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  • Liga Portuguesa dos Direitos do Homem [Dicionário Global]

    Liga Portuguesa dos Direitos do Homem [Dicionário Global]

    Existiram, em Portugal, três organizações com a designação de Liga dos Direitos do Homem. A primeira foi fundada a 14 de junho de 1907, por iniciativa do republicano e maçon Fernão Botto Machado. A segunda, denominada Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem, dinamizada pelo médico republicano Macedo de Bragança, foi criada a 5 de outubro de 1911, com estatutos aprovados na assembleia geral de 15 de novembro do mesmo ano (cf. ARQUIVO DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [1912]). A comissão organizadora integrava ainda Carlos Gonçalves, Alfredo Nascimento Carvalho dos Santos e Júlio Martins Pires (cf. BAPTISTA, 1991). Publicou o periódico Justiça, com seis números saídos em 1912. Sediada na R. Nova do Almada n.º 81, 2.º, tinha duas comissões: o núcleo de propaganda, dirigido por Magalhães Lima, e uma outra dedicada a estudos. O número de sócios passou de 69, em setembro de 1912, para 477, em dezembro de 1913. Em 1912, a Liga dirigiu uma representação ao Parlamento, a favor da liberdade individual e do projeto de habeas corpus. Dois anos mais tarde, desenvolveu uma campanha de apoio ao português Alberto de Oliveira Coelho, condenado à morte por homicídio em Inglaterra, que o Rei Jorge V comutou para prisão perpétua (cf. MADUREIRA, 1930, 42-82).

    A 3 de abril de 1921, no salão do Ateneu Comercial de Lisboa, decorreu uma sessão presidida por Teófilo Braga para apresentação de uma Liga Portuguesa dos Direitos do Homem (cf. “Liga Portuguesa dos Direitos do Homem”, 1921, 8; “Um passo em frente?…”, 1921, 1) que parece ter sido a ressurreição da anterior. Inspirava-se na Liga dos Direitos do Homem e do Cidadão, fundada em Paris, a 4 de junho de 1898, para defender todos quantos fossem ameaçados na sua liberdade. Sebastião de Magalhães assumiu o cargo de presidente, secundado por Luz de Almeida como vice-presidente

    Os estatutos foram aprovados a 21 de abril de 1922 e entregues no Governo Civil de Lisboa. A Liga procurava reunir cidadãos portugueses, republicanos e socialistas, com o objetivo de pugnar pelos princípios de liberdade e de justiça enunciados nas Declarações dos Direitos do Homem proclamadas em 1789 e 1793. Podiam filiar-se na associação os indivíduos de ambos os sexos, com mais de 18 anos, com profissão definida e bom comportamento moral e civil. Propunha-se combater o abuso da autoridade, a ilegalidade, o arbítrio, a intolerância, o facciosismo e atentados à humanidade, assente no pressuposto da correspondência entre direitos e deveres. Poderia intervir na vida política e administrativa do Estado, quando o Diretório o entendesse, nunca como participante do poder executivo, mas atuando junto dos poderes do Estado, através de representações, publicações, comícios e conferências. Comprometia-se a não se ingerir nos litígios particulares ou de política estritamente partidária. Os seus estatutos previam ainda a existência de um Conselho Jurídico, de uma Comissão de Estudos Sociais e Económicos e de uma Comissão de Propaganda. A sede ficou provisoriamente instalada na R. do Mundo, n.º 92, 2.º.

    A Liga tomou repetidamente posição contra a repressão sobre o movimento operário e sindical. Em junho de 1925, publicou um apelo ao povo criticando veemente as deportações. Em setembro, protestou junto do chefe de governo contra as prisões sem culpa formada, através de um documento redigido por Arnaldo Brazão (cf. “Liga dos Direitos do Homem”, 1925a, 2). Nesse mesmo ano, Magalhães Lima foi substituído no Diretório  por Luz de Almeida, mas assumiu a presidência da Assembleia Geral, com Alexandre Ferreira na vice-presidência.

