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    Yousafzai, Malala

    Em 2014, com apenas 17 anos ide idade, a ativista paquistanesa Malala Yousafzai (n. 12/07/1997), considerada promotora do direito à educação, fez história ao tornar-se a pessoa mais jovem a receber o Prémio Nobel da Paz, a mais alta distinção a nível mundial, prémio que partilhou com a ativista indiana Kailash Satyarthi, pela luta que ambas travaram contra a exclusão de crianças e jovens e pelo direito de todas as crianças à educação (THE NOBEL PRIZE, 2014b).

    Malala é natural de Mingora, a maior cidade do vale do Suate (Swat em inglês), na República Islâmica do Paquistão, e tem vindo a fazer um percurso de ativismo intenso e destemido, que lhe valeu a participação em inúmeros eventos com pronunciamentos públicos a favor do direito à educação, nomeadamente nas tribunas da Organização das Nações Unidas (ONU) e na criação do Fundo Malala. Vítima de uma tentativa de assassinato, pelos Talibãs, a 9 de outubro de 2012, tem um reconhecimento global, com mais de 50 distinções atribuídas entre 2011 e 2022, incluindo a institucionalização do Dia de Malala, celebrado todos os anos internacionalmente no dia 12 de julho.

     

    Uma vida de desafios e violência

    No vale do Suate, Malala viveu parte da sua infância e toda a sua adolescência num ambiente de sede de conhecimento, mas também de insegurança, violência, terror e desafios à estabilidade social, enquanto decorria um debate nacional e global sobre a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, uma agenda da ONU que mobilizou a comunidade internacional. Esse período coincidiu com o aceleramento do processo de globalização pela disponibilização da Internet e pelo acesso às redes sociais, à informação e à comunicação móvel, a partir da década de 1990.

    O vale do Suate situa-se na antiga Província da Fronteira Noroeste, na República Islâmica do Paquistão. Em abril de 2010, o nome da província foi oficialmente alterado para a língua pastó (por vezes também escrito pashtu, ou pushto), passando então a designar-se Província de Caiber Paquetuncuá, uma transliteração inicialmente em língua inglesa (Khyber Pakhtunkhwa) e romanizada para o português. Na língua pastó, Pakhtunkhwa significa “terra dos pastós”, a etnia de Malala Yousafzai, que está presente sobretudo no Afeganistão, mas representa 16,98% dos cerca de 242 milhões de habitantes do Paquistão (PAKISTAN BUREAU OF STATISTICS, 2023, 1). O nome “Malala” é uma homenagem à heroína popular afegã Malalai de Maiwand, uma aldeia no Afeganistão, no distrito de Maiwand, província de Kandahar. A família de Malala é da tribo Yusufzai Pastó (ou Yousafzai) do vale do Suate, pertencente à seita sunita do islão.

    O momento mais crítico na vida de Malala foi quando sofreu a referida tentativa de assassinato, em que mais duas alunas também ficaram feridas, por ordem de Mullah Fazlullah, um militante e clérigo talibã. Malala cresceu num ambiente de guerra contra o terrorismo, iniciado após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos da América, em que o então presidente George W. Bush declarou, a 7 de outubro de 2001, o início de operações militares no Afeganistão, no quadro de uma“ Global war on terror”, com um plano abrangente para procurar e deter terroristas, incluindo as guerras no Afeganistão e no Iraque, mas também ações diplomáticas, financeiras e outras, tomadas para impedir o financiamento ou o abrigo seguro de terroristas (BUSH, 2001). O Afeganistão, que se encontrava à época sob governação dos Talibãs, tinha albergado membros da Al-Qaeda, promotores dos ataques nos Estados Unidos, incluindo o seu líder, Osama bin Laden, pelo que, a 20 de setembro de 2001, George W. Bush exigiu que os Talibãs deixassem de os albergar, exigência que não foi ouvida, tendo aberto caminho à guerra (BUSH, 2001; O’LOUGHLIN et al., 2010, 438).

    Os Talibãs, uma organização fundamentalista sunita, surgiram no Afeganistão em 1994, durante a Guerra Civil Afegã. O ramo paquistanês dos Talibãs, também conhecido por Tehrik-e-Taliban Pakistan, foi formado em 2002. Em 2007, quando Malala tinha 10 anos, o vale do Suate caiu sob o controlo dos Talibãs, que defendem uma visão radical da lei islâmica, incluindo a proibição das raparigas de frequentarem a escola e realizarem ou participarem em atividades culturais como dançar e ver televisão. Durante a ocupação talibã do vale do Suate, que terminou em 2009, eram bastante frequentes atos de violência, incluindo ataques suicidas generalizados, tendo o grupo feito da sua oposição a uma educação adequada para as raparigas a pedra angular da sua campanha de terror, que incluiu a destruição, até ao final de 2008, de cerca de 400 escolas (THE NOBEL PRIZE, 2014b).

