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    Segurança Alimentar [Dicionário Global]

    No contexto global dos direitos humanos, e considerando um vasto espectro de aspetos fundamentais para a preservação da dignidade e bem-estar dos indivíduos, per si e numa dimensão coletiva, a segurança assume-se como pilar fundamental no contexto dos desafios globais e das interconexões multidimensionais inerentes às dinâmicas que a globalização encerra. Assim, “assistimos à multiplicação de abordagens sobre temas e problemas do fenómeno desta nossa era de interconexão entre povos, culturas, religiões e territórios” (FRANCO, 2020, 7). Desafios decorrentes de alterações climáticas, crise de biodiversidade, desigualdades económicas e consequentes fluxos migratórios que implicam cooperação e coordenação a diferentes níveis, como sejam o local, regional e internacional, são cruciais e necessariamente abordados para compreender as complexidades que, em particular, impactam a segurança alimentar, enquanto âmago e pilar dos direitos da pessoa humana.

    Entende-se como um desses pilares o direito humano à alimentação e à segurança alimentar pelo princípio que reconhece a importância vital de garantir que todas as pessoas tenham acesso e disponibilidade física, social e a um preço economicamente justo a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para atender às suas necessidades fisiológicas e nutricionais. Salienta-se, neste contexto, que esta necessidade de segurança nutricional cada vez é mais personalizada nas características dos indivíduos.

    A segurança alimentar está assim esteada na conceção mais funda e abrangente de segurança, porquanto se funda e está interconectada com a garantia inalienável do direito à vida e à saúde humana do indivíduo e saúde pública da coletividade. Num mundo onde a fome persiste e pulula como uma realidade gritante para todos e sentidamente agreste para cerca de 820 milhões de pessoas que diariamente vão para a cama sem comer (ONU, 2022), a segurança alimentar desponta como um imperativo ético e um direito humano fundamental, particularmente na Era global, enformada no princípio One Health em todas as políticas. Atualmente, o mundo produz alimentos suficientes para toda a gente, mas estão mal distribuídos e uma parte significativa “não é segura” (FAO, 2019 e 2021).

    Hodiernamente, a concentração de quem controla os sistemas alimentares desde a produção ao consumo é determinada pelas relações de poder dos diferentes atores. Esta realidade, para além dos fortes impactos na saúde pública e nos desequilíbrios ambientais, influencia fortemente a segurança do que comemos e a respetiva diferença sobre o que pensamos que estamos a comer. A questão da segurança alimentar (food safety), é premissa base de que a legislação alimentar é baseada na ciência e nesse contexto consigna que um alimento só assume essa condição se for seguro. “Se não é seguro, não é alimento!” (FAO; EFSA), implicando avaliação, gestão e comunicação dos riscos por todos os stakeholders da cadeia alimentar. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 200 doenças são transmitidas por alimentos e, anualmente, 10% da população consome alimentos contaminados, resultando em 420.000 mortes/ano, das quais 125.000 crianças com menos de 5 anos, decorrente deste infortúnio (OMS, 2019). Acresce que, segundo as Nações Unidas, mundialmente estimam-se 600 milhões de casos de doenças por alimentos contaminados todos os anos (ONU, 2021).

    Numa perspetiva mais ampla, observamos uma transformação nos hábitos alimentares decorrentes da urbanização e industrialização progressivas, pelo que, neste quadro, a segurança do abastecimento, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade, pese embora estruturada, evidencia crescentes fragilidades inerentes à insustentabilidade da cadeia de produção.

    O pacote regulamentar da higiene compreende os regulamentos (CE) n.ºs 852, 853 e 854/2004, relativos, respetivamente, à higiene dos géneros alimentícios (g.a.), aos g.a. de origem animal e à organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano. A Europa, por força deste pacote, trazido no seguimento do regulamento (CE) n.º 178/2002 do Parlamento e do Conselho de 28 de janeiro de 2002, conhecido por General Food Law (GFL, 2002 e 2019) – que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a EFSA–European Food Safety Authority e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios – é dos espaços geográficos mais seguros do mundo do ponto de vista alimentar e ao nível da melhoria dos indicadores de nutrição e de promoção de uma agricultura sustentável (OECD, 2021).

    Em suma, as fragilidades que emergem na segurança alimentar, associadas às mudanças nos padrões de alimentação, preconizam uma abordagem integrada que considere quer a quantidade de alimentos disponíveis, quer a qualidade, o acesso, a sustentabilidade e os respetivos impactos na saúde, para que seja acautelada a segurança global das pessoas e suas comunidades.

