Ribeiro, José Silvestre [Dicionário Global]
Ribeiro, José Silvestre [Dicionário Global]
José Silvestre Ribeiro nasceu a 31 de dezembro de 1807, no seio de uma família de parcos haveres, em Idanha-a-Nova. Logo na infância anunciou uma pronunciada vocação para os estudos. Seu pai agricultor reuniu todos os esforços para que prosseguisse uma boa e sólida instrução. Denodado e intrépido dos esteios da implantação do Liberalismo, Silvestre Ribeiro foi administrador de vários distritos, deputado, conselheiro, ministro do Estado e par do Reino, factos da história nacional coligidos por Eduardo Rocha Dias (1888) no memorável período de veementes lutas que tinham por fim emancipar Portugal.
A 14 de outubro de 1823 matricula-se no 1.º ano do curso de Filosofia da Universidade de Coimbra e, no ano seguinte, contando 17 anos, ingressa no 1.º ano Jurídico, no curso de Cânones. Fez um brilhante trajeto em Direito, muito embora com interregnos. As suas convicções levaram-no a que se destacasse no contexto académico, com aguerridos debates em defesa do regime liberal. No ano de 1826 tornou-se muito célebre no pronunciar de seus ideais contra as asserções de João Baptista Teixeira de Sousa. Ano em que integra as fileiras do Batalhão Académico, unidade organizada em Coimbra com o propósito de ir à Beira Alta sufocar uma revolta dos partidários de D. Miguel.
Entre junho e julho de 1828 participa na Belfastada, a sublevação militar desencadeada a partir do Porto. Frustrado, o malogro desta operação obrigou-o a juntar-se aos contingentes vencidos que se refugiaram na Galiza. Depois embarca para Inglaterra, fazendo parte do depósito de Plymouth e, mais tarde, passou para Paris, onde viveu por algum tempo. Entretanto retoma a formação académica na Sorbonne, onde frequentou o curso dos eminentes mestres: Guizot (História), Villemain (Literatura) e Cousin (Filosofia). Ensinamentos que influenciam a sua escrita e contribuem para reforçar a convicção europeísta dos destinos históricos de Portugal.
No ano de 1829, Silvestre Ribeiro segue no grupo de emigrados para passarem à ilha Terceira, assentando praça no batalhão de voluntários académicos sob o comando de João Pedro Soares Luna. Após chegada de D. Pedro IV aos Açores, parte para Ponta Delgada, onde incorporou a expedição liderada pelo almirante George Sartorius, destacando-se entre os que vieram a desembarcar no Mindelo, a 8 de julho de 1832.
O seu primeiro serviço tem início na Foz, a bordo do vapor Cidade de Edimburgo, com destino a Vila do Conde, sendo responsável pela artilharia e munições de guerra que ali se transportavam. De regresso ao Porto, teve ação importante na defesa da serra do Pilar, ponto onde convergiam as forças miguelistas. Silvestre Ribeiro distingue-se pela sua bravura e valentia e, a 14 de outubro de 1832, é agraciado com o hábito da Ordem de Torre-e-Espada. Por aqui permaneceu por mais algum tempo, encarregado das fortificações e do telégrafo. Nesta etapa final das lutas liberais, integra, entre os primeiros soldados, a expedição comandada por D. António Severim de Noronha, evidenciando-se sempre pela sua coragem. Sob o comando do Duque da Terceira, saiu do Porto a 20 de junho em direção a Cacela, no Algarve. Tal como aconteceu no Porto, na entrada em Lisboa, a 24 de julho de 1833, houve ainda que sustentar uma luta desesperada, para que as tropas miguelistas, à frente das quais vinha o marechal francês Bourmont, não tomassem a cidade.
Terminada a campanha, mandou o Governo dissolver o Batalhão Académico, a 16 de junho de 1834. Silvestre Ribeiro começa uma nova vida, uma carreira ascendente literária, administrativa e política. Assinada a Convenção de Évora-Monte, a 23 de maio de 1834, retoma os estudos em Coimbra, sendo aprovado como bacharel, nesse ano, beneficiando das dispensas deferidas aos combatentes liberais.
Pelo decreto de 7 de junho de 1834 foi nomeado secretário-geral da Prefeitura da Beira Baixa. Em virtude do disposto no decreto de 18 de junho de 1835, que transformou as prefeituras em governos civis, vamos encontrá-lo como secretário-geral do Governo Civil de Castelo Branco, onde se manteve até 1837, para, pouco depois, ir exercer interinamente o lugar de governador civil de Portalegre, que exerceu até 1839. Com as modificações provocadas pela Revolução de Setembro de 1836, que substitui governos civis por administrações gerais, foi para Angra do Heroísmo nos finais de 1839, ano em que resolveu aceitar a nomeação, regressando assim à ilha Terceira.
