaria, chegando a integrar a Loja Humanidade e, posteriormente, outra de sua fundação, a que chamou Carolina Ângelo (1915), com o intuito de promover o associativismo de teor feminista, tendo sido a primeira presidente de uma loja feminina maçónica. Fundadora e presidente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP), fundada em 1909, no decurso do repto lançado pelo PRP, nas pessoas de Bernardino Machado, Sebastião de Magalhães Lima e António José de Almeida, para a formação de uma liga democrática, enalteceu os princípios republicanos e desenvolveu, com Adelaide Cabete, Beatriz Pinheiro, Maria Veleda, Virgínia Quaresma e Carolina Beatriz Ângelo, atividade cívica, de cariz educativo e político, exercendo um papel de relevo na discussão da condição da mulher portuguesa da época, realçando o profundo atraso da mesma em matéria de educação, visando a sua emancipação. Em 1911, a taxa de analfabetismo, em Portugal, era de 75,1%, maioritariamente feminino, uma vez que os governos monárquicos teriam descurado o papel importante da educação, priorizando o desenvolvimento material, designadamente em matéria de transportes, comércio e finanças. Neste sentido, tinha o desiderato de construir um Portugal novo, em que a condição social da mulher pudesse caminhar para uma situação de igualdade no que diz respeito aos direitos do homem e da mulher, salientando o papel de um programa educativo que integrasse o sexo feminino.

    Com a proclamação da República, a Liga destacou-se no âmbito da luta pela concessão do direito de voto feminino, enquadrando a sua atuação no seio das pretensões do programa republicano, no que diz respeito à cultura e instrução, que eram preocupações centrais da maioria da elite, ainda que com repercussões diminutas na educação das massas. Defendeu a liberdade feminina, em matéria de igualdade de direitos, sem distinção de sexos, no caminho educativo e laboral, cabendo a cada indivíduo, homem ou mulher, escolher o seu estado social, sem olhares de censura, numa época em que o reconhecimento social da mulher dependia do seu papel de esposa e de mãe, veiculados pelo casamento.

    Em 1911, escreveu A Mulher no Casamento e no Divórcio, tendo colaborado com o então ministro da Justiça, Afonso Costa, relativamente à Lei do Divórcio. Em maio de 1911, com Carolina Beatriz Ângelo, fundou a Associação de Propaganda Feminista (1911-1918), tendo como objetivos principais a defesa dos direitos das mulheres, a defesa do sufrágio feminino restrito e a independência política. Preconizou uma educação para todos, sem os velhos preconceitos, consubstanciados em discursos de inferioridade, em matéria intelectual e laboral, para que a mulher pudesse subverter o estado de ignorância e inatividade. Com efeito, ser feminista significaria aliar inteligência e razão e potencializar competências que culminassem em independência, em prol da dignidade humana, para que nenhuma mulher fosse coagida pela educação ou costumes. Apelou para que acabassem os privilégios, aliados a preconceitos de sexo ou classe, para que cada um pudesse encontrar a sua própria felicidade, no seio de uma sociedade mais tolerante e mais justa. A pressão exercida por estes movimentos, de forte componente republicana, feminista e maçónica, foi promovendo uma discussão inevitável em torno da legislação, no que concerne à igualdade de direitos e deveres em contexto societário. Destacam-se os discursos baseados nos temas dos direitos ao voto, à instrução, ao trabalho, assim como da mendicidade infantil e combate à prostituição, abrindo caminho para uma progressiva conquista do espaço público por parte das mulheres.

    Em 1914, sobressaía em conferências públicas, e, com o rebentar da Primeira Guerra Mundial, criou a Comissão Feminista pela Pátria (1914), destacando a importância da intervenção de Portugal na Guerra, junto dos Aliados, a partir da qual se formou, em 1916, a Cruzada das Mulheres Portuguesas, com o objetivo de apoiar as famílias e os soldados participantes na Guerra. As mulheres mobilizaram-se para uma intervenção e para o auxílio nos mais variados domínios, o que não se esgotou na recolha de donativos ou confeção de agasalhos para os mais carenciados e no apoio aos soldados, destacando-se a Obra Maternal, criada em 1909, no seio da LRMP, para auxiliar os órfãos de guerra e combater a mendicidade infantil, por forma a assegurar a dignidade e a formação das crianças.

