Educação Livre [Dicionário Global]
Educação Livre [Dicionário Global]
Educação Livre é o conceito relacionado com o direito de a família educar os seus filhos de acordo com os seus valores, sem que esta seja impedida pelo seu Estado. Esta possibilidade de escolha livre está relacionada com a proteção do direito a uma educação com o acesso à pluralidade de religiões, ideologias, visões políticas e estilos de vida.
Esta definição enquadra-se num conceito mais alargado de associação da liberdade com a possibilidade de escolha entre opções responsáveis e informadas.
Para o exercício da liberdade na educação é fundamental a implementação e desenvolvimento da diversidade de opções. Considerando a pluralidade de escolhas educativas que se vão encontrando em todo o espaço global, pode enumerar-se: o ensino público ou privado, as Charter Schools, as Comunidades de Aprendizagem, a Educação em Família (descrito em algumas legislações como Ensino Doméstico, Ensino Domiciliar ou Homeschooling – adotamos aqui o remo genérico “Educação em Família”, pelo facto de, a nível internacional, estar a ser o termo adotado para descrever a opção que corresponde à prática e gestão da Educação partindo da Comunidade Familiar, incluindo as diversas estruturas de apoio) e o ensino à distância e entre estas as diversas abordagens pedagógicas. O conceito de liberdade está ainda diretamente relacionado com a garantia de direitos de segurança e desenvolvimento, sem os quais a liberdade não poderá ser efetivamente exercida.
Qualquer Estado de Direito tem na sua génese a garantia fundamental de proteção da liberdade, o que implica que possíveis limitações conferidas ao indivíduo devam ser acauteladas através das ferramentas democráticas de votação de leis, que o protejam de possíveis tiranias ou abusos. Isto significa que os direitos humanos devem ser considerados pelas autoridades políticas e jurídicas desses Estados (cf. MOREIRA, manuscrito não publicado). Fica assim enquadrado, de forma clara, a relação entre o estado democrático e as suas responsabilidades, na proteção do indivíduo nas suas liberdades fundamentais, sendo estas balizadas pelos acordos e convenções que têm vindo a ser resultado de experiências, necessidades e visões para as assegurar. De acordo com muito autores, o conceito de educação estará intimamente relacionado com o conceito de liberdade, na medida que a educação apenas se desenvolve com o acesso à democracia, no entendimento de possíveis escolhas.
O conceito de educação abrange todo o processo de desenvolvimento do ser humano, desde o ponto de vista intelectual ao físico e moral, de forma a uma adequada integração na sociedade. Nela estão consideradas a apreensão de conhecimentos, de valores éticos, comportamentos e formas de conduta adequadas a uma boa estruturação do indivíduo, e incluem quer a integração de tradições e cultura locais, quer o desenvolvimento do carácter, capacidade de autonomia e sentido crítico acerca do meio envolvente.
Assim decorre a estreita relação entre o conceito de educação e o de liberdade: sem liberdade o acesso a meios de educação fica limitado e restringido e uma educação completa pressupõe liberdade para o acesso ao conhecimento e à experimentação de competências. O simples acesso a competências como a alfabetização ou o mínimo de literacia pode ser condicionado sem o exercício pleno de meios de alcance do conhecimento. Do mesmo modo, a transmissão de valores, tradições e culturas locais e familiares, depende de vivências de liberdade que permitam o exercício de práticas correspondentes ao que se deseja transmitir como exemplo e comportamento adequado a determinado contexto sociocultural. Existem também necessidades específicas de educação relacionadas com a especificidade do indivíduo, como sendo os seus talentos, competências e até dificuldades, que requerem o entendimento e o acesso a recursos específicos que deem resposta a essa necessidade, de forma livre e justa (cf. MOREIRA, manuscrito não publicado).
A liberdade está diretamente associada à responsabilização e à autonomia (GLENN & GROOF, 2012). Sem estes três valores correlacionados o exercício da liberdade pode ser posto em causa. Na área da educação, as diversas opções que poderão ser previstas nas legislações específicas de cada país dependem do entendimento desta trilogia: o exercício da educação é conferido pela responsabilidade de alguém educar, de serem facilitados recursos acessíveis para o acesso ao conhecimento; sem autonomia do aprendiz e dos respetivos implicados na educação, não são facilitadas as competências para um desenvolvimento adequado e a liberdade é o fator que permite que, com responsabilidade e autonomia, o desenvolvimento do indivíduo e, consequentemente da comunidade, seja pleno.