A 15 de junho de 1841 acontece o trágico terramoto que destruiu quase na totalidade a Praia da Vitória, deixando sem abrigo e alimentos a maior parte da população. Silvestre Ribeiro procurou remediar tantas desgraças, congregando esforços e unindo as populações nas tarefas de socorro às vítimas e reunindo meios para a reconstrução das habitações. Conseguiu contribuições do Estado português e das diversas organizações, bem como mobilizou a diáspora açoriana, em especial a residente no Brasil e na América do Norte. Distingue-se sobremaneira os maiores padrões de glória e foi agraciado com o título de Conselheiro. Por iniciativa do bispo de Angra do Heroísmo, D. João Maria Pereira do Amaral e Pimentel, foi inaugurado, numa praça da Praia da Vitória, um monumento erigido em sua honra, a mais imponente obra de estatuária civil existente na cidade, no dia 31 de dezembro de 1879, quando completava os seus setenta anos de idade.
Em 1844, por conveniências políticas, cessou funções em Angra do Heroísmo e foi transferido para Beja, conforme o decreto de 13 de novembro desse ano. Este seu governo também ficou assinalado com notoriedade, em especial na proteção social e melhoramento da sorte dos pobres expostos. Por ocasião dos movimentos revolucionários de 1844 a 1846, Silvestre Ribeiro foi o único que se manteve no lugar de Governador Civil, tal era a imparcialidade do seu proceder e o prestígio do seu nome junto das populações. Funções que exerce entre 1845 e 1846, a que se deve Béja no Anno de 1845 ou Primeiros Traços Estatisticos d’aquella Cidade (RIBEIRO, 1847). Um livro que serviu para conveniência da pobreza nas crianças que frequentavam as escolas do ensino primário na ilha da Madeira.
Em 1846 foi transferido para o distrito de Faro, onde esteve pouco tempo, passando logo depois para o Funchal, onde dá continuidade à sua gloriosa carreira administrativa. Batalhou contra a ausência de recursos alimentares nas ilhas da Madeira e Porto Santo. Perante esta triste situação de miséria, Silvestre Ribeiro implantou medidas salutares para debelar a terrível crise de fome em 1847, incentivando a transformar o bordado do arquipélago como atividade económica. Ainda no Funchal, publica os seus Apontamentos sobre as Classes Desvalidas, e Institutos de Beneficencia (RIBEIRO, 1847), cujo produto da venda foi sistematicamente dedicado ao Asilo da Infância desta cidade. Incita a filantropia assente numa ética de valores e a ação de auxílio organizada e fundada numa análise racional dos fatores envolvidos, revelando a nobreza intrínseca da inteligência humana.
Das suas obras literárias que avultam em importância, destaque para Os Lusíadas e o Cosmos ou Camões considerado por Humboldt como Admirável Pintor da Natureza (RIBEIRO, 1853). Este sábio alemão liberalizou entusiásticos louvores ao cantor imortal das glórias portuguesas. Exposição para a qual desentranha um Estudo Moral e Político sobre os Lusíadas (RIBEIRO, 1853). De 1854 a 1874 compila, através da Imprensa Nacional, 18 volumes sobre as Resoluções do Conselho d’Estado na Secção do Contencioso Administrativo, depósito para tudo o que de mais interessante convém saber nesta matéria. E, em 1855, lança os Primeiros Traços d’uma Resenha da Litteratura Portugueza (RIBEIRO, 1855), no seguimento dos artigos publicados, a partir de 1849, na Revista Universal Lisbonense. Desta feita, coube estabelecer os princípios gerais sobre a literatura e suas partes integrantes.
Por decreto de 2 de outubro de 1856 foi nomeado Conselheiro de Estado extraordinário e em 7 de dezembro de 1857 fica encarregue da pasta dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, servindo o cargo até 31 de março de 1858, ano em que publica um escrito analítico acerca de Dante e a Divina Comédia (RIBEIRO, 1858), paixão que encontra em alguns momentos de ócio na leitura, no ano de 1843, na cidade de Angra do Heroísmo. Era uma forma de se distrair dos penosos cuidados governativos.
