Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais [Dicionário Global]
Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais [Dicionário Global]
O Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a par com o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, forma a denominada International Bill of Human Rights (Bill of Rights).
Este diploma internacional, que pugna pela dignidade da pessoa humana e que assenta nos princípios de liberdade, justiça e paz, foi assinado em Nova Iorque, em 16 de dezembro de 1966, tendo entrando em vigor na ordem internacional no dia 3 de janeiro de 1976.
Mais tarde, em 10 de dezembro de 2008, em Nova Iorque, foi assinado o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que viria a vigorar na ordem internacional a partir de 5 de maio de 2013 e que tinha como desiderato a habilitação do Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais para o desempenho de funções capazes de assegurar o cumprimento dos fins do Pacto, a aplicação das suas disposições e o reforço da tutela dos direitos conferidos aos cidadãos.
Entre os direitos e liberdades que compõem o PIDESC constam os seguintes: direito ao livre desenvolvimento económico, social e cultural (arts. 1.º, 2.º, n.º 1 e n.º 3, 4.º, 5.º); direito à igualdade e à não discriminação (arts. 2.º, n.º 2, e 3.º); direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores (arts. 6.º e 7.º); liberdade sindical (art. 8.º); direito à segurança social, proteção e assistência familiar (arts. 9.º e 10.º); direito a uma existência condigna (art. 11.º); direito à saúde (art. 12.º); direito à educação (arts. 13.º e 14.º); direito à cultura e liberdade da investigação científica (art. 15.º).
O direito ao livre desenvolvimento económico, social e cultural reconhece a independência de cada Estado Parte na determinação do seu estatuto político e na promoção do seu desenvolvimento económico, social e cultural, dispondo estes, para o efeito, de todos os seus recursos e da sua riqueza. Ao aderirem ao PIDESC, os Estados comprometem-se, efetivamente, com o seu esforço próprio e com a assistência e cooperação internacionais, quando necessário, no limite dos seus recursos disponíveis, por todos os meios adequados, a prosseguir as políticas necessárias ao exercício dos direitos económicos, sociais e culturais previstos no Pacto. Note-se que, a este respeito, houve também preocupação com a concessão de tais direitos aos cidadãos não nacionais, na medida em que se exige dos Estados, no justo equilíbrio entre a dignidade humana e a economia nacional, a garantia dos direitos económicos consagrados.
Todavia, o compromisso com a garantia dos direitos económicos, sociais e culturais aos cidadãos não se limita à promoção de medidas, designadamente legislativas, que consagram tais prerrogativas. Com efeito, é também necessário que os Estados conheçam limitações relativamente à possibilidade de estes restringirem, internamente, os direitos consagrados no Pacto, pelo que tal possibilidade fica dependente, exclusivamente, de razões atinentes ao bem-estar geral de uma sociedade democrática. Do mesmo modo, os Estados Parte também não dispõem de liberdade para destruírem direitos ou liberdades reconhecidas no PIDESC, nem tão pouco da possibilidade de restringir ou derrogar direitos fundamentais, em qualquer país, através de leis, convenções, regulamentos ou costumes.
Por sua vez, figura repetidamente e em contextos distintos, no PIDESC, o direito à igualdade e à não discriminação. Está em causa, por um lado, garantir que nenhuma pessoa é privada dos seus direitos em razão da raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra, nacionalidade, estatuto social, condição financeira, nascimento, ou qualquer outro critério; por outro lado, está em causa garantir a igualdade de género. A respeito desta última dimensão, deve-se sublinhar que a mesma é manifestada, como disse, em vários preceitos normativos, designadamente em matéria de direitos laborais, quando se reconhece a todas as pessoas o direito a uma retribuição igual para um trabalho de valor igual e condições de trabalho equivalentes entre homens e mulheres.
No domínio laboral, surge, desde logo, consagrado o direito ao trabalho, que se traduz no direito de qualquer pessoa assegurar a possibilidade de ganhar a vida por meio de um trabalho livremente escolhido ou aceite. Implicitamente, surge mencionada a liberdade de escolha de profissão, que, na verdade, associada ao desenvolvimento de programas de orientação técnica e profissional, à elaboração de políticas e de técnicas aptas ao desenvolvimento económico, social e cultural constante e ao fomento de um emprego produtivo e em condições que garantam o gozo das liberdades políticas e económicas fundamentais, constituem as medidas necessárias à efetivação do direito ao trabalho.