No entanto, segundo Charles L. Glenn e Jan De Groof, “os decisores políticos nem sempre prestam atenção suficiente às tensões entre elas” (Liberdade, Responsabilização e autonomia) (GLENN & GROOF, 2012), o que pode estar na origem das disparidades legislativas que por vezes condicionam quer o acesso a recursos e metodologias educativas, quer à possibilidade de diversidade de escolha não condicionada.
Educação Livre pode ainda ser associada ao conceito de livre educação, no sentido de Self Learning, quando a criança ou jovem é o centro da orientação das aprendizagens e desenvolve a sua educação num ambiente seguro e amoroso, no qual estas resultam da motivação, curiosidade e exploração, apoiado pela comunidade no qual está integrado. Este conceito foi largamente desenvolvido por investigadores e autores como Peter Gray, John Holt ou Pan Laricchia. Ele está diretamente relacionado com a liberdade para desenvolver brincadeiras, jogos e a interação com a natureza, que servem simultaneamente de estímulo e experiências para as aprendizagens. Neste entendimento do conceito de Educação em Liberdade inclua-se o conceito de Unschooling. Por Unschooling entenda-se o princípio de que o ser humano, por ter uma curiosidade inata decorrente dos seus estímulos para a sobrevivência, está apto a aprender apenas pelas experiências do dia-a-dia, aproveitando acontecimentos e investigação para o cultivo do seu conhecimento e da sua educação, sem necessidade de momentos de aprendizagem conduzida por terceiros. A prática do Unschooling pressupõem a integração numa sociedade que permita o acesso aos estímulos que decorrem de uma vida quotidiana em contacto com a natureza e uma comunidade íntegra.
Às crianças e jovens também é reconhecido e protegido um certo grau de liberdade na educação, correspondentes ao seu grau de desenvolvimento, maturidade e responsabilidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), no seu art. 26.º, n.º 1, 2 e 3, consagra os plenos direitos à educação, reconhecendo a importância do direito ao acesso, à gratuidade, à liberdade, bem como ao direito parental de opção pela educação dos seus filhos. Consideramos que num estado de direito não cabe a publicação de normas legais que contradigam os reconhecidos direitos universais, nomeadamente:
- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.
O Protocolo 1, adicional à convenção Europeia dos Direitos do Homem – Protocolo adicional à Convenção de proteção dos direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no seu art. 2.º, referente ao direito à instrução, menciona “A ninguém pode ser negado o direito à instrução. O Estado, no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas”.
O mesmo é reconhecido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, designadamente no art. 14.º, Direito à Educação:
- Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua.
- Este direito inclui a possibilidade de frequentar gratuitamente o ensino obrigatório.
- São respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o respetivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas.
A Convenção da UNESCO contra a Discriminação na Educação (CADE), adotada em 1962, o mais antigo documento internacional vinculativo que reconhece o direito à educação (OIDELÇ, 2023) refere, no seu art. 5.º:
- Os Estados Partes desta Convenção acordam que:
- a) A educação deverá ser orientada para o completo desenvolvimento da personalidade humana e para reforçar o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e que deverá fomentar a compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos e promoverá as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
- b) Deverá respeitar a liberdade dos pais ou, se for o caso, dos tutores legais de, 1.º, escolher para os seus filhos estabelecimentos de ensino que não sejam os que são mantidos pelo poder público, mas respeitando as normas mínimas fixadas ou aprovadas pelas autoridades competentes e, 2.º, assegurar aos seus filhos, segundo as modalidades de aplicação que determina a legislação de cada Estado, a educação religiosa e moral conforme as suas próprias convicções e que nenhuma pessoa ou grupo de pessoas deverá ser obrigado a receber instrução religiosa incompatível com as suas convicções.
O art. 13.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais também considera que “Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz”.
Além disso, “O CADE reivindicou a liberdade de educação como uma liberdade não apenas relevante e a ser exercida pelos pais, mas também pelas minorias. Isto não foi assumido explicitamente pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). A importância da liberdade de educação para a realização dos direitos dos coletivos foi reconhecida anos depois também na OIT C169 – Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais (n.º 169) adotada em 1989, que aponta que ‘os governos devem reconhecer o direito destes povos indígenas a estabelecerem suas próprias instituições e instalações educacionais’ (art. 27.º)” (OIDEL & FUNCIVA, 2024).
