Osório, Ana de Castro [Dicionário Pedagógico]
Osório, Ana de Castro [Dicionário Pedagógico]
Mulher multifacetada e muito ativa, Ana de Castro Osório foi escritora, ensaísta, editora, jornalista, pedagoga, feminista e ativista republicana. Nascida em Mangualde, cidade do distrito de Viseu, a 18 de junho de 1872, era a mais nova dos quatro filhos de João Baptista de Castro, conceituado bibliófilo, notário e magistrado, e de Mariana Adelaide Osório de Castro Cabral de Albuquerque Moor Quintins, descendente de uma família culta e aristocrática. Ana de Castro Osório cresceu num ambiente familiar privilegiado que lhe permitiu abrir horizontes. Os pais tiveram grande influência na sua maneira de ver e pensar o mundo.
Em 1893, mudou-se com toda a família para Setúbal e, nesta cidade, iniciou a sua atividade como escritora. A 10 de março de 1898, casou-se com Francisco Paulino Gomes de Oliveira, escritor e poeta português, e, com ele, lutou pelos ideais republicanos. Do seu casamento, nasceram dois filhos: João de Castro Osório, poeta, dramaturgo, ensaísta e historiador literário; José Osório de Castro, escritor, jornalista e crítico literário. Em 1911, o casal emigrou para São Paulo (Brasil), onde Paulino de Oliveira foi cônsul de Portugal. Nesse país, Ana de Castro Osório exerceu a atividade de docente e de escritora, tendo alguns dos seus livros sido adotados nas escolas brasileiras; trabalhou também com as comunidades portuguesas na promoção dos direitos das mulheres. Após a morte do marido, em 1914, regressou a Portugal com os filhos e fixou residência em Lisboa. Ana de Castro Osório faleceu a 23 de março de 1935, apontando-se como causa da sua morte uma nefrite crónica. Foi sepultada, em campa familiar, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
Carreira profissional
Ana de Castro Osório dedicou uma parte fundamental da sua vida à escrita, tendo publicado os seus primeiros artigos e crónicas, em 1895, no periódico Mala da Europa. Fez palestras, discursou em comícios republicanos, durante os últimos anos da Monarquia Constitucional, fundou e militou em inúmeras organizações femininas e feministas do início do século xx. Ao longo dos quase quarenta anos em que escreveu ininterruptamente, sobretudo para a imprensa periódica, Ana de Castro Osório, com o objetivo de reivindicar o reconhecimento de direitos civis e políticos para as mulheres, abordou vários temas, nomeadamente a igualdade no divórcio, o direito ao voto, à educação, ao trabalho, e a importância da independência económica das mulheres, nos casos de abandono ou viuvez.
Para além das muitas peças de carácter jornalístico, escreveu diversas obras didáticas, romances, novelas, contos, peças infantis e de comédia. Para divulgação de normas educativas e de higiene, redigiu e fez distribuir, gratuitamente, folhetos com o título genérico A Bem da Pátria.
A sua atividade de escrita dirigida ao público mais jovem iniciou-se por volta de 1897. Ana de Castro Osório realizou uma extensa recolha e compilação de contos e histórias da tradição oral, produziu originais e traduziu os contos dos irmãos Grimm e de Hans Christian Andersen, entre muitos outros autores estrangeiros de literatura para crianças. Em 1898, deu início à coleção Para as Crianças (18 vols.), obra marcante na sua época. Esta iniciativa conferiu-lhe um lugar cimeiro como fundadora da literatura infantil em Portugal. A defesa da alfabetização e da generalização do ensino primário levou-a a produzir manuais escolares para o 1.º Ciclo. O seu papel como intelectual, que assumiu a instrução e a educação enquanto missão civilizadora, foi secundado pela publicação de livros infantis de carácter mais marcadamente doutrinário, como A Minha Pátria (1904) ou De como Portugal foi chamado à Guerra: História para Crianças (1918). Uns e outros foram integrados na referida coleção.
Para além desta faceta de escritora infantil, a obra de Ana de Castro Osório não pode ser dissociada da sua perspetiva político-ideológica ou da sua atuação como militante feminista. Envolvida na luta pelo republicanismo, e com o objetivo de divulgar o movimento feminista no nosso país, nos primeiros anos do século xx começou por colaborar com a revista A Sociedade Futura. Publicou Às Mulheres Portuguesas, considerado o primeiro manifesto feminista português, onde aborda questões relacionadas com a situação da mulher, o seu estatuto legal, a igualdade dos sexos, o direito da mulher à educação e ao trabalho, e A Mulher no Casamento e no Divórcio, sendo esta publicação uma tomada de posição sobre a problemática do divórcio, que seria objeto de legislação por parte do governo da 1.ª República.