    A República Islâmica do Paquistão tinha declarado a educação em geral e, particularmente, a educação para todos a sua principal prioridade. Enquanto país signatário de compromissos internacionais como os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, assinados pelos líderes mundiais em 2000, e o Quadro de Ação de Dacar para a Educação para Todos (abril de 2000) até 2015, que inclui o ensino primário gratuito e obrigatório para todas as crianças, as ações dos Talibãs, nessa época, iam em contramão relativamente às iniciativas do governo central, que desembocaram na promulgação, a 19 de abril de 2010, da 18.ª Emenda Constitucional, que inseriu o art. 25.º-A na Constituição do Paquistão, garantindo no país o direito ao ensino gratuito e obrigatório a todas as crianças dos 5 aos 16 anos de idade. Este ensino gratuito e obrigatório deve ser ministrado pelo Estado, que, por definição, vincula tanto o governo federal como os governos provinciais (PAKISTAN INSTITUTE OF LEGISLATIVE DEVELOPMENT AND TRANSPARENCY, 2011, 14).

    Apesar da sua tenra idade, tendo podido acompanhar esses debates e conquistas de direitos na área da educação, particularmente em conversas com o seu pai, Malala assumiu uma postura destemida relativamente ao estado da educação no vale do Suate durante a ocupação talibã. Com efeito, a escola era parte do ambiente familiar de Malala, que, na sua adolescência, não frequentou o ensino público. Foi educada sobretudo pelo seu pai, Ziauddin Yousafzai, professor, poeta, empresário do sector da educação, defensor do direito à educação e proprietário da escola privada de baixo custo conhecida como Escola Khushal, nomeada em homenagem ao herói pastó Khushal Khan Khattak, guerreiro e poeta (YOUSAFZAI et al., 2013, 19). Khushal é também o nome de um dos irmãos de Malala. Foi a escola criada pelo seu pai que Malala frequentou, a caminho da qual foi vítima de uma tentativa do referido assassinato por parte dos Talibãs. A história da sua vida mostra-a a defender o direito ao ensino privado (COULSON, 2013, 1). O pai permitia que a filha participasse nas aulas ainda antes de ela saber falar, e Malala agia como se fosse a professora (THE NOBEL PRIZE, 2014b). Por outro lado, o pai referia-se-lhe como alguém muito especial, permitindo-lhe ficar acordada à noite e falar de política depois de os seus dois irmãos terem ido para a cama. Malala é fluente em pastó, urdu e inglês. No Paquistão, o urdu divide o status de idioma oficial com o inglês.

     

    Um percurso de intenso ativismo pelo direito à educação

    Em finais de 2008, os Talibãs anunciaram que todas as escolas femininas seriam fechadas e que as meninas não deveriam mais ir à escola. Pensando que se tratava de uma brincadeira, Malala perguntou às suas amigas “Como é que eles nos podem proibir de ir à escola?” (YOUSAFZAI et al., 2013, 98). Destemida, determinada a ir à escola e com o firme propósito do seu direito à educação, Malala enfrentou os Talibãs e, juntamente com o seu pai, tornou-se rapidamente uma crítica das táticas daqueles. “Como é que os Talibãs se atrevem a retirar-me o direito básico à educação?”, disse uma vez na televisão paquistanesa (THE NOBEL PRIZE, 2014a). Era o prelúdio do seu intenso ativismo pelo direito à educação.

    Malala afirma, no seu primeiro livro, que queria aprender a usar a arma do conhecimento, de modo a ser capaz de travar de forma mais efetiva a grande luta pela sua causa, consciente de que a educação é um direito básico, não só no Ocidente, mas também no islão, cujo Corão estabelece que Deus quer que tenhamos conhecimento (YOUSAFZAI et al., 2013, 200). Além disso, refere Malala: “Eles não podem deter-me. Vou estudar, nem que seja em casa, noutra escola ou em qualquer outro lugar. É esse o nosso pedido ao mundo: salvem as nossas escolas, salvem o nosso Paquistão, salvem o nosso Swat” (YOUSAFZAI et al., 2013, 108). E ela começou efetivamente a agir.

