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  • Roosevelt, Eleanor [Dicionário Global]

    Roosevelt, Eleanor [Dicionário Global]

    Anna Eleanor Roosevelt, antes de receber o título informal e simbólico de Primeira Dama do Mundo, foi a menina da proeminente e privilegiada família Roosevelt. Nascida em 1884 em Nova York, primogênita ante dois irmãos, torna-se órfã de mãe aos 8 anos, perde um de seus irmãos aos 9 anos, seu pai aos 10, é criada pelos avós maternos e educada por tutores particulares. Aos 15 anos ingressa em uma escola para meninas nos arredores de Londres e, a contragosto, retorna para sua cidade natal em 1902, para debutar. Seguindo a tradição dos Roosevelt de serviços sociais e comunitários, torna-se professora em um assentamento em Manhattan. Em 1905 se casa com aquele que em 1933 seria o 32.º presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, Franklin Delano Roosevelt (FDR), um primo distante. Tornou-se mãe de 6 filhos entre 1906 e 1916, período em que seu marido tornou-se senador em 1911, secretário da Marinha em 1913, e, com a nova vida em Washington D.C., sua rotina pública e declaradamente entediante de esposa de oficial também lhe inaugura uma vida política notável. Em abril de 1917, com a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial e especialmente a partir de 1918, ao descobrir um affair do marido, permanece casada, porém passa a assumir papéis, agendas, discursos e iniciativas mais independentes, que lhe caracterizaram por toda a vida. Quando veio a assumir papel na ONU, ao se tornar viúva, em 1945, contribui diretamente na construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948.

    De 1933 a 1945, Eleanor Roosevelt, além de ter sido a mais longeva primeira dama, reinventou essa personalidade, participando ativamente na política nacional e internacional e viajando extensivamente pelos EUA para avaliar os efeitos do New Deal, o plano presidencial de recuperação econômica após a quebra da Bolsa de Nova York em 1930. Ainda durante seu período na Casa Branca, o mundo enfrentou a ascensão do fascismo na Itália (1922 a 1943) e a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), episódios que tanto desafiaram quanto impulsionaram o questionamento sobre a vida e a justiça para com os indivíduos. Eleanor considerou o efeito devastador destes eventos como cruciais para a constituição de uma declaração global de direitos humanos, destacando que a paz duradoura só poderia ser alcançada através do respeito aos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

    A vida pública de Eleanor Roosevelt essencialmente foi argumentar sobre a importância desses direitos humanos em suas múltiplas dimensões. Foram três linhas gerais de discursos permeando os vários fóruns em que esteve ativamente envolvida. Em primeiro lugar, defendeu a ideia de que a liberdade de expressão e de crença, bem como a liberdade do medo e da necessidade, eram direitos universais que todos os governos deveriam proteger. Em segundo lugar, destacou a importância da igualdade de gênero, lutando incansavelmente pelos direitos das mulheres. Por fim, enfatizou a necessidade de justiça social e econômica para todos, independentemente de raça, religião ou nacionalidade. Seu objetivo era sensibilizar a opinião pública, ao mesmo tempo em que influenciava e interagia com a classe política para a importância destes direitos como fundamentos de uma sociedade pacífica e próspera, promovendo uma compreensão mais profunda da dignidade humana em todo o mundo. Os exemplos práticos destacados por Freedman (1993) de que ela tinha seu próprio rendimento fruto de sua produção escrita e audiovisual e que às vezes até superava o salário do presidente, que recusava-se a motorista e dirigia seu próprio veículo e que carregava e foi treinada pelo Serviço Secreto a usar uma arma como defesa em eventualidades, demonstram seu protagonismo efetivo ou, em suas próprias palavras, “experimentar tudo o que eu puder o mais profundo que eu puder” (ROOSEVELT, 1960, 3).

    Em outro exemplo claro de seu pensamento combativo e vanguardista, em um livro simulando perguntas e respostas e sobre a questão de salários iguais entre homens e mulheres, já em 1944, foi categórica ao afirmar que “certamente… eu sempre acreditei que eles devem receber o mesmo pagamento” (ROOSEVELT, 1946). Já em uma das várias biografias publicadas a seu respeito, a ideia de que “em tempos de crise, fossem pessoais ou profissionais, a solução de Eleanor sempre tinha a ver com trabalhar mais duro e esforçar-se mais” (SCHMIDT, 2023, xiii) foi além de qualquer expectativa, quando Eleanor decidiu e se submeteu a uma impensável viagem ao Pacífico Sul, em 1943, para visita às tropas americanas onde os EUA e aliados travavam guerra com o Japão, considerando que FDR já estava cadeirante como sequela de uma possível poliomielite. Estes são dois exemplos da coragem, audácia, ambições e transformações pelas quais Eleanor confrontava o status quo.

