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    Protocolo sobre Apatridia [Dicionário Global]

    Protocolo sobre Apatridia é a atual designação abreviada do Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia, adotado e aberto à assinatura dos Estados em 12 de abril de 1930, durante a Conferência para a Progressiva Codificação do Direito Internacional, que teve lugar na Haia, sob a égide da Sociedade das Nações, e de cujos trabalhos saíram também a Convenção sobre Questões Relacionadas com o Conflito de Leis de Nacionalidade, um Protocolo relativo a obrigações militares em certos casos de dupla nacionalidade e um Protocolo sobre as responsabilidades do Estado de última nacionalidade pela readmissão de apátridas considerados indesejáveis no território de outro Estado (originalmente designado “Protocolo especial sobre apatridia”).

    O Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia consagrou uma cláusula de prevenção da apatridia, estipulando, no seu art. 1.º, que, num Estado cuja nacionalidade não seja conferida pelo mero facto do nascimento no território, uma pessoa nascida no território desse Estado de mãe que possua a nacionalidade desse Estado e de pai sem nacionalidade ou de nacionalidade desconhecida deve ter a nacionalidade desse Estado.

    De acordo com o Relatório do Primeiro Comité (Nacionalidade) da Conferência de Codificação, a proposta inicialmente avançada pelo Comité Preparatório da Conferência, como Base 12, foi a de inclusão na Convenção sobre Questões Relacionadas com o Conflito de Leis de Nacionalidade de um artigo que previsse a obrigação dos Estados de concederem a sua nacionalidade a crianças nascidas no seu território de pais apátridas ou de nacionalidade desconhecida, sob condição de estas residirem no território até uma certa idade. O Primeiro Comité acabou, no entanto, por adotar um texto diferente para o que veio a ser o art. 15.º da Convenção, de menor alcance do que a proposta inicial (o que o próprio relator admitiu poder ser visto como um retrocesso). Nos termos do art. 15.º da Convenção, quando a nacionalidade de um Estado não seja adquirida automaticamente por motivo de nascimento no seu território, as crianças nascidas no território desse Estado de pais apátridas ou de nacionalidade desconhecida podem obter a nacionalidade desse Estado, cabendo ao Direito desse Estado fixar as condições para a aquisição da nacionalidade nesses casos. Esta remissão para o Direito interno dos Estados limita significativamente a força do preceito. Segundo o Relatório do Primeiro Comité, o texto proposto pelo Comité Preparatório para a Base 12 foi substituído para atender às observações feitas pelas delegações de vários Estados a respeito das respetivas normas de Direito interno sobre pessoas apátridas e também a respeito das implicações económicas de uma tal disposição. Apesar de um dos princípios fundamentais norteadores dos trabalhos da Conferência de Codificação ter sido o de assegurar que cada pessoa tem uma nacionalidade, o Primeiro Comité entendeu dever reconhecer a força das razões económicas invocadas por alguns Estados para justificarem o desejo de não assumir naquele momento qualquer obrigação de aumentar o número dos seus nacionais através da atribuição indiscriminada da sua nacionalidade a crianças apátridas. O Primeiro Comité manifestou-se confiante, em todo o caso, de que o enunciado do art. 15.º da Convenção sinalizava minimamente o seu desejo de que os Estados considerassem a possibilidade de introduzir no respetivo Direito interno disposições para prevenir um aumento alarmante de pessoas apátridas.

    Note-se, no entanto, que outras Bases propostas pelo Comité Preparatório para acautelar a situação de crianças em risco de apatridia – concessão, sob certas condições, da nacionalidade do Estado de nascimento a crianças filhas de pai estrangeiro se a nacionalidade do pai não fosse transmitida automaticamente por efeito da lei da respetiva nacionalidade (Base 13) e concessão da nacionalidade a crianças nascidas a bordo de navios (Bases 14 e 14bis) – foram simplesmente eliminadas por decisão do Primeiro Comité, a pretexto de os casos a que tais disposições poderiam aplicar-se serem excecionais. O mais que foi possível incluir no texto da Convenção foi a atribuição da nacionalidade do Estado de nascimento a crianças de pais desconhecidos e o estabelecimento de uma presunção iuris tantum (isto é, oponível mediante prova em contrário) de que os recém-nascidos abandonados nasceram no território do Estado onde são encontrados (art. 14.º).

    Como solução de compromisso, apta a prevenir alguns casos de apatridia (resultantes sobretudo de movimentos migratórios subsequentes à guerra de 1914-1918), a delegação polaca propôs durante a discussão da Base 12 um enunciado restrito aos casos de crianças nascidas em Estados que não tivessem adotado o sistema de ius soli de mãe nacional desse Estado e de pai apátrida ou de nacionalidade desconhecida, o que o Primeiro Comité entendeu dever ser objeto de um protocolo anexo à Convenção. O Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia – aprovado por uma maioria de dois terços das delegações presentes – resultou precisamente desta solução de compromisso.

