Mello, Sérgio Vieira de [Dicionário Global]

Sérgio Vieira de Mello foi um humanista comprometido com a defesa dos direitos humanos, em especial dos mais desfavorecidos, com uma brilhante carreira nas mais relevantes instituições multilaterais à escala global. Nascido em 15 de março de 1948, no Rio de Janeiro, Brasil, faleceu em Bagdad, Iraque, no dia 19 de agosto de 2003, com outras 21 pessoas, vítima de um atentado contra a sede local da ONU. Filho de um diplomata, Arnaldo Vieira de Mello, e de Gilda dos Santos, passou uma parte da infância e juventude acompanhando as colocações externas do pai. Em 1966, Sérgio Viera de Mello estudou Filosofia na Universidade de Friburgo, mais tarde em Paris, onde se licenciou em 1969, depois de acompanhar as manifestações de Maio de 1968. Em 1974 obteve o “doctorat troisième cycle” em Filosofia pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne), com louvor, e, em 1985, o “doctorat d’Etat”, defendendo sua tese Civitas Maxima com menção honrosa.

Sérgio Vieira de Mello tornou-se funcionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR, ou ACNUR, em português), da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1969, tendo servido em diversas missões humanitárias e de manutenção da paz, sob a direção de Sadruddin Aga Khan, então, o Alto Comissário. De 1971 até fevereiro de 1972, assistiu à independência do Bangladesh, depois de a guerra civil que devastou o que era a província paquistanesa de Bengali Oriental ter criado cerca de 10 milhões de refugiados na Índia. No Sudão, Sérgio participou diretamente das operações do ACNUR para o transporte aéreo de bens, alimentos e repatriamento de refugiados, após a assinatura de um acordo de paz que pôs fim a 17 anos de guerra civil. No ano seguinte, Sérgio foi enviado para Chipre (Nicósia do Sul) e, de novembro de 1974 a abril de 1975, foi o representante do ACNUR em Nicósia do Norte. Em 1975, assumiu a direção do ACNUR em Moçambique, em Maputo, até novembro de 1977, tornando-se um dos mais jovens representantes do ACNUR em operação de campo. No início de 1978, foi nomeado Representante Regional do ACNUR para a América Latina. No Peru, trabalhou, essencialmente, para assegurar o asilo definitivo para refugiados latino-americanos fugidos do regime de Pinochet.

Em novembro de 1981, Sérgio Vieira de Mello foi nomeado conselheiro político da FINUL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), em Naqoura, no sul do Líbano, numa primeira experiência de manutenção da paz. A partir de julho de 1983, exerceu várias posições internas no ACNUR, que modificaram a instituição. Em maio de 1988, foi nomeado diretor da Divisão para a Ásia, tendo sido responsável por diversas iniciativas, como a repatriação para o Vietnam dos “boat people”, com um sistema de vigilância garantido pelo ACNUR até o fim dos anos 90. Entre 1991 e 1996, foi enviado especial do Alto Comissário ao Camboja, como diretor do repatriamento da Autoridade da ONU de Transição no Camboja (UN Transitional Authority in Cambodia, UNTAC), tendo sido o primeiro e único representante da ONU a manter conversações com o Khmer Vermelho. Em fins de 1991, a nova Alta Comissária para Refugiados, Sadako Ogata, nomeou Sérgio Vieira de Melo seu enviado especial ao Camboja, no quadro dos acordos de Paris, assinados em outubro de 1991, que criou a Autoridade Provisória das Nações Unidas para o Camboja (APRONUC). Esta teve Sérgio Viera de Melo como seu chefe do setor de Repatriação. No início dos anos 90 do século XX, foi ainda nomeado responsável pela United Nations Protection Force (UNPROFOR), a primeira força de paz na Croácia e na Bósnia e Herzegovina durante as guerras da Jugoslávia. De outubro de 1993 a abril de 1994, foi diretor político da FORPRONU em Sarajevo, na Bósnia e, em abril de 1994, em Zagreb, chefe de Assuntos Civis da FORPRONU.

De 1994 a 1996, Sérgio Vieira de Mello foi diretor de Operações e Planeamento do ACNUR, tendo organizado, entre junho de 1995 e setembro de 1996, a Conferência sobre os Refugiados e as Migrações na Comunidade dos Estados Independentes (CEI), dirigida a regular os fluxos migratórios decorrentes da fragmentação das antigas repúblicas soviéticas. Em janeiro de 1996, foi nomeado assessor do Alto Comissário com o título de subsecretário geral das Nações Unidas, tendo, em novembro de 1996, sido nomeado coordenador humanitário das Nações Unidas para a região dos Grandes Lagos na África.

Em janeiro de 1998, Sérgio Vieira de Mello foi nomeado, por Kofi Annan, secretário-geral adjunto do Departamento de Ações Humanitárias, OCHA (Escritório de Coordenação de Ações Humanitárias), tendo desempenhado, a pedido do secretário-geral da ONU, uma missão de avaliação em Kosovo, em maio de 1999. Na sequência desta, foi nomeado representante especial provisório do secretário-geral, responsável pela Administração Interina das Nações Unidas em Kosovo (MINUK).