    Apesar de sua influência positiva e assertiva, Eleanor Roosevelt enfrentou críticas e questionamentos sobre seu papel e interferências. Inicialmente, opositores argumentavam que ela ultrapassava seu papel de Primeira Dama ao envolver-se diretamente em política, um campo então considerado inapropriado para mulheres. Alegavam que seu ativismo era uma distração para a administração de FDR. Além disso, suas posições progressistas e a defesa dos direitos civis e das minorias provocaram controvérsias em uma época em que tais ideias enfrentavam resistência significativa. Estes questionamentos, no entanto, não a dissuadiram, ao contrário, reforçaram seu compromisso com a justiça social e os direitos humanos, elementos centrais de seu legado duradouro.

    • Um momento de crise significativa na carreira de Eleanor em relação aos direitos civis e que frequentemente a colocava em contradição com as políticas do governo FDR e a opinião pública da época foi sua decisão de renunciar ao Daughters of the American Revolution, uma organização de mulheres de militância patriótica e da linhagem dos soldados americanos brancos que expulsaram os ingleses. A motivação da renúncia foi de não ter sido permitido em 1939 que a cantora negra Marian Anderson se apresentasse em um de seus eventos. Eleanor Roosevelt, em represália, viabilizou o concerto próximo ao Lincoln Memorial, em uma celebração aberta para uma plateia de 75 mil pessoas, o que exemplifica a coragem de Eleanor em enfrentar a discriminação, desafiando as convenções sociais e políticas de sua era, incluindo atos públicos de alta repercussão.

    A firmeza de suas citações contundentes ecoava na mente de milhões, a exemplo de “não é suficiente falar sobre paz, mas precisamos acreditar nela” ou “você não tem somente o direito de ser um indivíduo, você tem uma obrigação de ser um”, ou, ainda, “onde, afinal, os direitos universais começam… em pequenos lugares, perto de casa” (EMBLEDGE & ROOSEVELT, 2009). Assim, deu voz e representatividade a várias camadas sociais esquecidas em seus cotidianos tornados invisíveis.

    Eleanor Roosevelt desempenhou um papel crucial na formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos após a Segunda Guerra Mundial. Como delegada dos Estados Unidos nas Nações Unidas nomeada pelo presidente Harry S. Truman, que a chamou de “primeira dama do mundo”, em 1946 tornou-se a primeira presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU, apesar de sua falta de experiência em política internacional na época (GLENDON, 2001). Sua liderança e habilidade diplomática foram fundamentais na negociação entre os diferentes interesses políticos, culturais e sociais dos Países-Membros da ONU, para chegar a um consenso sobre o texto final. Eleanor utilizou sua influência, persuasão e comprometimento com os direitos humanos para superar divergências e assegurar a adoção da Declaração em 10 de dezembro de 1948.

    Ainda neste papel de presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU, enfrentou a árdua tarefa de navegar pelas divergentes visões sobre quais seriam estes direitos entre os Países-Membros, especialmente entre os Estados Unidos e a União Soviética. Estas diferenças se estendiam a ideologias fundamentais sobre liberdade, democracia e o papel do Estado na vida dos indivíduos. Enquanto os EUA enfatizavam as liberdades individuais e a governança democrática, a antiga URSS defendia os direitos econômicos e sociais, vendo-os através do prisma do controle e provisão estatal. Eleanor conseguiu unir estas divisões ideológicas ao defender uma abordagem abrangente que incluía tanto direitos políticos/civis quanto econômicos/sociais, criando assim uma declaração que visava ser universalmente aplicável. Outras controvérsias se relacionavam a como os direitos humanos deveriam ser aplicados internacionalmente, refletindo tensões entre o respeito à soberania nacional e a necessidade de proteger os indivíduos de abusos estatais. Este também foi um período marcado pelo início da Guerra Fria, tornando mais complexa ainda a construção de consensos. Sua atuação não se limitou apenas à liderança efetiva da comissão, mas estendeu-se também à formulação dos princípios que iriam guiar a proteção universal dos direitos humanos, estabelecendo um marco na história dos direitos civis globais, em mais de uma década de atuação junto à ONU.

    Como expoente internacional e viajante incansável com várias voltas pelo globo e encontros com lideranças nacionais de vários países, alguns dos discursos mais notáveis de Eleanor Roosevelt foram em 1948, tanto na Assembléia Geral da ONU em Paris como na Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra, em 1952, ao visitar Nova Delhi, em uma conferência sobre Paz e Desenvolvimento Social, em 1953, em Sydney, com uma fala sobre bem-estar social e, em 1958, em Tóquio, sobre Educação e Juventude.