    A Liga estabeleceu relações com a Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem, fundada em Paris, em 1922, por uma dezena de ligas nacionais. Em outubro de 1925, publicou uma nota sobre os presos sem culpa formada detidos nas esquadras de Lisboa, com uma lista pormenorizada na qual figuravam a identificação pessoal, a data da prisão e o local onde se encontravam. A associação ocupou-se igualmente de temas como a prostituição e a situação nos hospitais civis, censurou as touradas e os combates de boxe (cf. “Liga dos Direitos do Homem”, 1925b, 2).

    A carência de fontes não nos permite reconstituir a ação da Liga depois do 28 de Maio de 1926. A falta de uma sede permanente obrigava à realização de eleições na Universidade Livre e no Centro Escolar Republicano Almirante Reis, bem como aos almoços e jantares de trabalho no Grémio Alentejano/Casa do Alentejo. A documentação era guardada pelo secretário-geral.  O presidente, Artur Duarte da Luz de Almeida, foi preso em fevereiro de 1927, na sequência das revoltas contra a Ditadura Militar. Detido na Penitenciária de Lisboa, foi deportado para a Madeira e depois para a ilha de São Jorge, nos Açores, onde regressou em novembro de 1929. A morte de Magalhães Lima, a 7 de dezembro de 1928, desferiu um golpe funesto na associação.

    António Sérgio, exilado em França depois do 28 de Maio de 1926, estabeleceu em Paris contactos com a Federação das Ligas dos Direitos dos Homens, procurando dar visibilidade externa à violação dos direitos humanos em Portugal por parte da Ditadura. O representante da Liga Portuguesa em Paris era António Lobo de Almada Negreiros, pai de José de Almada Negreiros. Acusando a Liga portuguesa de inépcia e de falta de firmeza perante a Ditadura, Sérgio avançou para a fundação, na capital francesa, de uma nova liga portuguesa, com a mesma designação da fundada em 1921; contava com o apoio da Federação das Ligas e acabou por propor a fusão das duas Ligas. Embora persista na utilização, até 1932, do papel timbrado da organização sediada em Paris, a estrutura criada na capital francesa acabou por desaparecer.

    Em 1929, a Liga lisboeta revitalizou-se, funcionando provisoriamente na sede da Associação do Registo Civil, Lg. do Intendente, n.º 45, 1.º. O Diretório passou a ser presidido pelo velho republicano e editor Francisco José Gomes de Carvalho. A Comissão Pacifista integrava Francisco Gomes de Carvalho, Agostinho Fortes, Eloy do Amaral, Fernando Brederode, Alexandre Ferreira e Arnaldo de Faria Ataíde e Melo. A Comissão de Propaganda era constituída por F. de Noronha, Rodrigues Laranjeira e Virgílio Marques, e o Conselho Fiscal por António Pedroso Pimenta, Joaquim Maria Lopes Domingues e José Maria de Morais Cabral.

    Em 1929, a Liga homenageou Magalhães Lima, no primeiro aniversário da sua morte, com a emissão de duas vinhetas com o retrato do falecido político e um opúsculo com depoimentos, revertendo o produto da venda em benefício das famílias pobres das freguesias do Sacramento e da Encarnação. Estava prevista uma sessão solene evocativa, no dia 8, proibida pelo governador civil.

    A 15 de janeiro de 1930, a Liga promoveu uma assembleia geral para reformar os estatutos (cf. O Povo, 1930, 1) e pretendeu divulgar um manifesto ao país solicitando autorização do ministro do Interior, a qual foi negada. Apesar deste revés, a Liga prosseguiu a atividade. Em maio de 1930, registava a entrada de novos sócios, entre os quais Adelino da Palma Carlos, Ladislau Batalha, Alfredo Guisado, Germano Martins, Alfredo Cândido e Elina Guimarães. Promoveu ainda um espetáculo comemorativo da paz universal, a 18 de maio, no Teatro Ginásio.

    Na reunião do Diretório da Liga, a 15 de agosto de 1930, o Conselho Jurídico foi encarregado de elaborar um projeto de lei que considerasse homicídios voluntários os atropelamentos por automóveis de que resultasse morte e proibisse a venda e circulação de automóveis, camiões e camionetas em mau estado, sujeitando-os a sucessivas vistorias. Decidiu igualmente apoiar o movimento em favor de Joaquim Pita Soares, condenado à morte nos Estados Unidos da América do Norte pelo homicídio da mulher, no sentido de obter do Governo americano a comutação da pena, que acabaria por ser convertida em prisão perpétua pelo governador do estado de Massachusetts.