Ademais, no domínio dos direitos dos trabalhadores, reconhece-se, prima facie, o direito a condições de trabalho justas e favoráveis. Estas, por sua vez, traduzem-se num rol de direitos e liberdades que de seguida detalharemos. Especificamente, reconhece-se o direito a uma retribuição igual para um trabalho de valor igual, conforme tivemos oportunidade de assinalar supra, a respeito da igualdade de género. Por outro lado, as condições de trabalho justas e favoráveis também implicam o direito a condições de trabalho seguras e higiénicas que, tal como também assinalamos, devem ser equivalentes entre homens e mulheres (na medida em que se prescreve que a mulher deve, pelo menos, beneficiar de condições não inferiores à do homem).
Neste particular, deve-se assinalar que o direito a uma existência condigna surge aqui, pela primeira vez, retratado. Com efeito, este direito, consagrado no art. 7.º, alínea a), subalínea ii), é depois objeto de desenvolvimento no art. 11.º. Este preceito legal reconhece o direito a um nível de vida condigno (para o indivíduo e para a sua família) e a uma melhoria constante das condições de existência, no que se refere, pelo menos, a alimentação, vestuário e habitação. Mas, no que diz respeito à alimentação, vai-se ainda mais longe, quando se incumbe os Estados de adotarem as medidas necessárias para o combate à fome, através da promoção de medidas que visem a melhoria dos métodos de produção, de conservação e distribuição dos produtos alimentares, que pugnem pela difusão de princípios de educação nutricional, que assegurem o desenvolvimento dos regimes agrários, tendo em vista a melhor forma de valorizar e utilizar os recursos naturais e que sejam capazes de garantir a repartição equitativa dos recursos alimentares mundiais.
Por seu turno, a igualdade de oportunidades no trabalho, baseada em critérios de aptidão e antiguidade, apesar de surgir retratada no domínio dos direitos dos trabalhadores, deve parte da sua proteção ao direito à não discriminação e à igualdade de género, pois, como decorre dos preceitos legais em apreço, pretende-se que o contexto laboral não seja palco de discriminações arbitrárias, nem de tratamento desigual consoante o género dos trabalhadores.
Por fim, o direito ao descanso e à conciliação da vida profissional com a vida privada aparece retratado nas dimensões do direito ao repouso e ao lazer, da limitação da jornada de trabalho, do direito a férias (pagas) e do direito à retribuição do trabalho prestado nos dias feriados.
Embora acolhidos no seio da proteção e assistência familiar, de que falaremos de seguida, não podemos ignorar o impacto, no contexto laboral, dos seguintes direitos, liberdades e garantias fundamentais: proteção especial às mães durante um período razoável por altura do nascimento das crianças, que se traduz no direito de as mães trabalhadoras gozarem de um período de licença paga ou da responsabilidade da segurança social; proibição do trabalho infantil que comprometa a moralidade, a saúde, a vida ou o desenvolvimento dos menores.
Ainda no domínio laboral, encontramos consagrados no PIDESC várias liberdades sindicais: a liberdade de constituição de associações sindicais (a todos os níveis), a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, a liberdade de inscrição, o direito de exercício de atividade sindical e o direito à greve. Deve, contudo, dar-se nota de que as liberdades sindicais prescritas não podem ser objeto de restrição legal, a não ser por razões de segurança nacional, de ordem pública, ou de proteção de direitos e liberdades de outrem, e sem que a proteção conferida pela Convenção de 1948 da Organização Internacional de Trabalho seja prejudicada.
Mais adiante, o PIDESC reconhece o direito à segurança social, à proteção e assistência familiar. Algumas das dimensões deste direito foram já aqui mencionadas, quando nos referimos aos direitos de natureza laboral, concretamente quanto aos direitos reconhecidos às mães trabalhadoras e quanto à proibição do trabalho infantil. No entanto, importa sublinhar a proteção conferida à família, no sentido de esta gozar da mais ampla proteção e assistência, com especial enfoque para os menores. Embora com outro desiderato, prevê-se que o casamento seja livremente consentido pelos esposos, o que representa também um avanço significativo no modelo de construção e organização familiar e social.
