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    Declaração Universal dos Direitos Humanos [Dicionário Global]

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é o título do documento adotado a 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O documento foi aprovado por 48 membros, registando-se oito abstenções: Arábia Saudita, República Socialista Soviética da Bielorrússia, Checoslováquia, Jugoslávia, Polónia, África do Sul, República Socialista Soviética da Ucrânia e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Dois países, o Iémen e as Honduras, não participaram na votação. Os Estados do bloco soviético abstiveram-se de votar, uma vez que a maioria rejeitou as disposições propostas que proclamavam: 1) não apenas a igualdade de todos os seres humanos, como também de todos os povos; 2) a abolição da pena de morte em tempo de paz; 3) a proibição da propaganda fascista, militarista e racista, considerada anti-humana. A Arábia Saudita e a África do Sul, por outro lado, abstiveram-se, considerando a Declaração demasiado progressista.

    A DUDH foi precedida de uma série de medidas e de vários documentos adotados durante e após a Segunda Guerra Mundial. O mais importante entre estes foi a Carta do Atlântico, de 14 de agosto de 1941, na qual o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, sublinharam a importância das noções fundamentais de liberdade individual e de democracia como objetivo comum dos Aliados. Os líderes norte-americano e britânico declararam que procurariam “estabelecer a mais completa colaboração entre todas as nações no domínio económico, com o objetivo de assegurar, para todos, melhores normas laborais, progresso económico e segurança social” (n.º 5), e também estabelecer uma paz que garantisse aos povos de todas as nações a existência livre do medo e da miséria (n.º 6). O segundo documento é a Declaração das Nações Unidas de 1 de janeiro de 1942, inicialmente assinada por 26 países (mais tarde, 46). Nela, os países em guerra com as potências do Eixo exprimem a sua convicção de que “a vitória completa sobre os seus inimigos é essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa, e para preservar os direitos humanos e a justiça tanto nas suas próprias como noutras terras”. Outro documento importante que proclamou a ideia dos direitos humanos foi a Carta das Nações Unidas, adotada a 26 de junho de 1945 em São Francisco e assinada por 50 países. O seu objetivo era “conseguir a cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário e para promover e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. A Carta aborda as questões relativas aos direitos humanos em sete artigos (arts. 1.º, 13.º, 55.º, 56.º, 62.º, 68.º e 76.º), que proclamam a sua promoção, observância e respeito. O art. 68.º da Carta das Nações Unidas exigia que o Conselho Económico e Social, um órgão das Nações Unidas, criasse uma Comissão dos Direitos do Homem, que foi finalmente estabelecida em fevereiro de 1946. O trabalho da Comissão influenciou de forma significativa o conteúdo da DUDH. Entre os seus membros mais ativos incluíam-se René Cassin, político e advogado francês, galardoado com o Prémio Nobel da Paz de 1968; Charles Malik, diplomata libanês; Chang-Pen-Chun, filósofo, escritor e diplomata chinês; Eleanor Roosevelt, viúva do antigo presidente dos EUA. Eleanor Roosevelt assumiu a presidência da Comissão, René Cassin a vice-presidência e Charles Malik a função de relator. Outros membros ativos da Comissão foram Hernan Santa Cruz, do Chile, John P. Humphrey, do Canadá, Carlos Romulo, das Filipinas, e Hansa Mehra, da Índia, graças a quem a questão dos direitos das mulheres foi incluída na Declaração.

    A adoção da DUDH foi motivada pela experiência trágica das violações dos direitos humanos durante a Segunda Guerra Mundial, razão pela qual, tal como se afirma no preâmbulo, na nota 3, “considerando que é essencial, para que o homem não seja obrigado a recorrer, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de direito”. Tornou-se importante estabelecer uma compreensão clara desses direitos e liberdades, a fim de os concretizar plenamente.

    A DUDH sustenta que o reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os seres humanos é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Precedida de sete observações introdutórias, a Declaração contém um catálogo de direitos e liberdades humanos distribuídos por 30 artigos.

    A DUDH distingue três grupos de direitos e liberdades: os direitos e liberdades pessoais, os direitos e liberdades públicos e os direitos económicos, sociais e culturais. No grupo dos direitos e liberdades pessoais incluem-se o direito à vida, à liberdade e à segurança (art. 3.º), a proibição da escravatura (art. 4.º), a proibição da tortura ou de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 5.º), o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 6.º), a igualdade perante a lei e o direito a igual proteção da lei (art. 7.º), o direito à proteção judicial em caso de violação dos direitos conferidos pelo direito interno (art. 8.º), a proibição da privação arbitrária da liberdade ou da expulsão do país (art. 9.º), o direito a um processo equitativo (art. 10.º), a presunção de inocência até prova em contrário, o processo público, o direito de defesa (art. 11.º), o direito à vida privada, o respeito pela vida familiar, o sigilo da correspondência e a reputação (art. 12.º), o direito à liberdade de circulação, escolha de residência, direito de sair e regressar ao seu país (art. 13.º), o direito de requerer asilo (art. 14.º), o direito ao casamento, igual para homens e mulheres (art. 16.º), o direito à propriedade (art. 17.º) e o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (art. 18.º). Entre os direitos e liberdades públicas, a Declaração inclui o direito à nacionalidade (art. 15.º), a liberdade de opinião e de expressão (art. 19.º), a liberdade de reunião e de associação (art. 20.º), o direito de participar no governo do Estado, no acesso à função pública e em eleições democráticas (art. 21.º). No terceiro grupo, de direitos económicos, sociais e culturais, a Declaração inclui o direito ao trabalho e a salário igual para trabalho igual, o direito à proteção contra o desemprego, o direito de formar e pertencer a sindicatos (art. 23.º), o direito ao repouso e ao lazer (art. 24.º), o direito a um nível de vida decente, a cuidados médicos, à segurança social, o direito a cuidados e assistência especiais às mães e aos filhos, incluindo os nascidos fora do casamento (art. 25.º), o direito à educação gratuita, pelo menos ao nível primário (art. 26.º) e o direito de participar na cultura (art. 27.º).

