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    Censura [Dicionário Pedagógico]

    O que é a Censura?

    A palavra “censura” provém do latim censūra e pode ter significados vários, de acordo com o contexto em que se insere, religioso ou político. Pode significar condenação, crítica, reprovação social, e é a instituição que, em estados autoritários, examina e julga as obras literárias, históricas e científicas, limitando a circulação daquelas que veiculam ideias ou ideologias opostas às do regime estabelecido.

    A censura pode ser igualmente um recurso em estados democráticos, atuando através dos meios de comunicação social, por exemplo, condicionando o acesso a conteúdos informativos e manifestações artísticas potencialmente inconvenientes ou ofensivas.

    Por todos estes motivos, a censura corresponde a todas as formas de limitação da liberdade de expressão e de pensamento.

    A Censura em Portugal

    Existem alguns marcos históricos da instituição censória em Portugal, que se compassam com a emergência dos mecanismos de controlo e unificação estatal em vigor na Europa desde o final da Idade Média, e a que não é alheia a importância que a imprensa assumiu desde então na sociedade. Assim, no século XVI, é de destacar a introdução do Tribunal do Santo Ofício em Portugal (1536), mais conhecido como Inquisição, e, com ele, da censura inquisitorial, que levou a cabo a publicação dos índices de livros proibidos.

    Fig. 1: Index Librorum Prohibitorum, F. 182 Lisboa, 1597

    Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal

    Estes consistiam no registo em extensos catálogos de livros em que predominavam ideias consideradas heréticas e anticlericais (pela afirmação de ideologias religiosas ou ideias científicas contrárias à doutrina do catolicismo dominante, por exemplo), mas também de natureza lasciva e mágica. A condenação dessas obras passava muitas vezes por mandar queimá-las publicamente. A partir daí, até meados do século XVIII, vigorou a tripla censura das obras literárias, em que é notória uma articulação entre o poder régio e o poder eclesiástico. A publicação de qualquer texto dependia de um exame prévio, que era exercido pelo Conselho Geral do Santo Ofício (a cargo da Inquisição), o Tribunal do Desembargo do Paço (constituído pelos censores régios) e o Ordinário da Diocese (relativo à licença concedida pelo bispo).

    Já no século XVIII, mais concretamente em 1768, a fiscalização dos livros passou a estar a cargo de uma nova instituição centralizada pelo poder régio, a Real Mesa Censória. Também esta publicou extensos editais onde constavam sobretudo obras filosóficas modernas que colidiam com as perspetivas do despotismo ilustrado do reinado de D. José, como as do filósofo francês Voltaire, autor de Cândido ou o Otimismo (1759). Numa época em que se fazia a apologia dos ideais de simplicidade do Neoclassicismo e se afirmava o racionalismo científico contra o obscurantismo, os censores da Real Mesa excluíam também da publicação todas as obras que apresentassem marcas da eloquência barroca e disseminassem ideias supersticiosas. A Real Mesa Censória é alvo de reforma, sendo substituída pela Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros, no reinado de D. Maria I, que vigora apenas entre 1787 e 1794.

    No século XIX, a censura continua a existir, porém, são feitos avanços significativos no sentido de a desmontar, graças ao estabelecido na Carta Constitucional de 1826 (artigo 145, § 3): “Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicados pela Imprensa sem dependência de Censura, contanto que hajam de responder pelos abusos, que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma que a Lei determinar”. Contudo, a censura prévia regressaria ainda no século XIX, sendo de novo decretada a sua supressão na 1.ª República, através de uma nova lei da imprensa.

