Matos, Gregório [Dicionário Global]
Matos, Gregório [Dicionário Global]
Biografia
Gregório de Matos e Guerra foi um advogado e poeta do período do Brasil Colônia. Nascido em Salvador, Bahia, em 23 de dezembro de 1636. Filho de Gregório de Matos, fidalgo da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e Maria da Guerra, matrona e mulher caridosa, Gregório frequentou o Colégio dos Jesuítas, em Salvador, no qual estudou Humanidades, transferindo-se em seguida para Coimbra, onde obteve a formação em Direito Canônico. Um feito demarcável é que Gregório de Matos escreveu toda sua tese de doutoramento em latim. Após concluídos seus estudos de doutoramento, exerceu em Portugal os cargos de curador de órfãos e de juiz criminal. Devido ao desgosto surgido por não ter se adaptado à vida na metrópole, regressa ao Brasil, aos 47 anos de idade, onde viveu por todo o restante de sua vida, com exceção de um breve período de exílio em Angola. Estabeleceu matrimônio com Dona Maria dos Povos, com quem teve um filho, Gonçalo. Faleceu aos 59 anos de idade, em Recife, Pernambuco, em 26 de novembro de 1696.
Ganhou a alcunha de “Boca do Inferno” (ou, em outros registros, “Boca de Brasa”) devido aos seus poemas satíricos, que faziam troça e críticas sociais aos poderes instituídos da época. É reconhecido como um dos maiores poetas do Barroco, tanto em Portugal quanto no Brasil, além de, também, ser considerado o poeta satírico de maior importância em língua portuguesa no período colonial.
Importância para a literatura luso-brasileira
Sua importância advém de ele ter sido o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, seu tipo local, produto do meio geográfico e social. Soma-se a isso seu jeito e estilo irreverentes, marcados pelas sátiras mordazes e ácidas ao governo, à falsa nobreza da terra e ao clero. Seus principais objetos de crítica eram os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e novos-ricos, enfim, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia (HANSEN, 1988; MIRANDA, 2014). Sua crítica perpassa, muitas vezes, o escatológico, pois “Excremento é uma palavra referida o tempo todo. O poeta manda tudo que é vício e vicioso para o inferno. Ele sempre deseja o pior para a sociedade, que naquela época já era desigual, e continua sendo ainda hoje, embora se diga democrática” (COSTA, 2019).
Ao todo, é atribuído ao autor mais de 700 textos. Sua obra foi organizada, com o passar do tempo, em códices, ou obras compostas de centenas de folhas manuscritas de papel de várias dimensões e procedências. Esses códices somam mais de 20 títulos. Segundo Hansen (2014), esse era o principal meio de publicação de poesia, no período em que viveu o autor. Esses textos não foram publicados de forma impressa por ele, em vida, o que leva os críticos e estudiosos a debaterem acerca de sua autoria.
Em resumo, o conjunto da obra de Gregório de Matos envolve sonetos, décimas, romances, bem como poemas religiosos, líricos amorosos, eróticos, satíricos. Estudiosos ainda apontam que o autor produziu grande parte de sua poesia entre 1683 e 1695.
Destacamos as seguintes compilações atribuídas como obras do autor: “Crônicas do Viver Baiano Seiscentistas”, organizadas em 30 volumes temáticos; e “Seleção de Obras Poéticas”.
Contributos fundamentais da Obra de Gregório de Matos em torno da problemática dos direitos humanos
Apesar de separados por momentos históricos distintos, podemos dizer que Gregório de Matos foi um protodefensor dos direitos humanos. O foi devido a sua literatura poder ser considerada “empenhada”, no sentido de “tomar posição em face das iniquidades sociais, as mesmas que alimentam o combate pelos direitos humanos”, conforme aduz Cândido (1989).
Sendo um crítico ferino dos poderes instituídos, da sociedade e das instituições da época, Gregório de Matos foi perseguido, julgado, condenado e punido com o exílio, mesmo que breve. Os seus embates com essas instâncias só encontraram termo quando de seu regresso, em 1695 (MIRANDA, 2014). Por isso, propomos a seguir um exercício de imaginação, sem incorrência em extrapolações forçadas ou anacronismos, sobre a relação entre o autor e os direitos humanos.
Dentre os direitos humanos arrolados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), encontramos aqueles ligados aos direitos civis e políticos básicos para todos os seres humanos. Neste rol, destacamos então aqueles que, ao nosso ver, podem ser associados de maneira mais frutífera à obra do autor: a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão e opinião e o direito a não sofrer prisões e sanções arbitrárias.
A liberdade de pensamento (art. 18.º) é um dos principais direitos humanos que podem ser mobilizados no enquadramento da obra do autor. Crítico feroz e mordaz dos poderes instituídos no período colonial, notadamente o governo e o poder clerical, Gregório de Matos fez da sua liberdade de pensar uma arma de denúncia e crítica aos poderes da época. Não à toa, como consequência dessa verve, foi condenado a um degredo em Angola, em 1694 (HANSEN, 1988; NOGUEIRA, 2011).