    Extremamente significativa foi a presença numa coluna quase diária chamada My Day e publicada em diversos jornais, alcançando um público vasto e diversificado. Abordando uma ampla gama de temas, desde questões políticas, como direitos civis, justiça social, condições de trabalho, direitos das mulheres, o papel dos EUA no cenário mundial, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria, até questões íntimas, como detalhes de sua vida pessoal e viagens, este canal de comunicação era de certa forma inédito. A coluna começou a ser publicada em 31 de dezembro de 1935 e continuou até pouco antes de sua morte, em 26 de novembro de 1962, permitindo-lhe manter uma presença pública ativa mesmo após deixar a Casa Branca e estabelecer um novo paradigma para a comunicação midiática direta entre figuras públicas e o cidadão comum. A própria Eleanor avançou sua abordagem do impresso para o rádio e televisão, um legado que ecoa até hoje nas mídias sociais e em outras formas de comunicação direta por políticos e personalidades públicas. Além de publicar seis livros, estima-se mais de três mil artigos de diferentes periodicidades publicados em diversos jornais e revistas.

    O legado de Eleanor Roosevelt estabeleceu um novo paradigma para o papel das primeiras damas, influenciando significativamente suas sucessoras. A republicana Betty Ford e as democratas Rosalynn Carter, Hillary Clinton e Michelle Obama, cada uma à sua maneira, abraçaram causas sociais e políticas, refletindo o exemplo de Eleanor. Betty Ford é conhecida por sua campanha sobre a conscientização do câncer de mama e a dependência química, temas raramente discutidos publicamente antes dela. Rosalynn Carter se destacou pelo seu trabalho na área de saúde mental. Hillary Clinton, na saúde infantil e direitos das mulheres, e Michelle Obama, com seu foco na educação e saúde. Cada uma dessas primeiras damas expandiu o escopo de seu papel público, utilizando a plataforma que tinham para advogar por mudanças significativas, um legado direto da abordagem ativista de Eleanor Roosevelt.

    Da introdução às conclusões em This Troubled World (1938), nossa atualidade ainda permanece nítida e convergente com as perspectivas que Eleanor Roosevelt já enxergava há décadas atrás.

    Nós não poderemos estabelecer nenhuma confiança real entre as nações até que reconheçamos o poder do amor acima de todos os outros poderes… Não podemos sentar-nos à mesa e discutir as nossas dificuldades até sermos capazes de as expor francamente… Devemos chegar a um ponto em que possamos reconhecer os direitos e as necessidades dos outros, bem como os nossos próprios direitos e necessidades (ROOSEVELT, 1938, 46, tradução nossa).

    É de Eleanor Roosevelt a frase: “Para mim toda a situação parece intolerável. Enfrentamos hoje um mundo cheio de suspeita e ódio” (ROOSEVELT, 1938, 1, tradução nossa).

    Bibliografia

    Impressa

    EMBLIDGE, D. & ROOSEVELT, A. (2009). My Day: The Best of Eleanor Roosevelt’s Acclaimed Newspaper Columns, 1936-1962. Massachusetts: Da Capo Books.

    FREEDMAN, R. (1993). Eleanor Roosevelt: A Life of Discovery. New York: Clarion Books.

    ROOSEVELT, A. E. (1938). This Troubled World. New York: H. C. KINSEY & COMPANY, INC.

    ROOSEVELT, A. E. (1946). If You Ask Me. New York: ATRIA Books.

    ROOSEVELT, A. E. (1960). You Learn by Living. New York: Harper & Row.

    GLENDON, M. A. (2001). A World Made New. New York: Random House.

    SCHMIDT, S. M. (2023). First Lady of World War II – Eleanor Roosevelt’s Daring Journey to the Frontlines and Back. Illinois: Sourcebooks.

    Digital

    “Anna Eleanor Roosevelt”, https://www.whitehouse.gov/about-the-white-house/first-families/anna-eleanor-roosevelt (acedido a 21.02.2024).

    “Eleanor Roosevelt biography.” https://www.fdrlibrary.org/er-biography (acedido a 21/Fev/2024)

    “Eleanor Roosevelt biography”, https://www.biographyonline.net/politicians/american/eleanor-roosevelt.html (acedido a 21.02.2024).

    “Eleanor Roosevelt. American diplomat, humanitarian and first lady”, https://www.britannica.com/biography/Eleanor-Roosevelt (acedido a 21.02.2024)
    “Eleanor Roosevelt”, https://www.whitehousehistory.org/bios/eleanor-roosevelt (acedido a 21.02.2024).

    “Eleanor Roosevelt”, https://www.womenshistory.org/education-resources/biographies/eleanor-roosevelt (acedido a 21.02.2024).

    Autor: Mekler Nunes

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