O “Index para a Liberdade de Educação” é um estudo desenvolvido pela Organization Internationale por le Droit à la Education et a la Liberté (OIDEL), em ciclos bianuais (interrompido apenas pelos anos de pandemia, 2020-2021), o qual analisa a situação do “Pluralismo de Educação” em 157 países, o que representa 98% da população mundial.
A OIDEL é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, com estatuto consultivo junto das Nações Unidas, da UNESCO e do Conselho Europeu. É legalmente reconhecida como uma associação de interesse público pela lei Suíça. O objetivo principal da OIDEL é a promoção do direito à educação como um direito humano fundamental. Tal direito não pode existir sem a presença de benefícios estatais e a proteção das liberdades individuais. A ação do OIDEL baseia-se principalmente no artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 13.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (OIDEL & FUNCIVA, 2024).
A OIDEL foi criada em 1985, por 40 personalidades políticas, especialistas em educação e pais. Tem estatuto consultivo junto das Nações Unidas, da UNESCO e do Conselho Europeu, e colabora com a União Europeia e organizações não governamentais internacionais.
De acordo com o Index de 2023, “A liberdade de educação é reconhecida nos principais mecanismos universais de direitos humanos. A nível nacional, podemos afirmar que ainda é altamente reconhecida, pois quase todos os países reconhecem esta liberdade nas suas leis. Existem apenas seis exceções notáveis, entre elas Cuba, Eritreia ou Coreia do Norte. O maior retrocesso notável desde o último relatório neste indicador é o Afeganistão, à medida que a situação jurídica geral dos direitos humanos se degenerou, especialmente para as raparigas. Existem 101 países que, sob diferentes formas e terminologias, reconhecem a liberdade de educação nas suas constituições. Quer através do reconhecimento explícito da liberdade de educação, quer através do reconhecimento explícito do direito de escolha dos pais, quer através do reconhecimento da existência de escolas privadas. Há países que, embora a Constituição não reconheça explicitamente esta liberdade, o seu Tribunal Constitucional reconheceu que a liberdade de educação tem valor constitucional, como a França ou os EUA. Certos países, como os Países Baixos ou a Eslovénia, reconhecem na sua constituição a importância do financiamento público para conceder esta liberdade. Um mau exemplo notável e surpreendente é o da Macedónia do Norte, país cuja constituição não permite a criação de escolas não governamentais no ensino primário. Em termos de reconhecimento jurídico, se tivermos em conta os países que avaliámos nas edições anteriores, verifica-se uma tendência positiva moderada a nível mundial desde 2002. Regionalmente, as regiões onde podemos observar uma tendência positiva mais consistente são o Leste e o Sudeste. Ásia e África Subsaariana” (OIDEL & FUNCIVA, 2024).
De acordo com o mesmo relatório, as regiões que garantem mais apoio público às escolas não governamentais são a Europa e a América do Norte e a Oceânia, enquanto as que têm mais dificuldades para o fazer são a África Subsariana e o Norte de África. Ao observar-se que as regiões que concedem mais financiamento público às ONG’s estão entre as mais ricas e as que concedem menos apoio estão entre as mais pobres, a OIDELs afirma que o apoio às escolas não governamental pode estar dependente do PIB e da força das economias nacionais: “Globalmente, podemos observar que o meio global de apoio ao NGS desde 2002 e desde 2016 tem crescido. Estas tendências positivas são consistentes em regiões como a Europa, a América do Norte e a África Subsariana. A única região com uma tendência negativa consistente é a Região Centro e Sudeste” (OIDEL & FUNCIVA, 2024).
Este mesmo relatório reconhece o crescente interesse global das famílias pela opção da Educação em Família desde 2016, como sendo a opção que expressa a possibilidade de prática da Educação em correspondência não só com os valores da família, mas também com a organização das aprendizagens. Considera-se nesta opção que a dinâmica de educação é exercida com a presença e relação direta entre os familiares, a comunidade próxima à residência da família ou próxima aos locais por onde a família se desloca, numa organização pedagógica e logística que contempla a prioridade do estilo de vida da comunidade familiar. Nesta opção, consideramos o fenómeno da globalização no que diz respeito ao crescente número de cidadãos em mobilização pelo mundo, ou com a possibilidade de trabalho à distância, o que, muitas vezes, precisa de ser acompanhado com uma liberdade de escolha de opções que viabilizem o acesso das famílias a novas formas de organização social, profissional e económica.