    Por fim, o último grande marco da censura política em Portugal corresponde à ação desenvolvida no período do Estado Novo, em que assume protagonismo uma nova instituição, o Secretariado de Propaganda Nacional (1933), que tem um importante papel na elaboração de um ideário educacional e cultural acorde com a ditadura liderada por António de Oliveira Salazar. Em 11 de Abril de 1933, em contradição com todas as Constituições anteriores (1834, 1838 e 1911), a Constituição de 1933 prevê a censura prévia. O artigo 3.º do decreto-lei 22.469 estabelece o seguinte: “A censura terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os fatores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade”. Já o decreto-lei 26.589, de 14 de maio de 1936, regula a fundação de jornais, a proveniência do seu financiamento, regula o número de páginas e proíbe “a entrada em Portugal, a distribuição e a venda de jornais, revistas e quaisquer outras publicações estrangeiras que contenham matéria cuja divulgação não seria permitida em publicações portuguesas” (RODRIGUES, 1980, 67-68).

    Em 1944, a censura tornou-se legalmente um órgão de formação e propaganda política. As ordens da Direção dos Serviços de Censura de Instruções também visavam a publicação de literatura infantil. O cinema foi igualmente alvo da censura durante este período, tendo sido proibidos de circular inúmeros filmes estrangeiros.

    O “lápis azul” foi o símbolo da censura do Estado Novo, porque os censores usavam um lápis de cor azul para fazer cortes nos textos literários e conteúdos da imprensa que entendiam serem subversivos e difamadores quer da autoridade política quer da moral e dos bons costumes.

    Cinema e autocensura no Estado Novo

    Um estudo de Cristina Batista Lopes mostra a eficácia da autocensura em Portugal, entre 1945 e 1952. Não houve nenhum filme português proibido nessa época. Os realizadores sabiam de antemão que se não obedecessem aos critérios definidos por lei teriam enormes prejuízos. Manoel de Oliveira (1908-2015), por exemplo, simplesmente deixou de realizar cinema. Os filmes produzidos obedeciam às normas, salvo raras exceções, que, contudo, não escaparam aos cortes. Uma delas foi o realizador Manuel Guimarães (1915-1975), autor de Saltimbancos, Nazaré e Vidas sem Rumo, que desafiou o regime ao abordar temas como a pobreza e a desigualdade social. O espetador de cinema só tinha acesso a películas onde não havia crimes, nem problemas sociais, nem pobreza ou conflitos: “No imaginário coletivo do público desenvolveu-se uma fantasia de ordem e harmonia social completamente desenquadra da realidade” (LOPES, 2021).

    Fim da Censura e Liberdade de Expressão

    Com o 25 de Abril de 1974, foi de imediato decretado o fim de todos os meios de censura em Portugal. O fim da censura corresponde à afirmação plena da liberdade de expressão como um dos direitos humanos fundamentais e um dos pilares da democracia, regime este que, ao contrário dos estados totalitários, assenta numa pluralidade de opiniões e na ideia de tolerância, civil e religiosa.

     

    Proposta de ação pedagógica

    – Visita ao Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, em Lisboa;

    – Visualização do documentário Lápis Azul, de Rafael Antunes, 2012;

    – Visualização dos filmes A Vida é Bela, de Roberto Benigni, 1997; e O Pianista, de Roman Polanski, 2002.

    Bibliografia

    Impressa

    RODRIGUES, G. A. (1980). Breve História da Censura Literária em Portugal. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa Ministério da Educação e Ciência.

    TAVARES, R. (2018). O Censor Iluminado – Ensaio Sobre o Século XVIII e a Revolução Cultural do Pombalismo. Lisboa: Tinta da China.

    Digital

    ANTUNES, R. (2012). Lápiz Azul – Documentário, https://www.youtube.com/watch?v=bd05wvksvcY (acedido a 12.02.2024).

    Carta Constitucional de 29 de abril de 1826,   https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1533.pdf  (acedido a 05.02.2024).

    LOPES, C. B. (2021). “A censura ao cinema em Portugal. Filmes proibidos e cortados pela Comissão de Censura (1945-1952)”. Avanca – Cinema Internacional Conference, 12, https://publication.avanca.org/index.php/avancacinema/article/view/275/537 (acedido a 05.02.2024).

    Autores

    Agrupamento de Escolas de Santo António – Barreiro (ano letivo 2022-2023)

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