Fundou e dirigiu diversas organizações de pendor feminista, designadamente: o Grupo Português de Estudos Feministas (1907); a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1909); a Associação de Propaganda Feminista (1911), a primeira organização sufragista portuguesa, que, por iniciativa da escritora, integrou o grupo que deveria representar as feministas portuguesas no 7.º Congresso da International Women Suffrage Alliance; a Comissão Feminina Pela Pátria (1914); a Cruzada Nacional das Mulheres Portuguesas (1916). Foi membro da Maçonaria portuguesa, adotando como nome simbólico o da revolucionária do século XVIII, Leonor Fonseca Pimentel; fundou e dirigiu uma nova Loja feminina, a Carolina Ângelo (1915). Pertenceu, ainda, à Liga Internacional de Mujeres Ibéricas e Hispanoamericanas.
Em 1916, exerceu as funções de subinspetora do trabalho da 1.ª Circunscrição Industrial do Ministério do Trabalho. Nos anos seguintes, Ana de Castro Osório afirmou-se como uma escritora reconhecida a nível nacional e no Brasil, regressando a este país, em 1922, para proferir uma série de conferências. A partir de 1922, dedicou-se exclusivamente à escrita, distanciando-se da militância.
Contexto histórico
No final do século xix, Portugal vivia uma grave crise social e política: a pobreza e o atraso económico semeavam o descontentamento em largas camadas da população; a Monarquia Constitucional enfrentava o descrédito da opinião pública, que a acusava de incompetência e oportunismo. Neste contexto, as ideias republicanas ganharam força e Ana de Castro Osório começou por focar os seus esforços na luta pela causa republicana e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, refletindo, muitas vezes, esses mesmos ideais nas suas obras literárias. A implantação da República, a 5 de outubro de 1910, evidenciou uma Ana de Castro Osório republicana feminista, mas patenteou também a feminista sufragista. Defendeu o voto restrito para as mulheres, o qual ganhou espaço no seio da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e se reforçou na Associação de Propaganda Feminista. A 26 de outubro de 1910, apresentou, em assembleia geral da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, outras das suas aspirações, que desejava ver concretizadas pela República, designadamente, a revisão do Código Civil, no que diz respeito à mulher, tanto na família como na sociedade, a lei do divórcio, o direito de eleger e ser elegível para os cargos municipais, o desempenho de funções na assistência pública, a abolição das leis que proibiam a mulher de exercer determinadas carreiras e a legal concorrência com os homens no acesso aos lugares cimeiros. A escritora acabou mesmo por colaborar com Afonso Costa, então ministro da Justiça da 1.ª República, na elaboração da lei do divórcio.
O desencadear da Primeira Guerra Mundial, em 1914, fez emergir a sua última fase feminista, a de nacionalista, cuja prioridade foi a defesa da intervenção do país ao lado dos Aliados e o apoio aos soldados portugueses mobilizados, o que foi feito através da Associação de Propaganda Feminista e da Comissão Feminina pela Pátria. Esta última instituição foi organizada em Portugal com o intuito de mobilizar as mulheres para o esforço de guerra e, a partir da mesma, formou-se a Cruzada das Mulheres Portuguesas (1916), cujo objetivo era a assistência aos soldados recrutados para a Primeira Guerra Mundial e às suas famílias.
À medida que se empenhava na Cruzada das Mulheres Portuguesas, sobressaía a desilusão com o regime republicano. A rutura consolidou-se, no início da década de 20 do século xx, com a aproximação de Ana de Castro Osório ao Estado Novo, regime político que sucedeu à 1.ª República, tendo o feminismo, de que fora uma lúcida e ativa porta-voz, enfraquecido. No fim da 1.ª República, sentindo-se “desiludida” com a situação política em Portugal, cingiu a sua intervenção pública à escrita e ao trabalho na Cruzada das Mulheres Portuguesas.