    As referências à atividade da Liga diminuíram. Acompanhou a Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem no protesto contra as execuções na Rússia. Em fevereiro de 1932, apresentou uma reclamação sobre a situação física e moral dos presos na Cadeia de Monsanto e apoiou o Sindicato dos Empregados do Comércio e Indústria de Lisboa, nos intentos de proibir o uso de carroças de mão.

    A Liga Francesa dos Direitos do Homem realizou um congresso em Dijon, de 19 a 21 de julho de 1936, que aprovaria um complemento à Declaração dos Direitos do Homem (LIGUE DES DROITS DE L’HOMME, 1936), cujo texto foi publicado pela Liga Portuguesa, em data desconhecida (ARQUIVO DO GRÉMIO LUSITANO, s.d.). Mas a consolidação do Estado Novo pesou no decréscimo das atividades da Liga e no seu definhamento. Durante vários anos não existem referências a seu respeito, e esse facto não se deveu apenas à ação da Censura.

    A Liga virá a ser reorganizada em 1941. Em 1945, tinha Carlos Lemos como presidente e José de Macedo como vice-presidente. Procurou formar núcleos distritais e estudantis e organizar congressos ordinários anuais, porém, sem concretização. Não ficou alheada da situação política nacional, apoiando o Movimento de Unidade Democrática (MUD), pese embora a neutralidade política, em defesa estrita da dignidade humana. O mesmo sucedeu em 1949, por ocasião das eleições presidenciais e da candidatura de Norton de Matos. Nessa época, o Diretório era presidido por António Carlos Cardoso de Lemos, um dos fundadores da Liga. Foi distribuído um folheto em português, editado pelas Nações Unidas, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    As movimentações políticas a partir de 1945 contribuíram para o crescimento da Liga, que, sublinhe-se, era legal, embora não possuísse sede própria. Em junho de 1952, a Liga publicou uma brochura com o texto oficial da Declaração Universal dos Direitos do Homem e a ata da assembleia celebrada em Paris, a 31 de outubro de 1948, para reorganização da Federação Internacional das Ligas, à qual a portuguesa aderiu (LIGA PORTUGUESA DOS DIREITO DO HOMEM, 1952a). Ao mesmo tempo, foi impressa uma nova edição dos estatutos da Liga (LIGA PORTUGUESA DOS DIREITOS DO HOMEM, 1952b), que incluía os estatutos, em francês, adotados em 1948 pela Federação Internacional dos Direitos do Homem.

    Em janeiro de 1953, foram eleitos os corpos gerentes para o triénio 1953-1955, um momento raro, por dar-nos a conhecer a totalidade dos membros da organização, além dos integrantes de comissões e órgãos, nos quais ainda permaneciam elementos fundadores. Embora com uma maioria de democratas da corrente moderada, republicanos e socialistas, os corpos diretivos integravam figuras próximas do regime, como Augusto de Castro e Luís Lupi.

    Entre 1954 e 1956, as informações sobre a Liga são escassas, com as reuniões dos corpos gerentes e das comissões a terem lugar na sede da Escola Oficina n.º 1, na Graça. Nota-se uma revitalização da Liga em 1958, no rescaldo da campanha eleitoral do general Humberto Delgado. A associação assumia-se como secção da Fédération Internationale des Droits de l’Homme, organização não governamental do Conselho Económico e Social das Nações Unidas – Estatuto Consultivo B. O Diretório da Liga programou as comemorações do 10.º aniversário da Declaração com um programa de conferências, não concretizadas, à semelhança aliás do jantar, na Casa do Alentejo, a 9 de dezembro, proibido pelas autoridades. A sede administrativa da Liga funcionava na residência do secretário-geral, e as reuniões decorriam no escritório de Nuno Rodrigues dos Santos. O Diretório era constituído por Barbosa de Magalhães, Manuel Barbosa Sueiro, Virgílio Marques, Adão e Silva, António Sérgio, Abílio Mendes, Cruz Ferreira e Nuno Rodrigues dos Santos. Em dezembro de 1958, foi publicado um boletim-circular, com quatro páginas, que publicava um apelo da Federação Internacional dos Direitos do Homem e as resoluções adotadas pelo Congresso Internacional de Bruxelas de 16 de outubro de 1958.