Em 1867 foi agraciado com a comenda da Ordem de Santiago, do mérito científico, literário e artístico, porém, seguidamente pediu licença para renunciar esta mercê e, no ano seguinte, pela Livraria Garnier no Rio de Janeiro, publica dois volumes dedicados ao Padre João de Lucena: Excerptos seguidos de uma Noticia sobre sua Vida e Obras, um Juizo Critico, Apreciações de Belezas e Defeitos e Estudos de Lingua (RIBEIRO, 1868). Um visionário dedicado aos estudos administrativos, às indignações sobre literatura e a práxis historiográfica sobre as instituições. Na qualidade de sócio da Academia Real das Sciencias de Lisboa, somos agraciados pelas suas apreciáveis capacidades de investigador. De 1871 a 1892, a tipografia desta instituição publicou 17 tomos da sua autoria sobre a História dos Estabelecimentos Scientificos, Litterarios e Artisticos de Portugal nos Sucessivos Reinados da Monarquia. Em 1893, a esta obra junta-se o 18.º tomo, volume organizado e revisto por Eduardo Augusto da Rocha Dias. E o 19.º tomo inédito, com o título próprio de Apontamentos Históricos sobre Bibliotecas Portuguesas, organizado e antiloquiado por Álvaro Néves, 1.º Oficial da Biblioteca da Academia, publicado em 1914, cujo manuscrito original pertenceu ao sábio bibliógrafo Gabriel Vítor de Monte Pereira. Presenteia-se uma recolha documental, de matriz positivista e erudita, sobre as sociedades nacionais com as características singulares no âmbito das Letras, Artes e Ciências, resultando numa ferramenta de estudo útil para compreender a monumentalidade história da educação e da administração pública em Portugal.
No ano de 1873 inaugura uma biblioteca popular em Idanha-a-Nova, sua terra natal, e, em 1876, na histórica povoação da Praia da Vitória, uma outra que ostenta o seu nome, para onde doou grande quantidade de livros. No sentido de promover a divulgação dos clássicos entre os jovens, da vasta produção escrita, dedica também apreciações aos clássicos europeus. Silvestre Ribeiro considera sempre nas obras mais notáveis efeitos estéticos e éticos, procurando uma finalidade pedagógica. Aproveitando os estudos que fez sobre a literatura espanhola, reúne elementos de informação de Don Pedro Calderon de la Barca (RIBEIRO, 1881), para que o comum dos portugueses, por altura da comemoração do segundo centenário deste ilustre poeta dramático, tivesse um tal ou qual conhecimento prévio do admirável génio e pudesse apreciar o seu verdadeiro valor.
Por decreto de 29 de dezembro de 1881, foi nomeado par do Reino, tomando posse na respetiva Câmara em janeiro de 1882. Entre honras e distinções, o zeloso promotor dos interesses públicos acabou por falecer em Lisboa, no dia 9 de março de 1891. Era sócio de corporações científicas nacionais e estrangeiras e, da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, recebe Elogio Histórico, lido na sessão solene de 10 de maio desse mesmo ano, pelo também sócio Eduardo Augusto da Rocha Dias (1891).
Foi um dos fundadores da Sociedade Protetora dos Animais e do Montepio Geral, instituições que visavam promover o bem-estar social, impondo-se nos mais elevados cargos político-administrativos do seu tempo. Teve um enorme interesse pelo conhecimento, pela ciência e pela cultura como meios de progresso e emancipação. Um precursor dos direitos humanos em Portugal, na defesa de valores incutidos da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da justiça, deixando um legado editorial difícil de avaliar, em proporção direta com a sua excelência como figura pública e como filantropo.
Bibliografia
DIAS, E. A. da R. (1891). Elogio Historico do Conselheiro José Silvestre Ribeiro. Lisboa: Typographia Franco-Portugueza.
DIAS, E. A. da R. (1888). O Conselheiro José Silvestre Ribeiro. Exemplo de Inteira Dedicação á Liberdade e á Pátria. Factos da Historia Nacional. Lisboa: Imprensa Nacional.
RIBEIRO, J. S. (1847). Apontamentos sobre as Classes Desvalidas, e Institutos de Beneficencia. Funchal: Tipografia do Madeirense.
RIBEIRO, J. S. (1847). Béja no Anno de 1845 ou Primeiros Traços Estatisticos d’aquella Cidade. Funchal: Tipografia de A. L. da Cunha.
RIBEIRO, J. S. (1858). Dante e a Divina Comédia. Lisboa: Imprensa Nacional.
RIBEIRO, J. S. (1881). Don Pedro Calderon de la Barca. Rapido Esboço da sua Vida e Escriptos. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias.
RIBEIRO, J. S. (1853). Estudo Moral e Político sobre os Lusíadas. Lisboa: Imprensa Nacional.
RIBEIRO, J. S. (1853). Os Lusíadas e o Cosmos ou Camões considerado por Humboldt como Admirável Pintor da Natureza. Lisboa: Imprensa Nacional.
RIBEIRO, J. S. (1868). Padre João de Lucena: Excerptos seguidos de uma Noticia sobre sua Vida e Obras, um Juízo critico, Apreciações de Belezas e Defeitos e Estudos de Lingua. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier.
RIBEIRO, J. S. (1855). Primeiros Traços d’uma Resenha da Litteratura Portugueza. Lisboa: Imprensa Nacional.
Autor: Luís Esteves