O Global Home Education Exchange (GHEX) é uma organização internacional que tem como missão promover, conectar e equipar a comunidade global de Educação em Família. O GHEX está envolvido nas questões importantes que se relacionam com a Educação em Família e tem notado como esta opção educativa inovadora e de rápido crescimento não é apenas uma resposta razoável às dificuldades generalizadas nos métodos tradicionais de escolaridade, mas sim um direito que deve ser garantido: “A Educação em Família destaca os fatores mais cruciais na discussão sobre liberdade de educação. Quem é o responsável pela educação? Qual o papel dos pais na educação dos filhos? Até que ponto o Estado é responsável pela educação das crianças?” (GHEX.world). Esta organização desenvolve ações nas áreas da defesa, investigação e desenvolvimento de conferências em todo o mundo, como formas de agir em conformidade para a garantia de liberdade de escolha das famílias pelo seu direito a educar partindo dos seus valores.
“Liberdade e Educação são direitos inalienáveis e mutuamente dependentes”, refere o Fórum Europeu para a Liberdade na Educação (EFFE), que considera que a sociedade deve ser implicada na educação como um todo. Alerta ainda para a importância de se garantir o acesso à educação de forma equitativa e independentemente de idade, género ou origem social ou étnica. Esta organização sediada na Alemanha e que relaciona vários agentes promotores de mudança na educação em toda a Europa, age ainda de forma a sensibilizar e promover a diversidade na educação e a importância da liberdade no sentido de se desenvolverem cidadãos criativos, responsáveis e autónomos, que, assim, garantam a tolerância numa sociedade democrática.
A EFFE é uma ONG formada em 1989 e que tem 69 membros em 13 países europeus. Uma das suas principais intenções é defender a necessidade de autonomia para estudantes e professores. Também estabelece a importância da diversidade e da possibilidade de os pais escolherem a escola que melhor se adeque aos seus pontos de vista.
Em Portugal, o Movimento Educação Livre (MEL), fundado em 2011, tem por missão “Promover, desenvolver e fortalecer novas possibilidades e paradigmas de educação, de modo a fomentar a Educação Livre em Portugal. Garantir aos pais os direitos fundamentais de educar os seus filhos de modo livre em Portugal. Garantir aos pais os direitos fundamentais de educar os seus filhos de modo livre e sustentado em políticas nacionais de proteção. Dar apoio às famílias, salvaguardando os seus direitos e mobilizando a sociedade mediante atividades sociais, culturais, científicas, pedagógicas, literárias e outras”.
A MEL é uma associação sem fins lucrativos, dedicada a promover e desenvolver novas possibilidades e paradigmas de educação. Como pode ser clarificado no seu site: “defendemos a liberdade das famílias para escolherem opções de educação/ ensino de forma informada e consciente tal como o Ensino Doméstico e o Ensino Individual. A MEL defende que a Liberdade em Educação é muito mais que escolarização, ou modelo escolar. A Liberdade na Educação consiste em considerar o papel das crianças e jovens como elementos que podem e devem ter um papel ativo e participativo no seu percurso de aprendizagem e desenvolvimento”.
Estes entendimentos, por sua vez, são sustentados pela Constituição da República Portuguesa (CRP, 7.ª Revisão, 2005), designadamente, pelos artigos: 36º – “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”; e 43º – 1) “É garantida a liberdade de aprender e ensinar” e 2) “O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.
Ainda, consideramos estarem em causa os princípios gerais definidos pelo art. 2.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, lei 49/2005 de 30 de agosto, nomeadamente:
- Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República;
- É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares;
- No acesso à educação e na sua prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis, tendo em conta, designadamente, os seguintes princípios: a) O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas;
- O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho.
- A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva (MEL, manuscrito não publicado).
No Brasil, o movimento de defesa do direito à Liberdade da Família para a opção de Educação em Família tem ganho particular expressão nos últimos anos, nomeadamente graças à fundação da Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED), em 2010. “A principal causa defendida pela ANED, é a autonomia educacional da família. Não nos posicionamos contra a escola, mas entendemos que, assim como os pais têm o dever de educar, têm também o direito de fazer a opção pela modalidade de educação dos filhos. Defendemos, portanto, a liberdade e a prioridade da família na escolha do gênero de instrução a ser ministrado aos seus filhos. Isso com base na Declaração Universal de Direitos Humanos, artigo 26, e no Código Civil brasileiro, artigo 1.634” (ANED).
