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    Trabalho, Direito ao [Dicionário Global]

    Artigo 58.º

    Direito ao trabalho

     

    1. Todos têm direito ao trabalho.
    2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
    3. a) A execução de políticas de pleno emprego;
    4. b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
    5. c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.

    1. Atualmente, a constitucionalização dos direitos sociais e económicos é uma realidade presente e generalizada nas constituições da maioria dos países ocidentais. Assim, a Constituição da República Portuguesa prevê, especificamente, um conjunto de normas e princípios laborais, a maioria dos quais se encontra na parte respeitante aos direitos fundamentais – Capítulo III do Título II da Parte I – arts. 53º a 57º – e Capítulo I do Título III, também da Parte I – arts. 58º e 59º. Corresponde assim, a Constituição portuguesa, ao típico Estado social de Direito e nas palavras de GOMES CANOTILHO, “A Constituição erigiu o «trabalho», os «direitos dos trabalhadores» e a «intervenção democrática dos trabalhadores» em elemento constitutivo da própria ordem constitucional global e em instrumento privilegiado de realização do princípio da democracia económica e social”.

    É, assim, incontestável que o Direito do trabalho português se encontra fortemente constitucionalizado na medida em que pode ser encontrado um bloco constitucional do trabalho que estabelece os princípios básicos que regem os vários campos do Direito do trabalho.

    1. O catálogo de direitos fundamentais sociais e económicos previstos na Constituição da República Portuguesa fixa o leque de direitos de natureza prestacional, ou seja, o legislador constitucional elenca um conjunto de “normas impositivas de legislação” através das quais se pretende “impor ao Estado que tome medidas para uma maior satisfação ou realização concreta dos bens protegidos” (José Carlos Vieira de Andrade, 2010, 361).

     

    1. O primeiro direito que encabeça o Título III da Constituição relacionado com os direitos e deveres económicos, sociais e culturais é o do direito ao trabalho. Interessa, nesta sede, conforme chama à atenção Gomes Canotilho, comparar o catálogo constitucional dos “direitos e deveres económicos, sociais e culturais” com o modo como se encontra sistematizada a divisão dos “direitos, liberdades e garantias” onde o direito à vida se encontra consagrado em primeiro lugar, assim como o direito ao trabalho ocupa a mesma posição no catálogo em que se insere. O direito ao trabalho, assim como o direito à vida, explica o autor, é o “pressuposto e um antecedente lógico de todos os restantes direitos económicos, sociais e culturais […] o direito ao trabalho é mesmo pressuposto do próprio direito à vida, enquanto direito à sobrevivência”.

    A sua consagração constitucional significa que os direitos dos trabalhadores adquirem uma dimensão objetiva que origina uma nova conceção da relação de trabalho com várias restrições dos poderes do empregador, principalmente o diretivo, mas também na sua liberdade de empresa e na própria liberdade negocial. Os trabalhadores são, assim, dotados de direitos constitucionais que se encontram relacionados com a própria ideia de cidadania no trabalho e com uma forma de os proteger na relação de poder/subordinação como é a de trabalho.

    1. O primeiro direito consagrado neste artigo estabelece que todos os cidadãos, têm direito ao trabalho.

    Este direito ao trabalho deve ser entendido como um direito de obter emprego ou de exercer uma atividade profissional, assim como a possibilidade de livre escolha. Esta liberdade traduz-se no direito não só a não ser impedido de escolher qualquer profissão ou género de trabalho, como também o direito de não ser forçado a exercer uma dada profissão. E, apesar de esta liberdade se situar, lógica e cronologicamente, antes do exercício da profissão, acaba por produzir reflexos na mesma num duplo aspeto: por um lado, no direito de não ser arbitrariamente impossibilitado de exercer a atividade; e, por outro lado, no direito de, a todo o tempo, deixar voluntariamente de a exercer.

    Trata-se, desta forma, de garantir a liberdade de profissão e a não discriminação em função do sexo no acesso à mesma. Com esta imposição constitucional pretende-se combater a real desigualdade social existente de condições de acesso profissional e, sobretudo, tentar eliminar, ou pelo menos reduzir, a desigualdade de oportunidades para as mulheres.