    Para além da disposição substantiva cujo enunciado foi reproduzido supra e que corresponde ao art. 1.º, o Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia inclui um conjunto de disposições gerais formais sobre a relação deste com outros instrumentos de Direito Internacional, a possibilidade de aposição de reservas e de denúncia, as vias de resolução de disputas, etc. O art. 2.º estatui que as Partes Contratantes acordam em aplicar os princípios e regras contidos no art. 1.º nas suas relações recíprocas, a partir da data de entrada em vigor do Protocolo, mas ressalva que a inclusão desses princípios e regras no art. 1.º é sem prejuízo da questão de saber se estes fazem ou não parte do Direito Internacional e também que qualquer aspeto não coberto pelo art. 1.º é regulado pelos princípios e regras de Direito Internacional geral. O art. 3.º dispõe que nada no Protocolo afeta as disposições de qualquer tratado, convenção ou acordo em vigor entre qualquer das Partes Contratantes a respeito de nacionalidade ou matérias conexas. O art. 4.º admite a aposição de reservas aos arts. 1.º e 5.º, no todo ou em parte, e o art. 13.º autoriza os Estados a declarar que o Protocolo não é aplicável às suas colónias, protetorados ou territórios ultramarinos e respetivas populações. O art. 5.º prevê as várias vias de resolução de litígios (da diplomática à judicial) para disputas que possam ocorrer entre as Partes Contratantes quanto à interpretação e aplicação do Protocolo. O art. 6.º estabelece 31 de dezembro de 1930 como prazo para a vinculação ao Protocolo por assinatura; sendo que, nos termos do art. 8.º, a partir dessa data, a vinculação ao Protocolo passou a fazer-se através de instrumento de adesão. O art. 7.º estabelece que o Protocolo está sujeito a ratificação e que as ratificações são depositadas junto do Secretariado da Sociedade das Nações. Os arts. 9.º e 10.º dispõem sobre as condições para a entrada em vigor e o art. 11.º sobre as condições para a revisão do Protocolo. O art. 12.º admite a denúncia do Protocolo. O art. 14.º estabelece que o Protocolo deve ser registado pelo secretário-geral da Sociedade das Nações logo que entre em vigor e o art. 15.º estatui que as versões francesa e inglesa do Protocolo fazem igualmente fé.

    O Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia entrou em vigor no dia 1 de julho de 1937, tal como a Convenção sobre Questões Relacionadas com o Conflito de Leis de Nacionalidade. O Protocolo relativo a obrigações militares em certos casos de dupla nacionalidade entrou em vigor no dia 25 de maio de 1937. O terceiro protocolo, sobre as responsabilidades do Estado de última nacionalidade pela readmissão de apátridas considerados indesejáveis no território de outro Estado, não chegou a entrar em vigor. Depois da Segunda Guerra Mundial, estes tratados foram transferidos para a tutela da Organização das Nações Unidas, por força da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 24(I) de 12 de fevereiro de 1946 e da resolução da Assembleia da Sociedade das Nações de 18 de abril de 1946. O Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia foi registado, ex officio, no Secretariado das Nações Unidas, no dia 1 de abril de 2004, em conformidade com o art. 102.º da Carta das Nações Unidas, estando publicado na recolha de tratados e acordos internacionais registados junto do Secretariado das Nações Unidas (Treaty Series, vol. 2252, de 2005), sob a designação de “Protocolo Multilateral Especial sobre Apatridia”. Segundo esta publicação, o Protocolo entrou em vigor no dia 15 de março de 2004. Mantém-se em vigor até hoje.

    Tendo sido, como foi, uma solução de compromisso, o art. 1.º do Protocolo Relativo a um Certo Tipo de Apatridia tem muitas limitações enquanto cláusula de prevenção da apatridia. Na verdade, como notam Gerard-René de Groot e Olivier Willem Vonk, o que desencadeia a aplicação do Protocolo não é o risco de apatridia da criança, mas sim a circunstância de o pai ser apátrida ou de nacionalidade desconhecida. Em contrapartida, basta que a nacionalidade do pai seja desconhecida para que o Protocolo se aplique, não sendo necessário provar que a criança é apátrida. Por outro lado, o Protocolo permite às mulheres a transmissão da sua nacionalidade aos seus filhos, mas apenas nos casos em que o pai seja apátrida ou de nacionalidade desconhecida. O disposto no Protocolo é supérfluo para todos os Estados que adotem o sistema de ius soli ou que consagrem cláusulas genéricas de prevenção da apatridia atribuindo a respetiva nacionalidade a todas as crianças nascidas no seu território que, de outro modo, sejam apátridas.

    Bibliografia

    DE GROOT, R. (2013). “Survey on Rules on Loss of Nationality in International Treaties and Case Law”. CEPS Paper in Liberty and Security in Europe, 57.

    DE GROOT, G.-R. & VONK, O. W. (2016). International Standards on Nationality Law: Texts, Cases and Materials. Oisterwijk: Wolf Legal Publishers.

    RAMOS, R. M. (1984). Do Direito Português da Nacionalidade. Coimbra: Coimbra Editora.

    RAMOS, R. M. (1993). “The impact of the Hague Conventions on Portuguese Private International Law”. Netherlands International Law Review, 40 (1), 79-92.

    WORSTER, W. T. (2019). “The Obligation to Grant Nationality to Stateless Children under Customary International Law”. Michigan State International Law Review, 27 (3), 441-538.

    Autora: Patrícia Jerónimo

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