    Defendeu, claramente, a ideia de que educar a mulher seria o ponto de partida para o progresso de uma sociedade, na qual assenta a pedra basilar do feminismo. Educar a mulher para educar os seus filhos, para a sua independência, com a convicção de que “não há país grande onde a mulher seja inferior” (OSÓRIO, 1905, 76), acreditando que saber ler e escrever seria crucial para a mudança. Neste sentido, dedicou-se, também, à causa da literatura, criando manuais escolares e editando vários livros para crianças, baseando-se no poder da fantasia para instruir e formar e, ao mesmo tempo, divertir, o público infantil. Adaptou contos de fadas, reuniu contos tradicionais portugueses, recolhidos junto da população, traduziu obras dos Irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen, fundando uma editora. Considerando a literatura infantil um assunto sério, a sua coleção infantil Para as Crianças (1897-1935), de 18 volumes, faz com que seja considerada a mãe da literatura infantil em Portugal. Entre outras obras infantis, escreveu, em 1903, A Comédia de Lili e o Príncipe das Maçãs de Oiro, em 1935.

    Em 1922, aquando da prisão dos seus dois filhos, envolvidos num movimento nacionalista, Carlos de Magalhães Ferraz acusou-a de defender um regime presidencialista, contra o parlamentarismo, ainda que não se colocasse em causa o republicanismo da escritora. Nesse contexto, dedicou-se à escrita, fazendo esmorecer a sua militância do passado, ainda que com ligações à Cruzada, continuando ao serviço da República, servindo ideias, e não os homens, e impulsionando assim a sociedade portuguesa (D’ARMADA, 2011, 352). Republicanismo e feminismo constituem, com efeito, os dois grandes interesses veiculados pelo seu pensamento e ação, ao longo da sua vida, aliados a dois princípios subjacentes: a educação e a solidariedade social, veiculados por um espírito livre e independente, contrário a qualquer tipo de opressão ou submissão.

    Ana de Castro Osório teve uma grande importância na defesa dos direitos humanos, nomeadamente na medida em que permitiu a discussão para a redefinição das relações entre homens e mulheres, enquanto voz ativa, questionando os papéis de cada um, na esfera pública e privada, almejando o melhoramento da condição social da mulher e a educação igualitária. A defesa da ideia de que o homem e a mulher devem ser considerados aliados, nas várias esferas societárias, no que aos direitos e deveres diz respeito, assume, ainda hoje, um traço de contemporaneidade na sociedade portuguesa.

    Bibliografia

    Impressa

    D’ARMADA, F. (2011). Republicanas quase Desconhecidas. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores.

    ESTEVES, J. (2008). Mulheres e Republicanismo (1908-1928). Lisboa: Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Presidência do Conselho de Ministros.

    O Grande Livro dos Portugueses (1990). Lisboa: Círculo de Leitores.

    MARIANO, F. (2022). Às Urnas. A Reivindicação do Voto Feminino na Península Ibérica (1821-1934). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais/Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

    MARQUES, A. H. de O. (1986). História de Portugal (vol. III) (3.ª ed.). Lisboa: Palas Editores.

    RIBEIRO, F. (2013). “Escrita no feminino – Ana de Castro Osório: Uma lição da História e às mulheres portuguesas”. Faces de Eva – Estudos sobre a Mulher, 29, 67-88.

     

    Digital

    Grandes Escritores tal como Foram: Ana de Castro Osório (1973). Produção RTP, https://arquivos.rtp.pt/conteudos/ana-de-castro-osorio/ (acedido a 21.01.2024).

     Literatura Aqui – Ana de Castro Osório (2015). Produção Até ao Fim do Mundo, https://ensina.rtp.pt/artigo/ana-de-castro-osorio-militante-do-feminismo-e-da-literatura-infantil/ (acedido a 21.01.2024)

    OSÓRIO, Anna de Castro (1905). Ás Mulheres Portuguêsas. Lisboa: Editora Viúva Tavares Cardoso, https://permalinkbnd.bnportugal.gov.pt/records/item/92887-as-mulheres-portuguesas (acedido a 21.01.2024).

    Autora: Ana Lúcia Ferreira

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