O Ensino Domiciliar no Brasil é um movimento crescente. Mesmo não existindo ainda uma regulamentação que proteja as famílias sobre esta opção, garantindo a sua liberdade de escolha, verifica-se um crescimento de cerca de 50% ao ano no crescimento do número de famílias (dados facultados pela ANED). O movimento tem contribuído não só para a afirmação do direito à escolha, como tem sido um movimento de desenvolvimento do empreendedorismo em matéria de Educação no Brasil, como são exemplo iniciativas com a ExpoHomeschooling, que reúne centenas de empreendedores que contribuem para o desenvolvimento da Educação.
A Aliance Freedom Education (AFE), a Home School Lawyer Defense Association (HSLDA) e a European Education Law and Policy Association são outras três organizações de referência na defesa do Direito à Liberdade na Educação.
O Conceito de Educação em Liberdade, do ponto de vista pedagógico, tem sido desenvolvido desde sempre, no entanto, poderemos considerar que, do ponto de vista académico, com base em observações científicas, começou a surgir com John Holt, nos anos 60, com as primeiras abordagens a conceitos de autoaprendizagem considerando as capacidades e aptidões naturais do ser humano. John Holt pode ser considerado um pioneiro, tendo começado como professor e prosseguindo como consultor para as escolas dos EUA. Foi autor de várias publicações, entre as quais How Children Learn, em 1964, ou Teach your Own, em 2003.
Outra referência incontornável é o autor Peter Gray, psicólogo e investigador, que tem dedicado trabalho ao estudo e desenvolvimento da importância da liberdade para brincar de forma autónoma, nos processos de aprendizagem. O seu livro Free to Learn (2015) é uma referência nesta matéria.
Gabor Maté, em Hold on to Your Kids, de 2004 releva de forma clara a importância da influência dos valores, identidade e padrões de comportamento da família no desenvolvimento da criança ou jovem.
O autor, padre, teólogo, filósofo e crítico social Ivan Illich, apresenta uma reflexão que pode comprometer a perceção de liberdade que vivemos na era atual, no seu livro Deschooling Society, de 1970, também este pioneiro e de um enorme valor para uma reflexão atual sobre os direitos na Educação.
O Professor Bryan Ray, fundador do National Home Education Research Institute, e autor de inúmeros estudos acerca da prestação nas comunidades de Educação em Família nos Estados Unidos, mostrou como esta prática corresponde a um exercício de liberdade na educação com resultados de sucesso alcançados.
Em Portugal, Carlos Neto, professor, investigador e autor, tem desenvolvido um trabalho notável na área do reconhecimento da importância e necessidade de se associar às etapas de desenvolvimento mais tempos de brincadeira livre. No seu trabalho de investigação e nas suas intervenções defende que à criança deveria ser dada mais liberdade para brincar, sem tempos de brincadeira conduzida. O seu livro, Libertem as Crianças, de 2020, é praticamente um manifesto de referência para a necessidade de devolvermos às crianças espaço e tempo para brincarem livremente na natureza.
O Professor Adelino Calado, diretor do Agrupamento de Escolas de Carcavelos durante cerca de quinze anos, autor do livro Era uma vez…2003 a 2019, exerceu de pleno direito a liberdade de opções prevista na legislação portuguesa no que diz respeito à gestão da escola, métodos de avaliação e organização pedagógica, tendo sido inspiração para o entendimento da chamada Flexibilização Escolar, ou para o entendimento do exercício do direito em escola pública de acordo com a regulamentação portuguesa.
Muitos são hoje os autores que têm desenvolvido estudos e publicações em torno do conceito de Educação em Liberdade, desde uma abordagem mais legislativa a uma mais sociológica e pedagógica. Referimos ainda Mike Donnelly, Peter Stock, Jan de Groof, Gerald Hubener, Debra Bell, José Pacheco, Pam Laricchia, Andre Stern, John Taylor Gatto, Roland Meighan, Ross Montney, Jan Fortune-wood, Ken Robison, Alison Sauer, Bryan Ray, entre muitos outros, como atores interventivos na defesa da Liberdade na Educação na sociedade pós-moderna.
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Autora: Sílvia Cópio