    O ano de 1960 caracterizou-se por alguma turbulência na Liga, mas também pelo seu reforço. A Assembleia Geral, prevista para 18 de janeiro, não chegou a realizar-se, sendo nomeada uma comissão provisória, presidida por Dias Amado, com Virgílio Marques e Carlos Pereira, para organizar as eleições pelo correio, opção muito contestada. A 14 de abril, decorreu uma assembleia, interrompida pela PIDE, que identificou os presentes. Na assembleia de 27 de maio, com 56 votantes, foram eleitos os corpos gerentes, com José de Magalhães Godinho a presidir ao Diretório. Saiu mais um boletim-circular, em janeiro-junho de 1960. A Liga participou no Congresso da Federação Internacional dos Direitos do Homem (La Rochelle, 2 e 3 de junho), através de Madame Kahn e de J. Ballester, antigo ministro da República Espanhola.  A 31 de outubro de 1960, a PIDE procedeu a uma busca e apreendeu o arquivo da Liga. Os corpos gerentes eleitos em 1960 ainda estavam em funções em 1965. No ano seguinte, a Amnesty International estabeleceu contacto com a Liga, através de Maureen Teitelbaum, responsável pelo Investigation Bureau da organização.

    As eleições na Liga decorreram a 31 de março de 1967. Armando Adão e Silva passou a presidir ao Diretório, e Luís Hernâni Dias Amado à Assembleia Geral.. Em 1968, a associação assinalou o Ano Internacional dos Direitos Humanos. A 21 de maio, o Diretório reuniu de emergência para apreciar a situação do membro do Diretório Raul Rego, preso pela PIDE, enviando um protesto ao presidente do Conselho.

    Em 1969, Virgílio Marques, um dos fundadores sobreviventes da Liga, publicava no jornal República o artigo “Em defesa dos direitos do Homem” (MARQUES, 1969, 2 e 4), evocando algumas figuras que passaram pela associação, como António Sérgio, Jaime Cortesão, Mário de Azevedo Gomes, Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Vieira de Almeida e Humberto Delgado. Nas eleições desse ano, Adão e Silva e Dias Amado mantiveram os cargos que detinham.

    A 3 de julho de 1969, a Liga foi notificada pelo Gabinete da Presidência do Conselho, uma vez que os estatutos da associação não teriam sido aprovados nos termos do decreto-lei n.º 39660, de 20 de maio de 1954, o que motivou uma resposta através do Conselho Jurídico esclarecendo que a associação existia desde 21 de abril de 1922, data em que haviam sido aprovados os estatutos; o decreto-lei visando regulamentar o direito de associação conferido pela Constituição Política de 1933 só seria aplicável às associações constituídas depois de 20 de maio de 1954, e nele não existiam disposições que obrigassem as associações com existência legal, como a Liga, a praticar novas formalidades. A situação de incerteza arrastou-se. Em dezembro, foram feitas diligências para a cedência de uma sala para a realização de uma assembleia geral para debater o problema. A hipótese de recorrer a um centro republicano foi afastada, uma vez que carecia de autorização do Governo Civil. A Liga mantinha o argumento da existência e legalidade anteriores. Em janeiro de 1970, o governo ainda não tinha respondido ao parecer do Conselho Jurídico da Liga. Três anos depois, em 1973, no discurso pronunciado por ocasião do 50.º aniversário da associação, Adão e Silva referia-se à questão, sublinhando o atraso na réplica: “E depois? Depois, silêncio por parte da Presidência do Conselho, silêncio por parte da administração em geral, o que não pode deixar de significar reconhecimento moral e jurídico da nossa legitimidade” (LIGA PORTUGUESA DOS DIREITOS DO HOMEM, 1971, 1).