No início de setembro de 1999, quando a situação de segurança se agravou em Timor-Leste, após o anúncio do resultado do referendo de 30 de agosto, em que os timorenses votaram esmagadoramente pela independência, depois de 24 anos de violenta ocupação indonésia, em 15 de setembro, o Conselho de Segurança da ONU criou a Força Internacional de Intervenção (INTERFET) para a manutenção da segurança deste país, com o fim de promover a transição do exercício da soberania, progressivamente, para a ONU, antes da restauração da independência. Em 25 de outubro de 1999, uma nova resolução do Conselho de Segurança da ONU criou a Autoridade Provisória das Nações Unidas no Timor Leste (UNTAET), tendo sido Sérgio Vieira de Mello nomeado seu administrador. Esta foi uma experiência nova na história da ONU, depois replicada noutros territórios, conferindo muitos amplos poderes à administração transitória da ONU – poderes legislativos e executivos (incluindo a justiça e a administração do território). Sérgio Vieira de Mello chegou a Díli em novembro de 1999, tendo exercido os poderes de administrador transitório até 20 de maio de 2002, momento em que Timor-Leste se tornou o 192.º membro das Nações Unidas. Foi muito marcante a passagem de Sérgio Vieira de Mello em Timor-Leste, onde ainda hoje é anualmente atribuído o Prémio de Direitos Humanos Sérgio Vieira de Mello. A intervenção de Viera de Mello foi muito marcante na criação das estruturas do mais novo Estado da lusofonia, desde a estabilização da situação de segurança, passando pela criação da organização administrativa necessária para criar um Estado emergente de uma situação pós-conflito, à criação dos governos transitórios compostos por nacionais timorenses, até ao procedimento constituinte e, finalmente, à transição definitiva do poder para os timorenses.

Em setembro de 2002, Sérgio Vieira de Mello foi nomeado para o muito prestigiado cargo de Alto Comissário de Direitos Humanos, até o final de maio de 2003, quando foi enviado como representante especial do secretário-geral das Nações Unidas para o Iraque, na sequência da entrada das forças da coligação internacional no Iraque, em 19 de março de 2003. Tendo chegado ao Iraque em 2 de junho de 2003, logo em julho daquele ano liderou a equipa que vistoriou a Prisão de Abu Ghraib, seguindo queixas recorrentes sobre as condições e tratamento dos detidos. No dia 22 de julho, reportou ao Conselho de Segurança as condições extremamente difíceis em que as Nações Unidas operavam. No dia 19 de agosto de 2003 foi vítima do ataque suicida ao Hotel Canal. Este era usado como sede da ONU em Bagdad havia mais de uma década. Além dos 22 mortos, cerca de 150 pessoas ficaram feridas no ataque – o mais violento realizado contra uma missão civil das Nações Unidas até então. Abu Musab al-Zarqawi, chefe da organização terrorista Al-Qaeda, reivindicou a responsabilidade pelo atentado, dirigido a Sérgio Vieira de Mello pelo papel desempenhado no Iraque, depois de ter participado na restauração da independência de Timor-Leste, um país de maioria católica, antes dominado por um país de maioria muçulmana, como é a Indonésia. O atentado provocou a retirada dos funcionários estrangeiros da ONU do território iraquiano.

Depois de um velório no Rio de Janeiro, sua cidade natal, e em Genebra, onde viveu grande parte da sua vida, foi levado ao Cemitério dos Reis, onde descansa em paz.

São variadíssimos os tributos à memória de Sérgio Vieira de Mello. Em sessão plenária de 11 de dezembro de 2008, a Assembleia Geral das Nações Unidas designou o 19 de agosto, dia do ataque à sede da ONU em Bagdad, como Dia Mundial Humanitário, em memória de todos os trabalhadores que perderam suas vidas na promoção da causa humanitária. O Centro Sérgio Vieira de Mello foi criado por sua mãe, Gilda Vieira de Mello, e pela sua companheira, Carolina Larriera, em 2008, com o objetivo de honrar a vida e o legado de Sérgio continuando a sua obra. A Fundação Sérgio Vieira de Mello é dedicada à promoção do diálogo visando a resolução pacífica de conflitos, designadamente pela atribuição anual do Prémio Sérgio Vieira de Mello a pessoas, instituições ou comunidades que, pelo seu trabalho excecional, propiciam a reconciliação do povos divididos por conflitos, bem como pela realização da Conferência Anual em Memória de Sérgio, em parceria com o Institut des Hautes Etudes Internationales et du Développement (HEID) e da Bolsa Sérgio Vieira de Mello, atribuída a jovens cujas famílias foram vítimas de crise humanitária decorrente de conflito armado. Em Timor-Leste, o prémio de Direitos Humanos Sérgio Vieira de Mello visa reconhecer e destacar a atividade de cidadãos timorenses e estrangeiros, de organizações governamentais e não governamentais, na promoção, defesa e divulgação dos direitos humanos neste país.