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  • Teresa de Calcutá [Dicionário Global]

    Teresa de Calcutá [Dicionário Global]

    Num mundo cada vez mais marcado por desigualdades e injustiças, emergem figuras que se destacam e deixam um legado duradouro na História. Madre Teresa de Calcutá, cuja vida foi pautada por um constante compromisso de serviço aos outros e pela defesa fervorosa dos direitos humanos, é uma dessas figuras singulares. Para uma mulher que não procurou nem esperava reconhecimento, o seu exemplo de vida continua a desafiar as estruturas sociais que perpetuam a desigualdade e a injustiça, e a enorme influência que exerceu perdurará o seu legado na história da humanidade. A sua vida “inverte qualquer lógica humana: ser servo de todos” (JOÃO PAULO II, 2003, 1) e servirá como recordatório intemporal de que não só uma única pessoa pode fazer a diferença, como a compaixão é de facto uma força transformadora. Hoje, enquanto ainda exploramos o impacto das suas ações, somos convidados a refletir sobre como podemos aplicar os seus princípios nos desafios atuais dos direitos humanos.

    Em 2003, foi beatificada pelo Papa João Paulo II. O mesmo, inspirando-se no Evangelho de São Marcos, declarou: “Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se servo de todos” (Mc 10, 44). João Paulo II iniciava assim o seu discurso para falar da mulher que incessantemente articulava sobre a dignidade intrínseca de cada ser humano, independentemente da sua condição social ou religiosa: “ela ia a toda a parte para servir Cristo nos mais pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela” (JOÃO PAULO II, 2003, 1). Na verdade, para Madre Teresa de Calcutá, essas crenças não eram meramente filosóficas; elas moldaram de facto as suas ações até ao fim da sua vida.

    Nascida em Skopje a 26 de agosto de 1910, Anjezë Gonxhe Bojaxhiu, mais tarde conhecida como Madre Teresa, viu a luz do mundo num cenário marcado por muitas mudanças e incertezas. Atualmente, este território pertence à Macedónia do Norte, mas à época era pertença do Império Otomano. A infância de Madre Teresa passou-se sob a orientação piedosa dos seus pais, Nikola e Drana Bojaxhiu, devotos católicos que esculpiram os alicerces da sua fé. Drana, sua mãe, desempenhou um papel magistral, transmitindo-lhe desde cedo a nobre arte de socorrer os menos afortunados (GREENE, 2004, 9): “Foi aos 12 anos que senti um desejo de ser freira […], mas percebi-me depois que esse apelo foi fraco” (MOTHER TERESA, 2009, 146). Porém, em 1928, com 18 anos, decidiu ir para Dublin, na Irlanda, para ingressar na Irmandade do Loreto: “Desde aí nunca mais tive dúvidas de que estava certa” (MOTHER TERESA, 2009, 146). Anjezë adota então o nome Teresa, para homenagear a espiritualidade de Teresa de Lisieux, momento que marcará definitivamente o ponto de viragem da sua vida. A opção de adotar o nome Teresa reflete o desejo de Madre Teresa de seguir o exemplo de Teresa de Lisieux na busca pela santidade através do serviço aos pobres e marginalizados, em que cada pequeno gesto de caridade representava para Madre Teresa uma expressão do amor de Deus.

    Madre Teresa deixou a Irlanda e partiu para a Índia, em 1929. Foi inicialmente enviada para Darjeeling, com o objetivo de ensinar na Escola para Meninas de Santa Teresa, administrada pela ordem religiosa a que pertencia. Posteriormente, em 1929, foi transferida para Calcutá, onde continuou o seu trabalho como professora numa escola, também administrada pelas Irmãs do Loreto, onde lecionou por muitos anos (SPRINK, 1997). Nos seus primeiros dias na cidade, a jovem Teresa deparou-se com a crueldade da pobreza que assolava os bairros mais desfavorecidos. Esse encontro direto com a miséria influenciou profundamente a sua compreensão dos desafios enfrentados pela comunidade. No entanto, ao invés de se distanciar deles, mergulhou profundamente nos lugares mais carentes, onde as necessidades eram mais urgentes e as condições ainda mais desafiadoras: “quando atravesso os bairros de lata para entrar nos buracos escuros – é aí que Nosso Senhor está realmente presente em cada momento” (MUGGERIDGE, 1977, 282). Por esta via, Madre Teresa não apenas testemunhou a miséria; ela escolheu vivenciar essa realidade, comprometendo-se pessoalmente a aliviar o sofrimento e a trazer esperança aos que mais necessitavam. Esse compromisso não só definiu a sua extraordinária jornada, como também inspirou gerações a seguirem o seu exemplo de dedicação aos direitos humanos.