    Com a morte de Virgílio Marques, em 1970, a associação perdeu um dos elementos mais dedicados e antigos dirigentes, garante de comunidade ao longo de décadas. Em 1971, a Liga não conseguiu a cedência de uma sala para realizar a assembleia de eleição anual dos corpos gerentes, que deveria ocorrer em janeiro, recorrendo, de novo, ao voto por correspondência. Adão e Silva e Dias Amado mantiveram os respetivos cargos. O novo Diretório comunicou ao ministro do Interior, a 21 de abril de 1971, a composição dos órgãos recém-eleitos, solicitando, sem sucesso, ao governante a devolução do arquivo e dos fundos apreendidos pela PIDE.

    O jornal República publicou uma extensa notícia sobre a Liga, a propósito da aproximação do 50.º aniversário. Em julho de 1971, abria uma sede provisória na R. dos Anjos, n.º 101, 1.º Dt.o. A 8 de março do ano seguinte, o Diretório enviou um telegrama a Francisco Sá Carneiro saudando-o e, em seu nome, aos deputados que se propunham lutar pela defesa dos direitos constitucionais. A 29 de janeiro de 1973, apoiava a iniciativa de Sá Carneiro ao propor uma amnistia aos presos políticos.

    O 50.º aniversário da Liga foi assinalado, a 14 de fevereiro de 1973, com um jantar no Hotel Infante Santo, junto à Av. 24 de Julho, com Luís Dias Amado, Adão e Silva, Fernando Mayer Garção, Raul Rego e José Magalhães Godinho.

    O Diretório protestou junto do presidente do Conselho e do ministro da Educação Nacional contra a invasão de instalações universitárias pela polícia e pela agressão a tiro a alguns estudantes; manifestou-se contra as agressões sofridas por Artur Cunha Leal; remeteu ao presidente do Conselho um protesto contra a demissão de funcionários públicos por motivos políticos; exigiu, de novo, a devolução do arquivo, apreendido pela PIDE; promoveu uma conferência, a 5 de dezembro, na Cooperativa Estudos e Documentação, sobre “Direitos do Homem”, com José Magalhães Godinho, Armando Adão e Silva e Francisco Salgado Zenha. A iniciativa integrava-se na comemoração do XXV Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Foi publicado mais um boletim (Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, 1973) e  enviado um telegrama a Marcello Caetano, assinado por Adão e Silva e por António Marcelino Mesquita, sem resposta; a Censura não permitiu a divulgação respetiva na imprensa. Durante o agitado período eleitoral, a Liga endereçou ao presidente do Conselho um telegrama de protesto contra o desrespeito pelas liberdades fundamentais, impossibilitando que as eleições decorressem de forma séria.

    A 8 de dezembro de 1973, decorreu uma romagem ao túmulo de Magalhães Lima, fundador da Liga. Usaram da palavra Adão e Silva, Ramon Machado de la Féria e Dias Amado. A situação parecia estabilizada, com novos associados, a cobrança regular de quotas e a publicação de um novo boletim. Estavam registados 151 associados, mas o número real era menor – alguns tinham falecido, ou não estavam ativos por causas diversas, uma das quais a ausência do país. Em compensação, entraram 101 novos associados e decorria uma campanha de angariação de outros membros. Na Fundação Mário Soares-Maria Barroso existe um extenso documento intitulado “Lista dactilografada de nomes a propor para a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem” (FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES/ARQUIVO MÁRIO SOARES, s.d.), provavelmente dessa época, embora alguns dos referidos já fossem ou tivessem sido membros.

    Em dezembro de 1973, anunciava-se uma renovação nos futuros órgãos diretivos, embora com o concurso de Vasco da Gama Fernandes e de José Magalhães Godinho, na presidência e vice-presidência do Diretório, e de António Marcelino Mesquita, na secretaria-geral. As eleições para o triénio 1974-1977 ainda ocorreram antes do 25 de Abril. Mais uma vez, dada a impossibilidade de encontrar um espaço para acolher a assembleia, recorreu-se ao voto pelo correio. Surgiram novos nomes, com a inclusão de jovens e, pela primeira vez, de uma mulher – Maria Barroso. O Diretório era presidido por Vasco da Gama Fernandes, a Assembleia Geral por Dias Amado, e o Conselho Jurídico por José Magalhães Godinho. A Comissão de Estudos Sociais e Económicos era coordenada por Henrique de Barros, e a Comissão de Propaganda por Xencora Camotin.