    1. O número 2 deste artigo estabelece como deve assegurar-se este direito, impondo deveres ao Estado para o promover relacionadas quer com a execução de políticas de pleno emprego, quer com políticas que promovam a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; e, por último, a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.

    Entende-se, no que concerne à execução de políticas de pleno emprego, que em causa está a atribuição, ao legislador, de medidas que visem a manutenção de um adequado nível de emprego e da sua estabilidade, assim como condições que favoreçam a criação de postos de trabalho, indo, deste modo, de encontro ao estatuído no artigo 58.º, n.º 2, alínea a) (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, I, 2007, 764).

    A segunda medida, prevista no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) da CRP, conforme facilmente se depreende, passa pela criação de políticas que promovam a igualdade de oportunidades não só no acesso ao emprego, como também no acesso à profissão, cargo ou categoria profissional, assim como à formação e valorização profissional. A preocupação do legislador constitucional, na norma em apreço, versa, sobretudo, em matérias que tenham por base o combate à desigualdade de género, evidenciando a necessidade de criação de medidas que promovam a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, tendo por preocupação a tradição social de condução de práticas discriminatórias no que concerne ao acesso ao emprego e à profissão por parte das mulheres. Veja-se, a título de exemplo de medidas adotadas por parte do Estado para a eliminação de práticas discriminatórias, a imposição de quotas reservadas em relação a géneros desfavorecidos no acesso à profissão e a cargos profissionais (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, I, 2007, 764).

    Em terceiro lugar, em observação da medida estatuída no artigo 58.º, n.º 2, alínea c) da CRP, denota-se a associação feita pelo legislador entre a formação profissional – não esquecendo, neste ponto, no plano da educação e do ensino – e o acesso ao trabalho e ao emprego, consciente da indissociabilidade destes dois pontos, porquanto, o nível de ensino e formação de determinado candidato irá pressupor um significativo aumento de oportunidades profissionais, o Estado deverá garantir o acesso, não só no ensino e na formação levadas a cabo pelo próprio trabalhador, como também, a formação profissional proporcionada pelo empregador no decurso da execução do contrato de trabalho.

    Por fim, importa reforçar que, da concretização, através do n.º 2 do artigo 58.º da CRP, de um conjunto de medidas de natureza política que devem ser adotadas pelo Estado, no sentido de promover a materialização do direito ao trabalho consagrado no preceito constitucional em análise, decorre, ainda, que a não adoção das medidas impostas – conforme sublinha Gomes Canotilho – poderá acarretar uma situação de inconstitucionalidade por omissão.

    1. A consagração, na lei fundamental, do princípio da igualdade e não discriminação no plano do direito do trabalho, vai de encontro ao que está definido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como pela Convenção das Nações Unidas, pelos Pactos Internacionais das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos e direitos económicos, sociais e culturais e, ainda, pela Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho referente à discriminação em matéria de emprego e profissão.

    O mesmo princípio obedece, ainda, ao que está consagrado nos vários diplomas no âmbito do direito da União Europeia, veja-se, desde logo, o artigo 2.º do Tratado da União Europeia onde se lê que “a União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres” e o artigo 10.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que determina que “na definição e execução das suas políticas e ações, a União tem por objetivo combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual (Moreira, 2021, 131 a 133).

    Bibliografia

    AMADO, João Leal – Contrato de Trabalho – Noções básicas, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022

    AMADO, João Leal; MOREIRA, Teresa Coelho; ROUXINOL, Milena; VICENTE, Joana Nunes; SANTOS, Catarina Gomes – Direito do Trabalho – Relação Individual, Almedina, Coimbra, 2019

    ANDRADE, José Carlos Vieira de – Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010

    CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007

    FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho, 21.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022

    MARTINEZ, Pedro Romano – Direito do Trabalho, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022

    MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005

    MOREIRA, Teresa Coelho – Direito do Trabalho na era digital, Almedina, Coimbra, 2021

    RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2021

    Autoras: Teresa Coelho Moreira

    Inês Dias

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