    Entre 3 de janeiro e 9 de março de 2009, Malala participou anonimamente num blogue na página em urdu da BBC, onde escreveu sobre o quotidiano no vale do Suate sob o domínio talibã e sobre o seu desejo de ir à escola. Usando o pseudónimo Gul Makai (que em pasto significa “centáurea”), Malala descreveu o facto de ser obrigada a ficar em casa e questionou os motivos dos Talibãs, demonstrando, com o seu exemplo, que as crianças e os jovens também podem contribuir para melhorar a sua própria situação, não obstante as circunstâncias extremamente perigosas, tendo-se tornado, pela sua luta heroica, uma das principais porta-vozes dos direitos das raparigas à educação (THE NOBEL PRIZE, 2014a). A sua voz ganhou expressão e tornou-se mais ouvida, sempre na companhia do seu pai, e, ao longo dos três anos seguintes, ficaram conhecidos em todo o Paquistão pela sua determinação em dar às raparigas paquistanesas acesso a uma educação gratuita e de qualidade. O seu ativismo resultou numa nomeação para o Prémio Internacional da Paz para Crianças, em 2011. Nesse mesmo ano, foi-lhe atribuído o Prémio Nacional da Juventude para a Paz do Paquistão.

     

    Tentativa de silenciamento e visibilidade global

    Apesar da sua adolescência, o ativismo social de Malala foi facilitado pela Internet e pelo acesso às redes sociais, à informação e à comunicação móvel, que, como já referido, se tornaram disponíveis no quadro do aceleramento do processo da globalização, a partir da década de 1990. Deste modo, pode-se entender a sua ação na perspetiva da globalização cultural, também chamada de “globalização social”, que corresponde à difusão de elementos culturais em escala planetária, da mesma forma que pode ser relacionada com o aumento da circulação de pessoas pelo espaço mundial e as trocas socioculturais e relações que estabelecidas nessas deslocações. Efetivamente, “De nada valem os benefícios da globalização económica se não existir a globalização social. Esse é o desafio do século XXI” (ROSALEM et al., 2010, 183).

    Porém, as suas várias participações em debates, entrevistas e eventos públicos acabaram por denunciar o seu anonimato e fizeram de Malala Yousafzai um alvo a abater pelos Talibãs, que emitiram uma ordem contra a sua vida, que ainda hoje se mantém. Malala tinha 15 anos quando ela e duas colegas de turma foram atacadas por um atirador encapuçado, que as atingiu num autocarro escolar quando regressavam da escola, no vale de Suate. Ficou gravemente ferida e foi levada de avião para o Reino Unido, para receber tratamento especializado num hospital de Birmingham, onde foi retirada de um coma induzido uma semana depois (YOUSAFZAI et al., 2013, 177). Birmingham é a cidade onde Malala e a sua família vivem atualmente.

    Dizem os Talibãs que a tentativa de assassinato de Malala não foi por promover a educação feminina, pois na altura do atentado milhares de raparigas continuavam a frequentar escolas. Tinham deixado de ser contra a educação feminina. Segundo os Talibãs, decidiram pôr termo à vida de Malala devido à sua campanha anti-islão e anti-Mujadeen nos meios de comunicação social (YUSUFZAI et al., 2013), acreditando que ela estava a levar a cabo uma “campanha de difamação” contra eles. Em todo o caso, Malala tem demonstrado ser muito mais forte do que o medo!

    Ao invés do seu silenciamento, depois do atentado Malala Yousafzai ganhou uma rápida visibilidade global, e a sua rápida recuperação médica fez com que pudesse regressar à escola, em Birmingham, em março de 2013, após semanas de tratamento e terapia, dando origem a uma manifestação global de apoio. No dia do seu 16.º aniversário, a 12 de julho de 2013, Malala pronunciou um discurso na ONU e, um pouco mais tarde, publicou o seu primeiro livro, uma autobiografia intitulada The Girl Who Stood up for Education and Was Shot by the Taliban (YOUSAFZAI et al., 2013).

     

    Os Fundos Malala

    A 11 de dezembro de 2012, na sequência da tentativa de assassinato de Malala, o Paquistão e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura criaram o Fundo Malala da UNESCO para o Direito das Raparigas à Educação. Este fundo integra a parceria global Better Life, Better Future para a educação das raparigas e das mulheres, que visa alargar o acesso das raparigas a uma educação de qualidade e sensível às questões de género e garantir ambientes de aprendizagem seguros, especialmente em países afetados por conflitos e catástrofes (UNESCO, 2024). Além disso, a 5 de abril de 2013, Malala anunciou a criação do Fundo Malala, uma organização internacional sem fins lucrativos que defende a educação das raparigas. Foi cofundada por Malala e pelo seu pai, tendo por objetivo assegurar 12 anos de educação gratuita, segura e de qualidade a todas as raparigas.