    A 22 de julho de 1974, realizava-se a primeira assembleia geral da Liga depois do 25 de Abril, mais uma vez nas instalações da Escola Oficina n.º 1, no Lg. da Graça, com uma ordem de trabalhos subordinada à análise da associação e à preparação de um novo programa de trabalhos, assente na alteração dos estatutos e no problema da sede social, instalada provisoriamente na R. Marquês de Fronteira, n.º 113, 4.º. Os dirigentes da Liga foram recebidos pelo presidente da Junta de Salvação Nacional, general António de Spínola. Vasco da Gama Fernandes participou numa reunião internacional das Ligas, em Paris, e apelou ao Governo Provisório para a ratificação dos tratados e convenções internacionais sobre os direitos do Homem.

    Os corpos diretivos mantiveram-se em funções até 1976, mas as mudanças políticas ocorridas em abril de 1974 afetaram a associação, uma vez que muitos dos membros em funções assumiram responsabilidades nos partidos e noutras organizações, ou no desempenho de cargos públicos. Teófilo Carvalho dos Santos, Vasco da Gama Fernandes, Mário Sottomayor Cardia, Mário Mesquita, Nuno Godinho de Matos e Henrique de Barros foram eleitos deputados à Assembleia Constituinte de 1975, de que o último foi presidente. Francisco Salgado Zenha sobraçou a pasta da Justiça do I ao IV Governos Provisórios. José Magalhães Godinho, embora eleito para a Constituinte, não tomou posse por razões de saúde, mas foi provedor de Justiça em 1975.

    As eleições da Liga decorreram a 25 de março, na sede da Ordem dos Advogados. A tomada de posse foi objeto de uma reportagem da RTP, a 4 de maio de 1976, na qual falou Vasco da Gama Fernandes.

    A 25 de maio, o novo Diretório publicou um “Manifesto ao povo português” reafirmando a pertinência da Liga, dois anos após o restabelecimento da democracia, e apelava à inscrição de novos associados. Vasco da Gama Fernandes deu uma entrevista ao jornal Tempo (1976, 12) na qual revelou as diligências, infrutíferas, para a recuperação do arquivo da Liga. Ao assumir a Presidência da Assembleia da República, Vasco da Gama Fernandes renunciou ao cargo no Diretório e foi substituído por Ângelo de Almeida Ribeiro, tendo-se operado ainda uma recomposição do Diretório.

    O clima político nos anos subsequentes ao 25 de Abril refletiu-se na Liga. A atribuição do galardão dos Direitos Humanos a Mário Soares e a presença, ou não, da Liga num jantar de homenagem motivaram a crispação entre os membros da instituição. Sob acusações de partidarismo e de benevolência com os regimes do Leste, demitiram-se Almeida Ribeiro e outros membros do Diretório. Carlos Vilhena assumia a presidência interina. A imprensa da época fez eco da polémica, tendo publicado alguns documentos (ESPÓLIO DE NUNO RODRIGUES DOS SANTOS, s.d.). As divergências levaram à apresentação de duas listas nas eleições de 1978, facto inédito na história da Liga. A 22 de janeiro de 1978, na Ordem dos Advogados, realizou-se o sufrágio, no qual os sócios também podiam participar através de voto por correspondência.

    No ato participaram 151 dos 404 associados. A lista A saiu vencedora, com 70% dos votos. A imprensa qualificou-a de social-democrata ou de centro-direita (“Centro-direita vence as eleições…”, 1978, 5), em contraste com a lista B, maioritariamente de esquerda, com alguns sociais-democratas. José Magalhães Godinho e Raul Rego declararam não terem sido consultados antes da inclusão dos respetivos nomes nas listas. A sua análise e dos proponentes causa alguma perplexidade, dado que Dias Amado surgia, em ambas, como candidato a presidente da Assembleia Geral.

    Na sessão plenária da Assembleia da República de 13 de setembro de 1978, Sottomayor Cardia recordava a ação da Liga e dos seus membros na luta contra o regime deposto em 1974.