    Foi, porém, em 1946, quando Madre Teresa se deslocava para Darjeeling para fazer um retiro espiritual, que aconteceu algo que viria a mudar por completo a sua vida, bem como a vida de milhares de pessoas que viviam ao seu redor. Madre Teresa sentiu um apelo interior para largar tudo e seguir Cristo nos subúrbios mais pobres, dedicando a sua vida ao serviço dos pobres dos mais pobres (MOTHER TERESA, 2009, 146). Ela descreve esse momento como uma “chamada dentro da chamada” (KOLODIEJCHUK, 2009). Madre Teresa experimentou uma reviravolta interior, um apelo divino que a instigou a deixar o conforto do convento e a lançar-se numa missão espiritual ainda mais profunda, que ficou conhecida como “our way” (GREENE, 2004, 48), ou seja, a entregar-se de todo o coração ao serviço dos pobres entre os mais pobres. Ela chegou a referir no seu livro de memórias, intitulado No Greater Love (Não Há Amor Maior), que “a humildade não se aprende através dos livros” (MOTHER TERESA, 2009, 150), indiciando já, desta forma, que a sua missão seria estar lado a lado com os mais miseráveis e os mais desprezados.

    A 7 de outubro de 1950, Madre Teresa viu aprovada a Congregação das Missionárias da Caridade, por si fundada (SPINK, 1997), uma ordem católica que iniciou o seu trabalho num pequeno convento na região de Motijhil, situada no centro da cidade de Calcutá, especialmente por se tratar de uma zona onde as necessidades básicas eram ainda mais prementes.

    Em 1952, após testemunhar várias situações de seres humanos abandonados nas ruas de Calcutá, entregues ao seu destino para enfrentar a morte, Madre Teresa empenhou-se intensamente em encontrar um local capaz de acolher essas pessoas e de lhes proporcionar os cuidados mais dignos até ao seu último suspiro. Após várias tentativas, com a colaboração de um médico amigo, finalmente descobriu um espaço que seria inaugurado a 22 de agosto de 1952 e que receberia o nome de Nirmal Hriday (“Coração Puro”), conforme relata (GREENE, 2004, 69). Este foi o seu primeiro refúgio para moribundos, onde eram oferecidos cuidados paliativos médicos e espirituais a pacientes terminais, muitos dos quais tinham sido abandonados nas ruas à sua sorte. Confiante na sua inabalável fé em Jesus Cristo, Madre Teresa acolhia homens, mulheres e crianças de todas as religiões. Na hora da morte, recebiam os últimos sacramentos em conformidade com as suas crenças religiosas específicas (GREENE, 2004, 70). Essa atitude evidenciava o seu absoluto respeito pela dignidade humana até ao seu último momento de vida.

    O seu impulso para abraçar e resolver os problemas do mundo levou a que a sua obra enfrentasse desafios crescentes. Em 1955, concentrou-se principalmente num dos grupos de seres humanos mais marginalizados: as crianças órfãs dos estratos mais pobres. Estabeleceu escolas em bairros de lata e, em 1958, inaugurou orfanatos (Shishu Bhavan), dando prioridade às meninas e aos deficientes, grupos de pessoas que Madre Teresa considerava mais vulneráveis (GREENE, 2004, 79). Desta forma, protegeu milhares de crianças da mendicidade, da prostituição, da marginalização, da escravatura e da morte.

    Apesar de ser reconhecida pela sua profunda dedicação a Cristo através da oração e de ações com os mais pobres, Madre Teresa passou por um período de dúvida espiritual e de imensa solidão, à qual chamou “A noite escura da alma” (GREENE, 2004, 43). Esta expressão é utilizada por Madre Teresa para descrever um período de aridez espiritual, de dúvida e de sensação de separação de Deus. Este longo momento da vida de Madre Teresa foi relatado pela própria em cartas escritas ao seu conselheiro espiritual, o padre jesuíta Celeste van Exem. Madre Teresa compartilhou sentimentos de solidão espiritual e a sensação de que Deus a havia abandonado. As cartas foram compiladas e posteriormente publicadas no livro intitulado Come Be My Light: The Private Writings of the Saint of Calcutta, editado por Brian Kolodiejchuk, um padre católico que também atuou como postulador da causa de canonização de Madre Teresa. A revelação dessas cartas após a sua morte causou impacto, pois muitos viam-na como um ícone de fé inabalável. Segundo o livro, Madre Teresa passou aproximadamente 50 anos nesse estado espiritual, quase mesmo até ao período da sua morte, em 1997. Mas, surpreendentemente, continuou o seu trabalho incansável de cuidar dos pobres e doentes, apesar das suas próprias lutas internas. Este facto tornou-a ainda mais inspiradora para muitas pessoas que enfrentam desafios semelhantes na sua jornada espiritual.