Por isso, em seguida, um outro direito humano fortemente entrelaçado com a biografia do autor é o direito a não sofrer prisões e sanções arbitrárias. Como sublinhado em sua biografia, a pena combativa e a língua ferina garantiram as inimizadas e perseguições daqueles que comandavam os poderes à época. Somado a isso, o desprezo pelas normas e ritos clericais quando do exercício de sua função no cargo de tesoureiro-mor da Sé, na Bahia, após ser nomeado vigário-geral da Bahia pelo arcebispo D. Gaspar Barata, também amealhou novas querelas e desprestígios. Em resultado a esses elementos, Gregório de Matos foi deportado para Angola, sofrendo então um exílio (art. 9.º, ONU, 1948). Bem verdade que tal experiência foi breve, e que devido aos seus serviços prestados como conselheiro do Governo lhe foi assegurada a autorização de retorno ao Brasil, mas este direito foi parcial ou incompleto, já que o regresso não pôde ser para a Bahia. Não obstante, é mister ressaltar que tal experiência foi extremamente marcante na vida do poeta, sendo definitória na parte final de sua trajetória.
Decerto, dentre os direitos aqui trazidos à lume, aquele mais mobilizado e, portanto, aquele que pode ser atribuído como mais marcante no contexto do autor é o direito à liberdade de expressão e opinião (art. 19.º, ONU, 1948). Através do uso recorrente à sátira, Gregório de Matos teceu não apenas crônicas ferinas do quotidiano da sociedade da época, mas fez, ao mesmo tempo, uma análise crítica e engajada aos moralismos e tradicionalismos que regiam tanto a vida mundana quanto a sagrada. Consequentemente, granjeou olhares tortos, cultivou inimizades, desprezos e perseguições, e logrou o exílio forçado. Embora tenha obtido autorização de retorno ao Brasil, não pôde retornar à Bahia, deslocando-se então para Recife, mas agora, sobre outros termos: estava proibido judicialmente de escrever e publicar suas sátiras (NOGUEIRA, 2011). O ato de perseguir incansavelmente seu direito à liberdade de expressão e opinião trouxe ao autor censura oficial, silêncio imposto e a proibição de exercer o seu candente dom. Como ele registrou alhures, “De que pode servir calar, quem cala / nunca se há de falar, o que se sente? / Sempre se há de sentir, o que se fala!”. A perda dessa sua liberdade foi, talvez, o mais duro golpe que recebeu de uma sociedade que amava e à qual pertencia, porém, não se rendia, preferindo sempre a crítica ao status quo.
Ao fim e ao cabo, apesar de sua existência distar das modernas ideias e lutas que fariam nascer a compreensão dos modernos direitos humanos, a sua trajetória, os enfrentamentos estabelecidos e a recusa solene em se deixar abater diante do tacão dos poderosos fazem de Gregório de Matos uma figura solene e inconteste na trilha que culminou com a realização desses direitos para toda a humanidade.
Bibliografia
Impressa
CÂNDIDO, A. (1989). “Literatura e direitos humanos”. In A. C. R. Fester (org.). Direitos Humanos e... São Paulo: Comissão Justiça e Paz/Editora Brasiliense.
HANSEN, J. A. (1988). A Sátira e o Engenho: Um Estudo da Poesia Barroca atribuída a Gregório de Matos Guerra – Bahia – 1682-1694. Tese de Doutoramento em Literatura. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
HANSEN, J. A. (2014). “Autoria, obra e público na poesia colonial luso-brasileira atribuída a Gregório de Matos e Guerra”. Ellipsis, 12, 91-117.
MIRANDA, A. (2014). Musa Praguejadora: A Vida de Gregório de Matos. Rio de Janeiro: Record.
NOGUEIRA, C. (2011). “A sátira de Gregório de Matos”. Línguas e Letras – Estudos Literários, 12 (23), 271-285.
Digital
“Biografia”, https://www.academia.org.br/academicos/gregorio-de-matos/biografia (acedido a 08.02.2024).
“Conheça a biografia de Gregório de Matos Guerra, poeta que será cobrado no vestibular da UFRGS em 2015”, https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2014/04/Conheca-a-biografia-de-Gregorio-de-Matos-Guerra-poeta-que-sera-cobrado-no-vestibular-da-UFRGS-em-2015-4481168.html (acedido a 09.02.2024).
COSTA, C. (2019). “Para entender a poesia de Gregório de Matos, é preciso saber quem foi ele”: O professor da USP João Adolfo Hansen fala sobre a obra do poeta que passa a integrar a lista de livros da Fuvest”. Jornal da USP, https://jornal.usp.br/?p=275751 (acedido a 09.02.2024).
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos (acedido a 10.02.2024).
Autor: Cícero Muniz