O art. 12.º do PIDESC consagra o direito à saúde (física e mental), reconhecendo-se que todas as pessoas devem gozar do melhor estado de saúde possível de atingir e estabelecendo-se as medidas mínimas necessárias à sua efetivação. Com efeito, prevê-se que a promoção de serviços de saúde de qualidade seja capaz de, por um lado, promover o salutar desenvolvimento das crianças e, por outro lado, contribuir para a diminuição da relação entre o número de nados-mortos e o número total de nascimentos ocorridos num determinado período de tempo e da mortalidade infantil. Ademais, prevê-se ainda que tais medidas contribuam para a melhoria da higiene do meio ambiente e da higiene industrial; que desenvolvam um conjunto das precauções higiénicas adequadas a tratar, controlar e a evitar doenças e possíveis contágios; e que assegurem serviços médicos e ajuda médica em caso de doença. Note-se, no entanto, que o direito à saúde a que nos referimos parece incluir, atento ao alcance das medidas necessárias à sua efetivação, uma dimensão de promoção da saúde pública enquanto interesse geral da sociedade, o que também é de louvar.
Num outro domínio, encontramos no PIDESC o direito à educação como condição para o desenvolvimento da personalidade e da dignidade humana e para o reforço do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. Perfilha-se a ideia de que a educação promove a integração e a participação do indivíduo na sociedade, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, a compreensão mútua, a solidariedade, a responsabilidade e a conservação da paz.
Assim, atendendo à relevância que é conferida à educação, e aos diferentes níveis de instrução, prescreve-se a obrigatoriedade e a gratuitidade do ensino primário e promove-se a instauração progressiva da educação gratuita no ensino secundário e no ensino superior, a par do desenvolvimento de uma rede escolar em todos os escalões. Abre-se, ainda, a porta ao ensino privado, e, portanto, à iniciativa privada, na promoção daquele que também é um interesse público e defendendo-se a liberdade dos pais de conduzirem a educação dos seus filhos.
Intimamente associada à educação está a liberdade da investigação científica que surge como desiderato do apoio e da liberdade que os Estados devem conceder à criação e investigação científica de que os cidadãos devem beneficiar.
Por fim, mas não menos relevante, o direito à cultura representa o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, o qual reclama o respeito pela liberdade indispensável às atividades criadoras.
Em jeito de conclusão, deve-se assinalar que o Estado Português assinou o PIDESC em 7 de outubro de 1976, sendo certo que o depósito do instrumento de ratificação se verificou no dia 31 de julho de 1978. Em 31 de outubro de 1978, assinalou-se o início de vigência relativamente a Portugal, depois de ter sido aprovado e publicado em Diário da República, 1.ª série, n.º 157, de 11 de julho de 1978. Mais adiante, Portugal veio também a assinar o Protocolo Facultativo, o que ocorreu em 24 de setembro de 2009, tendo o mesmo iniciado a sua vigência em 5 de maio de 2013, depois de ter sido aprovado pela resolução da Assembleia da República n.º 3/2013, de 21 de janeiro, ratificado pelo decreto do Presidente da República n.º 12/2013, de 21/01 e publicado em Diário da República, 1.ª série, n.º 14, de 21 de janeiro de 2013.
Em linha com o conteúdo do PIDESC, e fruto da integração na Organização das Nações Unidas, a Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo decreto de 10 de abril de 1976, cuja última revisão foi operada pela lei n.º 1/2005, de 12 de agosto, contempla, na sua parte I, intitulada “direitos e deveres fundamentais”, o título III, que se dedica aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais: direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores, direitos dos consumidores, iniciativa privada, cooperativa e autogestionária, direito de propriedade privada, direito à segurança social e solidariedade, direito à saúde, direito à habitação e urbanismo, direito ao ambiente e qualidade de vida, direito à proteção da família, da paternidade, maternidade, infância, juventude, deficiência e terceira idade, direito à educação, cultura e ciência, direito ao ensino, direito à fruição e criação cultural e direito à cultura física e desporto.
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Autores: Anabela Susana de Sousa Gonçalves
Tiago Branco da Costa