    Para Madre Teresa, a experiência da “noite escura da alma” não foi um evento dramático que ocorreu numa data, hora ou local específicos, mas algo que foi acontecendo num processo gradual. No entanto, ela manteve sempre a sua devoção, oração e serviço aos mais necessitados, mesmo na ausência da sensação da proximidade de Deus. A experiência da “noite escura” moldou a sua espiritualidade e aprofundou a sua compreensão do sofrimento humano. Mesmo sem sentir a presença de Deus, ela perseverou na sua missão, e muitos acreditam que a sua fé foi refinada e fortalecida simplesmente por ter tido essa experiência única.

    Ao refletirmos sobre a notável vida e dedicação de Madre Teresa de Calcutá, é impossível não reconhecermos o impacto profundo das suas ações altruístas em inúmeras vidas espalhadas pelo mundo. Porém, e como se isso já não fosse suficiente, Madre Teresa não só tocou os corações daqueles que foram diretamente beneficiados com as suas ações. O seu exemplo ecoou por todo o mundo, inspirando gerações a dedicarem-se ao serviço humanitário e a combaterem a indiferença nas suas próprias comunidades. Por isso, o seu legado ultrapassou fronteiras e transcendeu culturas, ganhando a admiração e o respeito de grandes personalidades internacionais, gente de todos os quadrantes, líderes políticos e religiosos, artistas e figuras proeminentes de diversas esferas da sociedade global.

    Madre Teresa recebeu o reconhecimento de inúmeras figuras internacionais, evidenciando como a sua obra extraordinária afetou positivamente os corações de pessoas influentes em todo o mundo, conquistando a admiração e a homenagem merecida à escala global. Todos eles, de muitas formas, expressaram o reconhecimento pelo seu contributo em prol dos mais pobres, dos mais frágeis, dos mais vulneráveis, pela sua coragem, abnegação e resiliência face aos desafios encontrados em todos os momentos do seu percurso. Porém, foi na palavra “inspiração” que todos encontraram um denominador comum: de Diana de Gales a Nelson Mandela, Dalai Lama, entre muitos outros, Madre Teresa conseguiu inspirar, com o seu amor e compaixão, a luta pelos direitos humanos dos mais desfavorecidos.

    Em 1969, Malcolm Muggeridge, jornalista, escritor e comentador britânico, encontrou-se com Madre Teresa de Calcutá durante a produção de um documentário da BBC, produzido pela Independent Television, intitulado Something Beautiful for God. Este documentário, que originou um livro publicado em 1971 com o mesmo título, explorou profundamente a vida e o trabalho altruísta de Madre Teresa e das suas Missionárias da Caridade em Calcutá, Índia. O contributo de Malcolm Muggeridge foi, porém, contraditório. Por um lado, foi vital para ampliar a visão do mundo sobre o trabalho das Missionárias da Caridade, rendendo-lhes o reconhecimento global pela sua missão notável. Por outro, colocou Madre Teresa e as suas Missionárias numa “Ladeira escorregadia”, surgindo de imediato acusações de irregularidades que deixaram a sua missão envolvida em controvérsias. Porém, Madre Teresa permaneceu firme nos seus princípios e inabalável na dedicação à sua missão.

    Em 1979, como reconhecimento do seu trabalho, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Paz por uma vida dedicada aos direitos humanos. Ao recebê-lo, citou S. Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz”, e fez um belo e comovente discurso em que a todos apelou pelo amor aos pobres.

    Madre Teresa morreu a 5 de setembro de 1997, em Calcutá, e deixou um legado ímpar: “If I ever become a Saint – I will surely be one of ‘darkness’”. I will continually be absent from Heaven – to light the light of those in darkness on earth’” (Madre Teresa de Calcutá, apud KOLODIEJCHUK, 2007, 230). Seria beatificada seis anos depois, em 2003, pelo Papa João Paulo II e canonizada pela Igreja Católica, em 2016, pelo Papa Francisco.

    Bibliografia

    GREENE, M. (2004). Mother Teresa: A Biography. Westport: Greenwood Press.

    JOÃO PAULO II (2003). Solene Rito de Beatificação de Madre Teresa. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana.

    MOTHER TERESA (2009). Come Be My Light: The Private Writings of the Saint of Calcutta. Ed. B. Kolodiejchuk. New York: Doubleday.

    MUGGERIDGE, M. (1977). Something Beautiful for God: Mother Teresa of Calcutta. San Francisco: Harper & Row Publishers.

    SPINK, K. (1997). Mother Teresa: A Complete Authorized Biography. San Francisco: HarperOne.

    Autor: Jorge Santos Silva

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