    Integra-se assim o direito humano à segurança alimentar no contexto mais amplo da segurança como um passo capital que promove uma visão holística dos direitos humanos. Quer pelo impacto real da fome no imediato, quer pela necessidade de promoção de condições estruturais que fomentem a resiliência de todos os seres humanos exercerem esse direito de forma cabal e sustentável, e no sentido da segurança dos seus direitos fundamentais, encerra esta componente essencial da busca coletiva por uma sociedade justa e igualitária, onde cada indivíduo, per si, viva com dignidade, alimentando o corpo e também os seus direitos inalienáveis como pessoa humana.

    No contexto da Lei fundamental da República Portuguesa que rege o Estado português e os direitos dos cidadãos, baseada na dignidade da pessoa humana e corporizando uma tentativa de interpretação do sentimento dos cidadãos como resultado da viragem da sociedade portuguesa, a Constituição da República Portuguesa (CRP), promulgada em 1976, visou restituir aos portugueses direitos e liberdades fundamentais. Encontramos, assim, a segurança, como conceito crucial, plasmado em diferentes níveis em vários artigos da CRP, ressaltando o art. 24.º – direito à vida e à integridade pessoal – que estabelece a inviolabilidade do direito à vida e da integridade pessoal, garantindo que todos os cidadãos tenham o direito à sua preservação e à proteção contra ameaças à sua integridade. O art. 27.º – direito à liberdade e à segurança; o art. 53.º – segurança no emprego estatui que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. O art. 64.º – proteção da saúde, com o dever do Estado de acautelar a segurança no âmbito da saúde pública, garantindo o acesso de todos aos cuidados de saúde. O art. 272.º – forças de segurança e polícia –, consagrando que as forças e os serviços de segurança têm como missão defender a ordem democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos. Finalmente, o art. 275.º – defesa da pátria e dos direitos fundamentais –, que estabelece que a defesa militar e a segurança interna devem ser organizadas de forma a garantir a salvaguarda da independência nacional, da integridade do território e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

    Destaca-se assim, em síntese, que a CRP vai ao encontro dos anseios da sociedade, prescrevendo uma base firme e multidimensional para a segurança dos cidadãos, garantindo direitos fundamentais que abrangem desde a preservação da vida e da integridade pessoal até à defesa da pátria e dos direitos individuais, passando pela organização e missão das forças de segurança, assegurando um ecossistema de segurança que proteja todos os seus cidadãos:

    “A UE continuou a participar no diálogo e na cooperação no quadro da dimensão humana do conceito global de segurança da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE)”. Parte superior do formulário

    Em síntese, concebe-se segurança como um conceito integral que, além da ausência de ameaças, nomeadamente físicas, engloba a proteção da dignidade humana em suas diversas dimensões. Implica compreender e promover uma perspetiva abrangente dos direitos humanos, com particular destaque para o direito humano à segurança alimentar, num contexto marcado pela globalização e interconexão de desafios, que implicam cooperação e coordenação a diferentes níveis, local, regional e internacional. Plena de tensões, funda-se ainda em vários eixos, com força motriz na segurança alimentar, reconhecendo a necessidade de garantir que todas as pessoas tenham acesso a alimentos nutritivos, em quantidade e qualidade suficientes para uma vida saudável. Atende-se à segurança humana referente à proteção dos indivíduos contra ameaças que comprometem a sua dignidade e bem-estar, consagrando-se como a abordagem abrangente e interligada para fazer face aos desafios contemporâneos, com destacado foco na segurança alimentar como direito humano fundamental, que assegure a dignidade e a igualdade num mundo cada vez mais interfecundado e interdependente.

    Bibliografia

    FAGAN G. H. & MUNCK, R. (2009). Globalization and Security: An Encyclopedia. Santa Barbara Calif: Praeger Security International.

    FAO, IFAD, UNICEF, WFP & WHO (2021). The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Transforming Food Systems for Food Security, Improved Nutrition and Affordable Healthy Diets for All. Rome: FAO, https://www.fao.org/3/cb4474en/cb4474en.pdf (acedido a 13.03.2024).

    FAO (2022). Tracking Progress on Food and Agriculture-related SDG Indicators 2022. Rome: FAO, https://www.fao.org/3/cc1403en/cc1403en.pdf (acedido a13.03.2024).

    FRANCO, J. E. & CAETANO, J. R. (coord.) (2020). Globalização como Problema. Temas de Estudos Globais. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

    OECD (2021). Making Better Policies for Food Systems. Paris: OECD Publishing, https://doi.org/10.1787/ddfba4de-en (acedido a 13.03.2024).

    Relatório Anual da UE sobre os Direitos Humanos e a Democracia no Mundo em 2019, https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-8580-2020-INIT/pt/pdf (acedido a 10.11.2023).

    SEGATO, R. L. (2006). “Antropologia e Direitos Humanos: Alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais”. Mana, 12 (1), 207-236.

    Autora: Filipa Melo de Vasconcelos

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