Ana de Castro Osório e os direitos humanos
De personalidade muitíssimo forte e independente, Ana de Castro Osório foi perseverante nos ideais que defendeu. Conquistou, por mérito próprio, um lugar no espaço público, que, por ser maioritariamente masculino, estava vedado às mulheres. A sua educação foi determinante na forma de ver e pensar o mundo, e o seu matrimónio terá contribuído para acentuar a dedicação à escrita e desencadear a sua intervenção cívica e política. A constatação do atraso vivido pelas mulheres no início do século xx, sem instrução nem direitos políticos, menorizadas pelo Código Civil, sujeitas à tutela masculina, limitadas ao papel de esposas, mães, irmãs ou filhas, encaminhou Ana de Castro Osório para a reivindicação de direitos para o sexo feminino. Percebeu que a igualdade entre mulheres e homens é uma condição de justiça social, sendo igualmente um requisito necessário e fundamental para o desenvolvimento. Efetivamente, foi uma cidadã interveniente, dedicada e precursora na luta pela igualdade de género e dos direitos das mulheres portuguesas, em particular. Por conseguinte, Ana de Castro Osório defendeu o que está consignado no artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos …”. Atribuiu à educação um papel fundamental na promoção de uma cultura cívica e advogou a favor da instrução como arma importante de combate à subalternidade das mulheres, indo ao encontro do que está estabelecido no artigo 26.º da referida Declaração: “Toda a pessoa tem direito à educação …”. Lutou pela emancipação feminina ao lado de outras proeminentes mulheres da sociedade portuguesa de então, entre elas, Carolina Beatriz Ângelo. Não se pode esquecer o que foi a luta destas mulheres para criar um Portugal novo, aberto às ideias modernas e encerrado à ditadura tradicional do sexo masculino.
Distinções e homenagem
Como reconhecimento do seu valor, propuseram-lhe, em 1919, a condecoração da Ordem de Santiago da Espada, a qual recusou. Em 1931, atribuíram-lhe a condecoração da Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial, que aceitou. Foi homenageada, em 1976, pela Câmara Municipal de Lisboa, dando o nome a uma rua nos arredores da Quinta dos Condes, em Carnide. Para além dessa rua, o seu nome surge na toponímia de muitas outras localidades, como Amadora, Cascais, Entroncamento, Lagos, Mangualde, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Seixal Sesimbra, Setúbal, Sintra e Tavira. O seu nome encontra-se também associado a uma Biblioteca, em Belém (Lisboa), e a uma Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos, em Mangualde. A Liga dos Combatentes da Grande Guerra colocou, em sua honra, no salão da sua sede, em Lisboa, o busto de Ana de Castro Osório, em bronze, obra do escultor João da Silva.
Propostas de estratégias de ação pedagógica para o 3.º Ciclo (9.ºano)
– Pesquisar sobre o tema: “A luta das mulheres pela igualdade (1900-1935)”;
– Selecionar algumas figuras femininas internacionais que se destacaram na luta pela igualdade de direitos e elaborar pequenas frases alusivas às suas conquistas;
– Realizar uma exposição com as fotos das figuras femininas internacionais e as frases alusivas às suas conquistas, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Bibliografia
Impressa
ALMEIDA, C. M. de (2015). Ana de Castro Osório. A Mulher que votou na Literatura. Ilustração M. Monteiro. Lisboa: Pato Lógico Edições.
OSÓRIO, A. de. C. (2008). Contos Tradicionais Portugueses. Sintra: Colares Editora.
Digital
“A mulher na história da Maçonaria portuguesa”, https://www.freemason.pt/a-mulher-na-historia-da-maconaria-portuguesa (acedido a 10.10.2023).
“Ana de Castro Osório”, https://imprensanacional.pt/ana-de-castro-e-osorio-mae-da-literatura-infantil-em-portugal-e-uma-incansavel-lutadora-pelos-direitos-das-maes-portuguesas (acedido a 10.10.2023).
“Ana de Castro Osório, militante do feminismo e da literatura infantil”, https://ensina.rtp.pt/artigo/ana-de-castro-osorio-militante-do-feminismo-e-da-literatura-infantil (acedido a 10.10.2023).
“Biografia de Ana de Castro Osório”, https://www.sibila.pt/biografias/ana_de_castro_osorio.html (acedido a 10.10.2023).
Professora: Maria Clara da Silva Pinheiro de Carvalho
Alunas: Carolina Coimbra Correia, Daniela Monteiro da Silva, Ana Cristina Moreira Alves
Ilustrações de alunos/as: Rita Pereira Nicole