    A DUDH não foi concebida pelos seus redatores como um catálogo de direitos juridicamente vinculativo. Enquanto instrumento interpretativo, destinava-se apenas a servir os Estados na condução das suas políticas internas em matéria de direitos humanos (o seu conteúdo inspirou as constituições de muitos Estados) e, enquanto documento, deu início aos esforços para a adoção de um acordo internacional juridicamente vinculativo que regesse os direitos humanos.

    Ao contrário da Carta das Nações Unidas, a Declaração não é um acordo internacional. Na altura da sua adoção, tratava-se apenas de uma norma – enquanto resolução da Assembleia Geral, não criava direito internacional nem tinha carácter vinculativo. Somente os acordos internacionais (a chamada hard law, ou direito rígido) têm força jurídica vinculativa, enquanto as declarações e resoluções (a designada soft law, ou direito suave) têm significado ético e político, mas não jurídico. Ao longo do tempo, a Declaração adquiriu o estatuto de direito internacional consuetudinário. O seu conteúdo é uma expressão dos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas e as suas disposições aplicam-se não só às relações entre Estados, mas também a todos os seres humanos.

    A Declaração da ONU, que completou 75 anos em dezembro de 2023, ganhou o estatuto de documento histórico com enorme impacto no debate social, no estabelecimento de normas de direito internacional e na legislação de cada país. O período pós-Segunda Guerra Mundial, especialmente após a adoção da DUDH, trouxe uma série de convenções alargadas, declarações de direitos e documentos das Nações Unidas e de outras agências globais e regionais. Em 1966, a Declaração das Nações Unidas foi complementada por duas convenções: o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Outras convenções importantes são a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e uma série de instrumentos regionais, tais como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1986). Assim, a afirmação de Eleanor Roosevelt de que a Declaração se tornaria a nova Magna Carta da humanidade provou a sua veracidade. Posição semelhante foi assumida por René Cassin, que afirmou, na sua palestra de receção do Prémio Nobel de 1968, que a DUDH foi “o primeiro documento de tipo ético que a Humanidade organizada adotou, e precisamente numa altura em que o poder do homem sobre a natureza aumentou consideravelmente devido às descobertas científicas”. Chang-Pen-Chun, por outro lado, no seu discurso de outubro de 1950, sublinhou a legitimidade transcultural dos direitos humanos. A DUDH assume-se como documento intercultural em três sentidos. Em primeiro lugar, foi redigida por autores de diferentes países e continentes. Em segundo, contém princípios que sublinham a importância da cultura para a identidade própria e o bem-estar das pessoas, bem como a compreensão e a tolerância que transcendem as fronteiras étnicas, raciais e religiosas. A DUDH contém um artigo abrangente sobre a liberdade religiosa (art. 18.º), que sublinha o direito de se praticar a religião individual e coletivamente, tanto em privado como na esfera pública. Em terceiro e último lugar, o documento é intercultural, na medida em que pode ser considerado o resultado de um diálogo intercultural. Embora os seus autores fossem provenientes de tradições éticas e culturais muito diferentes, acreditavam que os direitos humanos seriam defensáveis a partir de várias e não apenas de uma ou duas perspetivas filosóficas.

    A DUDH é um manifesto internacional que resultou de um compromisso entre representantes de dezenas de Estados, mas o voto decisivo pertenceu às potências vencedoras. Foi, portanto, uma decisão política e um ato moral subscrito pela aliança que venceu a Segunda Guerra Mundial. Compreender o que a Declaração Universal afirma é fundamental. O que não afirma é tão surpreendente como o que realmente profere. Não se trata de um tratado internacional, mas sim de um manifesto moral e educativo que reitera a necessidade de limitar a soberania do Estado-nação. A palavra “Estado” é usada apenas quatro vezes no documento. Em vez disso, o documento centra-se nos direitos inerentes partilhados pela comunidade internacional e reconhecidos por todas as pessoas da sociedade civil.

    Atualmente, a DUDH é um dos documentos mais traduzidos do mundo e está disponível em mais de 500 línguas. Pode ser comparada ao documento mais traduzido, o Novo Testamento, que recebeu mais de 1300 traduções.

    Bibliografia

    DONNELY, J. (1989). Universal Human Rights in Theory and Practice. London: Ithaca.

    GLENDON, M. A. (2001). A World Made New. Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration of Human Rights. New York: Random House.

    OSIATYŃSKI, W. (2011). Prawa Człowieka i ich Granice. Kraków: Znak.

    ROTH, H. I. (2018). P. C. Chang and the Universal Declaration of Human Rights. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.

    WINTER, J. & PROST, A. (2013). René Cassin and Human Rights: From the Great War to the Universal Declaration. Cambridge: Cambridge University Press.

    Autor: Mirosław Sadowski

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