     

    Reconhecimentos e distinções

    Malala Yousafzai tem feito um percurso de coragem e entrega à causa da inclusão social e da promoção dos direitos humanos, num contexto de insegurança e ameaça à sua própria vida. Devido a esse percurso pessoal, Malala recebeu, entre 2011 e 2022, 54 distinções, incluindo a institucionalização, pela ONU, do “Dia de Malala”, um dia importante no âmbito do ativismo mundial, que foi instituído em 2013 e é celebrado anualmente no dia do seu aniversário, a 12 de julho. Alguns exemplos de distinções incluem o prestigiado Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu a 10 de outubro de 2013. No mesmo ano, Malala foi agraciada com o Prémio Internacional da Paz para Crianças e recebeu o grau de mestre honorário em Artes pela Universidade de Edimburgo. A 10 de outubro de 2014, recebeu o Prémio Nobel da Paz. Nesse mesmo ano, recebeu o título de doutor honoris causa em Direito Civil, pelas universidades de King’s College, Halifax, Nova Escócia e Canadá. Em 2015, o asteroide 316201 Malala recebeu o seu nome em gesto de homenagem. Em 2017, tornou-se a mensageira da Paz das Nações Unidas mais jovem de sempre.

    Em 2020, Malala licenciou-se em Filosofia, Política e Economia na Universidade de Oxford. Tem já publicados, pelo menos, cinco livros, com os seguintes títulos: I Am Malala (2013), Malala, the Girl Who Wanted to Go to School (2015), Malala’s Magic Pencil (2017), We Are Displaced: My Journey and Stories from Refugee Girls Around the World (2018) e Malala: For Girls Right to Education (2019). “Falo não por mim, mas por aqueles sem voz… aqueles que lutaram pelos seus direitos… O seu direito de viver em paz, o seu direito de ser tratado com dignidade, o seu direito à igualdade de oportunidade, o seu direito de ser educado” (Malala Yousafzai).

    Bibliografia

    Impressa

    PAKISTAN INSTITUTE OF LEGISLATIVE DEVELOPMENT AND TRANSPARENCY (2011). Right to Free and Compulsory Education in Pakistan: Enforcement of Article 25-A of the Constitution of Pakistan. Islamabad: PILDAT.

    YOUSAFZAI, M. & LAMB, C. (2013). Eu Sou Malala – A História da Garota Que Defendeu o Direito à Educação e Foi Baleada pelo Talibã. São Paulo: Companhia das Letras.

     

    Digital

    BUSH, G. W. (2001). “Global War on Terror”, https://www.georgewbushlibrary.gov/research/topic-guides/global-war-terror (acedido a 12.02.2024).

    COULSON, A. J. (2013, 7 nov.). “Why Malala Didn’t Go to Public School”. Cato Institute, https://www.cato.org/blog/why-malala-didnt-go-public-school (acedido a 12.02.2024).

    O’LOUGHLIN, J. et al. (2010). “The Afghanistan-Pakistan Wars, 2008-2009: Micro-Geographies, Conflict Diffusion, and Clusters of Violence”. Eurasian Geography and Economics, 51 (4), 437-471, https://www.tandfonline.com/loi/rege20 (acedido a 12.02.2024).

    PAKISTAN BUREAU OF STATISTICS (2023). “Announcement of Results of 7th Population and Housing Census-2023 ‘The Digital Census’”. Pakistan Bureau of Statistics, https://www.pbs.gov.pk/content/announcement-results-7th-population-and-housing-census-2023-digital-census (acedido a 12.02.2024).

    ROSALEM, V. & SANTOS, A. C. dos (2010). “Globalização social: Desafio do século XXI”. Revista de Administração da Universidade Federal de Santa Maria, 3 (2), 183-190, https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273420396002 (acedido a 12.02.2024).

    THE NOBEL PRIZE (2014a). “Malala Yousafzai – Biographical”. The Nobel Prize, https://www.nobelprize.org/prizes/peace/2014/yousafzai/biographical/ (acedido a 12.02.2024).

    THE NOBEL PRIZE (2014b). “The Nobel Peace Prize 2014 – Press Release”. The Nobel Prize, http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/2014/press.html (acedido a 12.02.2024).

    UNESCO (2024). “UNESCO Malala Fund for Girls’ Right to Education”. UNESCO, https://en.unesco.org/themes/education-and-gender-equality/malala-fund (acedido a 12.02.2024).

    YUSUFZAI, M. & DELLAVERSON, C. (2013, 8 out.). “Taliban: We sill Want to Kill Malala”. NBC News, https://www.nbcnews.com/news/world/taliban-we-still-want-kill-malala-flna8c11355831 (acedido a 12.02.2024).

     

    Autor: Emanuel Antero Garcia da Veiga

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