    A atividade da Liga foi diminuindo, fruto da mobilização dos associados noutras ações de cariz partidário. Depois de vários anos de relativo apagamento, a 15 de dezembro de 2008 teve lugar a fusão da Liga com a CIVITAS – Associação para a Defesa e Promoção dos Direitos do Cidadão, passando esta a ter a atual denominação de Liga Portuguesa dos Direitos Humanos – Civitas. A CIVITAS havia sido fundada em 1989, com a realização da sua 1.ª Assembleia-Geral a ter lugar na Sociedade Nacional das Belas-Artes, presidida por Magalhães Mota, secretariado por Vasco Lourenço e Sá Machado.

    Bibliografia

    ARQUIVO DO GRÉMIO LUSITANO. Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. “Projecto de complemento à Declaração dos Direitos do Homem, adoptado em 21 de Julho de 1936 pela Liga dos Direitos do Homem no seu congresso de Dijon”, texto policopiado, s.d.

    ARQUIVO DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA. PT/SGMAI/GCLSB/H-B/001/13523. Estatutos da Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem [1912]. Lisboa: Tipografia do Comércio.

    BAPTISTA, J. (1991). “A defesa dos direitos do Homem nos primeiros anos da República portuguesa”. In Congresso A Vida da República Portuguesa: 1890-1990 (27-47). Lisboa: Cooperativa de Estudos e Documentação.

    “Centro-direita vence as eleições na Liga dos Direito do Homem” (1978, 23 janeiro). Diário de Lisboa 19563, 5.

    ESPÓLIO DE NUNO RODRIGUES DOS SANTOS. Diretório da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. “Comunicado do Diretório sob a presidência do presidente interino coronel Carlos Vilhena, com a ata avulsa da reunião de 23 de junho”, 4 pp.; “Comunicado do Diretório sob a presidência do presidente interino coronel Carlos Vilhena, com a carta de Ângelo de Almeida Ribeiro, de 12 de julho”, 2 pp.; “Comunicado do Diretório sob a presidência do presidente interino coronel Carlos Vilhena, com a carta de Mário Inglês, de 20 de julho”, 2 pp., s.d.

    FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES/ARQUIVO MÁRIO SOARES. Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. “Lista dactilografada de nomes a propor para a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem”, s.d.

    “Liga Portuguesa dos Direitos do Homem” (1921, 16 abril). A Luz, 110, 8.

    “Liga dos Direitos do Homem” (1925a, 17 setembro). O Mundo, 8440, 2.

    “Liga dos Direitos do Homem” (1925b, 30 outubro). O Mundo, 8482, 2.

    LIGA PORTUGUESA DOS DIREITO DO HOMEM (ed.) (1952a). Declaração Universal dos Direitos do Homem (Proclamação de Ideal Comum a Que Aspiram Todos os Povos). Lisboa: Actividades Gráficas, Lda.

    LIGA PORTUGUESA DOS DIREITO DO HOMEM (1952b). Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. Estatutos. Lisboa: Actividades Gráficas, Lda.

    LIGA PORTUGUESA DOS DIREITOS DO HOMEM (1971). “A Liga é uma associação cívica legalmente constituída no interesse dos portugueses oprimidos”. Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, jul., 1.

    Liga Portuguesa dos Direitos do Homem (1973). Dez. 

    LIGUE DES DROITS DE L’HOMME (1936). Ligue des Droits de l’Homme. Congrès National de 1936. Compte Rendu Sténographique. Dijom 19-21 Juillet 1936. Complément a la Declaration des Droits de l’Homme. Réforme de la Société des Nations. Paris: Ligue des Droits de l’Homme.

    MADUREIRA, J. (1930). As Desvirtuosas Malfeitorias. Lisboa: Livraria Clássica Editora.

    MARQUES, V. (1969, 22 abril). “Em defesa dos direitos do Homem. A Liga Portuguesa completou ontem 47 Anos”. República, 13736, 2 e 4.

    O Povo (1930, 14 janeiro). 446, 1.

    Tempo (1976, 15 julho). 60, 12.

     “Um passo em frente? Liga Portuguesa dos Direitos do Homem foi ontem inaugurada. Alguns oradores disseram algumas verdades amargas” (1921, 4 abril). A Batalha, 719, 1.

    Autor: António Ventura

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